terça-feira, 29 de abril de 2014
LULA, JOAQUIM E CHACRINHA
por Paulo Moreira Leite
A irritação do STF com as declarações de Lula sobre a AP 470 é compreensível. Ninguém gosta de ser criticado, muito menos por um político – o mais popular do país -- que falou palavras claras e duras sobre o julgamento.
Palavras que devem ser compreendidas como uma opinião política, direito fundamental assegurado pela Constituição.
Imaginar que uma decisão do STF não pode ser criticada e deve ser sacralizada contraria o comportamento do próprio tribunal, a começar pelo presidente do STF.
Não custa lembrar.
No fim de fevereiro, quando o STF absolveu os réus pelo crime de formação de quadrilha, Joaquim Barbosa julgou-se no direito de fazer um pronunciamento, em pleno tribunal, onde empregou termos muito mais graves – alguns podem até ser considerados ofensivos – para se referir a decisão do plenário.
Ele definiu os juízes que tomaram a decisão como “maioria de circunstância”.
Falta de respeito?
Joaquim classificou os próprios embargos que permitiram a revisão -- aprovados com apoio do decano Celso de Mello -- como um “recurso à margem da lei.”
Disse que os ministros empregaram "argumentos pífios".
Acusou os colegas de serem tomados por uma “sanha reformadora”. Sabe o que é sanha? “Rancor, desejo de vingança”, diz o Houaiss.
Joaquim não dava uma entrevista nem respondia a pergunta de jornalistas. Definiu sua fala como um “alerta a nação.”
Usou termos rudes para se referir a um trabalho tão legítimo como o dele.
A menos que queria instituir um regime político no qual a judicializaçao inclui o direito de censura a uns e a liberdade a outros, a única reação coerente é aceitar que juízes, políticos, jornalistas, trabalhadores e 200 milhões de brasileiros possam dar sua opinião.
O resto é puxa-saquismo e submissão, incompatíveis com a democracia.
É por isso que Eduardo Campos e Aécio Neves cometeram um erro feio quando saíram em publico para criticar Lula, mesmo de forma velada. Nem vamos falar que é uma postura interesseira, de quem quer ajuda de Joaquim para ganhar Ibope junto a determinados eleitores e fazer pinta de amigo da ordem. Não vamos ser deselegantes.
Nem vamos dizer que é uma forma de gentileza por parte de quem teve aliados -- como o ex-ministro tucano Pimenta da Veiga -- que receberam dinheiro de Marcos Valério e ficaram de fora da AP 470. Pimenta, como se sabe, embolsou 300 000 reais -- e isso a Polícia Federal apontou logo no começo da investigação. O que aconteceu? Nada lhe aconteceu durante anos. Mais tarde, entrou no mensalão mineiro, tardiamente, de fininho...candidato certo a prescrição por idade. E claro, com direito a duplo grau de jurisdição, se for necessário.
Não é disso que estou falando. Vamos a substância.
Para quem afirma que as decisões do Supremo não podem ser discutidas, devem ser 100% cumpridas, eu pergunto: se pensam mesmo assim, quando é que eles vão pedir ao Supremo que cumpra a decisão que garantiu a José Dirceu o direito ao regime semi aberto? Tá demorando, vamos combinar.
A coragem para criticar Lula não é mesma para cobrar Joaquim?
Olha só: Dirceu nunca recebeu uma sentença que, transitada em julgado, o impedisse de sair do presídio para trabalhar. Nunca. Ou seja: nunca recebeu regime fechado como pena. No entanto, está lá, trancafiado na Papuda, desde 15 de novembro de 2013.
Já deu para perceber quem está “discutindo” a decisão do Supremo. Quem está "questionando", não apenas com palavras, mas atos. Imagine quem está descumprindo, Eduardo Campos.
Lula? Eu?
Ou o próprio presidente, inconformado com a derrota do rancor da maioria de circunstancia que aplicou um recurso a margem da lei.
