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sexta-feira, 8 de março de 2013

As carpideiras se calam

Por Luciano Martins Costa

Passadas as primeiras 24 horas da morte de Hugo Chávez, a imprensa brasileira abre suas caixas de ferramentas e começa a expor o que realmente pensam seus dirigentes sobre o controverso líder do movimento bolivariano.

Em todos os jornais e nos blogs de revistas semanais de informação, entram em cena os autores do discurso radical que transforma o debate político em uma arena de “vale-tudo”.

O funeral ainda não acabou, mas os pittbulls da mídia não podem esperar: então, de um dia para o outro muda-se completamente o discurso sobre o falecido, as carpideiras enxugam as lágrimas e tudo volta à rotina.

Em blog assinado por um devotado e veterano jornalista, Hugo Chávez é chamado de “bolívar-de-hospício”.

Uma coluna geralmente dedicada à política nacional se aventura em campo ignoto para afirmar que Hugo Chávez “desestruturou a economia, jogou o país nas trevas do atraso institucional”. O texto afirma que o líder venezuelano atuou “dentro da lógica torta de que é necessário aniquilar a democracia para poder proporcionar uma vida melhor a quem precisa”.

Em outro jornal, a coluna faz um exercício de futurologia e prevê o fim da herança bolivariana: “Como ocorreu com o peronismo na Argentina e com o Partido Colorado no Paraguai, os herdeiros do chavismo tendem a se multiplicar – e guerrear entre si”, pontifica, misturando elementos históricos heterogêneos e até mesmo incompatíveis.

Aqui e ali, pipocam afirmações de que o chavismo tem prazo de validade curto, e um ou outro articulista repete como convicção uma impossibilidade aritmética, afirmando que a moeda venezuelana foi desvalorizada em 992% durante o governo Chávez.

Esse número, uma bobagem redonda, foi publicado inicialmente pelo economista Moisés Naím, no Financial Times, e virou uma espécie de verdade assumida pelos inimigos do chavismo, repetida por aí sem maiores reflexões.

O economista Mark Weisbrot, que escreve para o New York Times e o britânico The Guardian, e mais recentemente tem seus artigos publicados pela Folha de S. Paulo, dedica a Naím o “prêmio de erro numérico”, observando que o máximo que uma moeda pode ser desvalorizada é 100%, no ponto em que cada unidade seria trocada por zero dólares.

Caixa de ferramentas

O mais recente artigo de Mark Weisbrot sobre o governo de Hugo Chávez foi publicado originalmente na segunda-feira (13/03), no Guardian, antes da morte do dirigente venezuelano (ver http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2013/mar/03/venezuela-devaluation-doom-mongers), com título em inglês que poderia ser traduzido por “Os profetas do apocalipse da desvalorização venezuelana”.

A tradução publicada nesta quinta-feira (07/03) na seção Tendências/Debates da Folha de S. Paulo é: “O céu não desabou na Venezuela”. Trata-se de um resumo, por questão de espaço, do título dado na edição do Huffington Post, que em português seria: “O céu não desabou depois que a Venezuela desvalorizou sua moeda”.

Na versão da Folha (ver http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/97246-o-ceu-nao-desabou-na-venezuela.shtml), que não contém uma série de críticas de Weisbrot ao viés dado pela imprensa internacional às notícias sobre o governo de Hugo Chávez, foi cortada a frase que se refere ao uso de “lógica distorcida” nas análises sobre a economia venezuelana.

Como toda a imprensa brasileira se baseia homogeneamente no material produzido principalmente por agências americanas, para rechear suas editorias internacionais, fica fácil reconhecer a origem das opiniões que emite.

Andando a cabresto da imprensa hegemônica nos Estados Unidos, articulistas brasileiros repetem a bobagem segundo a qual uma moeda pode ser desvalorizada em mais do que 100%.

No cenário de radicalismo que caracteriza o debate político e econômico na América Latina, fica claro o papel da imprensa ao lançar mão da “lógica distorcida” para impor uma opinião hegemônica na qual Hugo Chávez só pode ser descrito como um “louco de hospício”, um “palhaço”, um “ditador”, e por aí vai.

A verdadeira personalidade do líder venezuelano e o real valor de seu legado nunca serão conhecidos pelos cidadãos que apenas leem os principais jornais e revistas e assistem os noticiários majoritários na televisão.

Por isso, soava estranho que na quarta-feira, dia seguinte à morte de Hugo Chávez, os jornais parecessem tão compassivos em relação a ele.

Nesta quinta, ao abrir a caixa de ferramentas e exibir todo seu arsenal de preconceitos e manipulação, a imprensa brasileira volta ao normal.