Há outro aspecto. Um tribunal que não gosta de ver suas sentenças debatidas deveria ter outro comportamento. Deveria ser mais discreto, mais circunspecto e reservado. Repito que as decisões do STF e de qualquer outra corte podem e devem ser debatidas. Sem isso, a Justiça não avança. Se a população americana jamais discutisse decisões sobre o aborto ele jamais teria sido legalizado, certo?
O problema é outro, também. Nosso Supremo decidiu ser pop.
Nosso STF faz questão de televisionar os julgamentos ao vivo. Os juízes foram vistos, na AP 470, fazendo até piadinhas e comentários irônicos sobre os petistas. Pudemos assistir, várias vezes, o mesmo Joaquim Barbosa tendo modos grosseiros e furiosos contra seus colegas. E assim por diante.
Não adianta negar.
Não saíram máscaras de carnaval de Joaquim? Não teve gente que se achou no direito de chamar Ricardo Lewandovski de Livrandovwski? Ele não foi tratado com grosseria quando foi votar?
E então?
Estamos no mundo pop, gente. Pode ser vulgar, grosseiro, interesseiro, comercial.
Se queria ser tratado com a reverência de uma Suprema Corte americana, por exemplo, o STF deveria comportar-se de outra maneira, estabelecer outros códigos.
Jamais poderia tentar proibir o cidadão comum de comentar, criticar ou elogiar suas decisões. Isso, repito até cansar, Voltaire, é direito democrático.
Imagine: em 1964 o STF disse que a presidência estava vaga, dando base legal ao golpe. Não era correto dar opinião?
Imagine se todo mundo, agora, tivesse de concordar com a absolvição total de Fernando Collor e achar que não há nada de errado com a condenação completa do PT de Lula?
O STF em sua fase atual poderia aprender uma nova versão da lição do velho Abelardo Chacrinha, o patrono da moderna comunicação brasileira.
Chacrinha dizia que quem não comunica se estrumbica. Faltou entender a segunda lição; quem comunica também se estrumbica – quando passa a mensagem errada.
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE
Palavras que devem ser compreendidas como uma opinião política, direito fundamental assegurado pela Constituição.
Imaginar que uma decisão do STF não pode ser criticada e deve ser sacralizada contraria o comportamento do próprio tribunal, a começar pelo presidente do STF.
Não custa lembrar.
No fim de fevereiro, quando o STF absolveu os réus pelo crime de formação de quadrilha, Joaquim Barbosa julgou-se no direito de fazer um pronunciamento, em pleno tribunal, onde empregou termos muito mais graves – alguns podem até ser considerados ofensivos – para se referir a decisão do plenário.
Ele definiu os juízes que tomaram a decisão como “maioria de circunstância”.
Falta de respeito?
Joaquim classificou os próprios embargos que permitiram a revisão -- aprovados com apoio do decano Celso de Mello -- como um “recurso à margem da lei.”
Disse que os ministros empregaram "argumentos pífios".
Acusou os colegas de serem tomados por uma “sanha reformadora”. Sabe o que é sanha? “Rancor, desejo de vingança”, diz o Houaiss.
Joaquim não dava uma entrevista nem respondia a pergunta de jornalistas. Definiu sua fala como um “alerta a nação.”
Usou termos rudes para se referir a um trabalho tão legítimo como o dele.
A menos que queria instituir um regime político no qual a judicializaçao inclui o direito de censura a uns e a liberdade a outros, a única reação coerente é aceitar que juízes, políticos, jornalistas, trabalhadores e 200 milhões de brasileiros possam dar sua opinião.
O resto é puxa-saquismo e submissão, incompatíveis com a democracia.
É por isso que Eduardo Campos e Aécio Neves cometeram um erro feio quando saíram em publico para criticar Lula, mesmo de forma velada. Nem vamos falar que é uma postura interesseira, de quem quer ajuda de Joaquim para ganhar Ibope junto a determinados eleitores e fazer pinta de amigo da ordem. Não vamos ser deselegantes.
Nem vamos dizer que é uma forma de gentileza por parte de quem teve aliados -- como o ex-ministro tucano Pimenta da Veiga -- que receberam dinheiro de Marcos Valério e ficaram de fora da AP 470. Pimenta, como se sabe, embolsou 300 000 reais -- e isso a Polícia Federal apontou logo no começo da investigação. O que aconteceu? Nada lhe aconteceu durante anos. Mais tarde, entrou no mensalão mineiro, tardiamente, de fininho...candidato certo a prescrição por idade. E claro, com direito a duplo grau de jurisdição, se for necessário.
Não é disso que estou falando. Vamos a substância.
Para quem afirma que as decisões do Supremo não podem ser discutidas, devem ser 100% cumpridas, eu pergunto: se pensam mesmo assim, quando é que eles vão pedir ao Supremo que cumpra a decisão que garantiu a José Dirceu o direito ao regime semi aberto? Tá demorando, vamos combinar.
A coragem para criticar Lula não é mesma para cobrar Joaquim?
Olha só: Dirceu nunca recebeu uma sentença que, transitada em julgado, o impedisse de sair do presídio para trabalhar. Nunca. Ou seja: nunca recebeu regime fechado como pena. No entanto, está lá, trancafiado na Papuda, desde 15 de novembro de 2013.
Já deu para perceber quem está “discutindo” a decisão do Supremo. Quem está "questionando", não apenas com palavras, mas atos. Imagine quem está descumprindo, Eduardo Campos.
Lula? Eu?
Ou o próprio presidente, inconformado com a derrota do rancor da maioria de circunstancia que aplicou um recurso a margem da lei.
Há outro aspecto. Um tribunal que não gosta de ver suas sentenças debatidas deveria ter outro comportamento. Deveria ser mais discreto, mais circunspecto e reservado. Repito que as decisões do STF e de qualquer outra corte podem e devem ser debatidas. Sem isso, a Justiça não avança. Se a população americana jamais discutisse decisões sobre o aborto ele jamais teria sido legalizado, certo?
O problema é outro, também. Nosso Supremo decidiu ser pop.
Nosso STF faz questão de televisionar os julgamentos ao vivo. Os juízes foram vistos, na AP 470, fazendo até piadinhas e comentários irônicos sobre os petistas. Pudemos assistir, várias vezes, o mesmo Joaquim Barbosa tendo modos grosseiros e furiosos contra seus colegas. E assim por diante.
Não adianta negar.
Não saíram máscaras de carnaval de Joaquim? Não teve gente que se achou no direito de chamar Ricardo Lewandovski de Livrandovwski? Ele não foi tratado com grosseria quando foi votar?
E então?
Estamos no mundo pop, gente. Pode ser vulgar, grosseiro, interesseiro, comercial.
Se queria ser tratado com a reverência de uma Suprema Corte americana, por exemplo, o STF deveria comportar-se de outra maneira, estabelecer outros códigos.
Jamais poderia tentar proibir o cidadão comum de comentar, criticar ou elogiar suas decisões. Isso, repito até cansar, Voltaire, é direito democrático.
Imagine: em 1964 o STF disse que a presidência estava vaga, dando base legal ao golpe. Não era correto dar opinião?
Imagine se todo mundo, agora, tivesse de concordar com a absolvição total de Fernando Collor e achar que não há nada de errado com a condenação completa do PT de Lula?
O STF em sua fase atual poderia aprender uma nova versão da lição do velho Abelardo Chacrinha, o patrono da moderna comunicação brasileira.
Chacrinha dizia que quem não comunica se estrumbica. Faltou entender a segunda lição; quem comunica também se estrumbica – quando passa a mensagem errada.