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/radios/view/gt_gt_as_carpideiras_se_calam_lt_br_gt_gt_gt_caixa_de_ferramentas

quinta-feira, 7 de março de 2013

Um pouco de justiça

por Luciano Martins Costa


A morte de Hugo Chávez Frías, presidente da Venezuela eleito seguidamente por quatro mandatos, obriga os jornais brasileiros a lhe fazer alguma justiça.

Os cadernos especiais que engordam os diários nesta quarta-feira (06/03) trazem conteúdos tão diferentes da imagem que a imprensa nacional construiu para ele ao longo dos últimos anos, que o leitor distraído haverá de pensar que se trata de personagens diferentes.

Vivo, Chávez era pintado como um ditador populista; morto, é quase um estadista revolucionário.
Articulistas dos grandes jornais lhe fazem epitáfios generosos nos mesmos espaços onde costumavam demonizar seu projeto de governo.

Tabelas e infográficos revelam que, ao contrário do que se dizia, ele não afundou a Venezuela num abismo econômico; ao contrário: reduziu a pobreza, conteve o desemprego, controlou a inflação e deslocou seu país de uma posição subalterna em geopolítica e o colocou como protagonista de grandes questões mundiais.
Não é pouco para quem, enquanto viveu, foi apresentado como irresponsável, autoritário, inimigo das liberdades e incompetente como chefe de Estado.

Uma comparação entre os jornais oferece alguma vantagem à Folha de S. Paulo, por duas razões muito simples: o jornal paulista trocou parte do opiniário por informações objetivas e a principal articulista convidada a fazer o perfil de Chávez, Julia Sweig, teve a humildade de reconhecer, em seu texto, que ainda é cedo para análises mais corretas do que ele representou para a Venezuela e a América Latina. “Os historiadores que se debruçarem sobre o período dentro de algumas décadas vão dispor de ferramentas mais amplas para avaliar mais profundamente o legado de Chávez”, diz a articulista.

E qual seria esse legado? Segundo o Estado de S.Paulo, antes de Chávez o Produto Interno Bruto da Venezuela era de menos de US$ 200 bilhões; em 2012, o PIB venezuelano chegou a US$ 400 bilhões. De acordo com a Folha, a inflação, que Chávez herdou num patamar acima de 35% ao ano, baixou para 23,2%, apesar da crise de 2008. E o desemprego, que era de 11,3% quando ele assumiu, caiu para 8%.
A dívida pública subiu e a violência, vista pelo número de homicídios por cem mil habitantes, aumentou muito, mas há controvérsias derivadas da melhoria nos registros policiais nesse período.

De acordo com a visão oferecida pela Folha, Hugo Chávez foi um homem do seu tempo, radicalmente fiel ao conjunto de valores que dominaram a política latino-americana neste início de século: crescimento com inclusão social, consenso em defesa da democracia, e independência em relação à diplomacia condicionada aos interesses de segurança dos Estados Unidos.

Por conta dessa política que se opunha aos dogmas do chamado liberalismo econômico, a imprensa se vê obrigada a registrar que, em seus três mandatos integrais, a pobreza extrema caiu de 20,3% para apenas 7% da população venezuelana, um resultado superior ao fenômeno do resgate social obtido pelo Brasil no mesmo período.

Outro aspecto interessante nos indicadores apresentados pela Folha é o conjunto de gráficos sobre o crescimento do PIB nas principais economias sul-americanas, que mostram como a Venezuela, por depender exclusivamente do petróleo, sofreu o maior impacto da crise financeira de 2008, mas reagiu de maneira mais consistente do que a maioria dos países da região.

Os gráficos publicados pelo Estadão não deixam tão claras as conquistas do líder controverso e o Globo apenas cita alguns desses números em um texto de sua correspondente.

O jornal carioca destaca a estatização da economia venezuelana, mas admite que “em termos de indicadores, de fato, a revolução bolivariana conseguiu reduzir de forma expressiva a pobreza”.
No mais, a imprensa brasileira discute se ele foi um caudilho, um líder populista ou um revolucionário, destaca seu temperamento histriônico, relata sua guerra com os grandes conglomerados de comunicação da Venezuela e investe em adivinhações sobre o futuro do chavismo.

Restam, então, algumas questões.
Uma delas: se Chávez produziu mudanças tão radicais e positivas na economia e na sociedade venezuelanas, por que suas conquistas foram ocultadas pela imprensa brasileira enquanto ele viveu?
Se o objetivo do desenvolvimento econômico é promover crescimento com redução das desigualdades – e ele conseguiu isso sem ameaçar a democracia, como destacam os jornais –, por que razão foi demonizado desde que chegou ao poder?

A imprensa só faz justiça nos obituários?

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/radios/view/gt_gt_um_pouco_de_justica_lt_br_gt_gt_gt_gt_conquistas_sociais