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE
segunda-feira, 28 de abril de 2014
quinta-feira, 24 de abril de 2014
Falso Amor Sincero - Convite
O Falso Amor Sincero nasceu da inquietação de um grupo de amigos - Felipe Araújo, Mateus Perdigão de Oliveira, Gabriela Nunes , Marcus Vinicius Oliveira, Américo Souza, Emanuel Furtado e Fernando Bustamante - que compartilham o desejo de construir um novo espaço para o samba na cidade de Fortaleza. Samba que queremos dividir, cantar e celebrar com vocês.
O Kukukaya Casa de Show acolheu generosamente nossa proposta e, no próximo dia 26 de abril, daremos o primeiro passo no que, esperamos, seja uma longa e prazerosa jornada. Axé!!
O Kukukaya Casa de Show acolheu generosamente nossa proposta e, no próximo dia 26 de abril, daremos o primeiro passo no que, esperamos, seja uma longa e prazerosa jornada. Axé!!
quarta-feira, 23 de abril de 2014
Pixinguinha - 23 de abril de 1897
Mundo Melhor (Pixinguinha e Vinicius de Moraes) com Beth de Carvalho.
Mundo Melhor (Pixinguinha e Vinicius de Moraes)
Você que está me escutando
É mesmo com você que estou falando agora
Você que pensa que é bem
Não pensar em ninguém
E que o amor tem hora
Preste atenção, meu ouvinte
O negócio é o seguinte
A coisa não demora
E se você se retrai
Você vai entrar bem, ora se vai
Conto com você, um mais um é sempre dois
E depois, mesmo, bom mesmo, é amar e cantar junto
Você deve ter muito amor pra oferecer
Então pra que não dar o que é melhor em você?
Venha e me dê sua mão
Porque sou seu irmão na vida e na poesia
Deixa a reserva de lado
Eu não estou interessado em sua guerra fria
Nós ainda havemos de ver
Uma aurora nascer
Um mundo em harmonia
Onde é que está a sua fé
Com amor é melhor, ora se é
terça-feira, 22 de abril de 2014
Não apenas a voz
Por Vladimir Safatle
Há algumas edições, eu havia apresentado a ideia de que a esquerda precisa pensar um novo paradigma de governo. Boa parte dos impasses da administração atual pode ser colocada na conta da ausência completa de criatividade política e de experiências de governo mais próximas da afirmação da soberania popular. Experiências trocadas por um tom canhestro de gestão, mistura de cálculo partidário e fetiche por PowerPoint.
Por um lado, de nada adianta tentar escapar do problema relativo ao significado de governar, pois a população não quer apenas nossa revolta. Ela quer a garantia de sabermos como transformar demandas em resultados. A pior coisa a fazer aqui é, no entanto, acreditar que as decisões “técnicas” do Estado pedem um corpo de tecnocratas e burocratas que, por algum milagre gerado no momento da criação, teriam mais condições para decidir do que aqueles realmente envolvidos nos processos.
Essa mentalidade técnico-dirigista é uma das maiores fontes de catástrofes políticas e, nesse ponto, tanto petistas (em especial este último governo capitaneado pela “gerente” Dilma Rousseff) quanto tucanos são indiscerníveis. Tanto a esquerda quanto a direita foram bastante pródigas em dirigismos das mais variadas formas.
Por isso, gostaria de explorar um pouco mais a ideia de governar não ser “dirigir”, mas “garantir as condições para que os cidadãos dirijam a si mesmos, governem a si mesmos”. Isso pode parecer mais um desses slogans vazios com cheiro de state mission de ONG. Podemos, porém, dar mais clareza e concretude a tal ideia.
Um dos pressupostos mais absurdos da política atual é a crença de que os diretamente envolvidos em processos não são capazes de ter as melhores respostas para os problemas gerados no interior desses mesmos processos. Por exemplo, apesar de um infindável número de reformas educacionais decididas por burocratas que há décadas não pisam em uma sala de aula e “ideias geniais e revolucionárias” saídas da cabeça de consultores internacionais pagos a preço de ouro, a educação nacional apresenta níveis de qualidade deploráveis. Há um ritual bizarro de expiação periódica quando os dados do Pisa são apresentados e os brasileiros lutam para ocupar a última posição.
Por que acreditar que ministérios e secretarias da Educação deveriam impor planos? Por que não modificar radicalmente o processo decisório e dar aos realmente envolvidos, ou seja, os professores e profissionais da educação, a condição de discutir e decidir o que deve ser feito? Ninguém melhor do que um professor que passa horas todos os dias em sala de aula para saber o que funciona e o que não funciona, o que significa educar e suas dificuldades. É absurdo crer, por exemplo, que algum consultor ou funcionário teria mais conhecimento técnico sobre educação do que os próprios professores. Eis uma arrogância gerencial que esconde apenas um desejo mal disfarçado de controle e poder.
Sendo assim, o processo decisório poderia ser feito por meio da implementação de conselhos de professores com poder deliberativo (e não apenas com poder consultivo e meramente decorativo). Caberia ao Estado simplesmente garantir o bom funcionamento de tais conselhos, bloqueando aqueles que tentam se servir de lobbies econômicos e outros fatores de dominação, e implementar suas decisões. Ou seja, a verdadeira democracia é aquela cujas decisões técnicas do Estado são tomadas por quem será afetado por tais decisões.
Tal princípio poderia ser implementado em toda e qualquer área da gestão pública. Isso significa que, em uma democracia direta, os poderes Executivo e Legislativo paulatinamente abrem mão de seu monopólio administrativo para funcionarem, cada vez mais, como aparelhos de implementação de decisões tomadas diretamente pela soberania popular. Essa transformação política, que implica uma normalização cotidiana dos mecanismos de manifestação da soberania popular, assim como a pulverização das instâncias decisórias, é a condição prévia para toda e qualquer renovação.
Há algumas edições, eu havia apresentado a ideia de que a esquerda precisa pensar um novo paradigma de governo. Boa parte dos impasses da administração atual pode ser colocada na conta da ausência completa de criatividade política e de experiências de governo mais próximas da afirmação da soberania popular. Experiências trocadas por um tom canhestro de gestão, mistura de cálculo partidário e fetiche por PowerPoint.
Por um lado, de nada adianta tentar escapar do problema relativo ao significado de governar, pois a população não quer apenas nossa revolta. Ela quer a garantia de sabermos como transformar demandas em resultados. A pior coisa a fazer aqui é, no entanto, acreditar que as decisões “técnicas” do Estado pedem um corpo de tecnocratas e burocratas que, por algum milagre gerado no momento da criação, teriam mais condições para decidir do que aqueles realmente envolvidos nos processos.
Essa mentalidade técnico-dirigista é uma das maiores fontes de catástrofes políticas e, nesse ponto, tanto petistas (em especial este último governo capitaneado pela “gerente” Dilma Rousseff) quanto tucanos são indiscerníveis. Tanto a esquerda quanto a direita foram bastante pródigas em dirigismos das mais variadas formas.
Por isso, gostaria de explorar um pouco mais a ideia de governar não ser “dirigir”, mas “garantir as condições para que os cidadãos dirijam a si mesmos, governem a si mesmos”. Isso pode parecer mais um desses slogans vazios com cheiro de state mission de ONG. Podemos, porém, dar mais clareza e concretude a tal ideia.
Um dos pressupostos mais absurdos da política atual é a crença de que os diretamente envolvidos em processos não são capazes de ter as melhores respostas para os problemas gerados no interior desses mesmos processos. Por exemplo, apesar de um infindável número de reformas educacionais decididas por burocratas que há décadas não pisam em uma sala de aula e “ideias geniais e revolucionárias” saídas da cabeça de consultores internacionais pagos a preço de ouro, a educação nacional apresenta níveis de qualidade deploráveis. Há um ritual bizarro de expiação periódica quando os dados do Pisa são apresentados e os brasileiros lutam para ocupar a última posição.
Por que acreditar que ministérios e secretarias da Educação deveriam impor planos? Por que não modificar radicalmente o processo decisório e dar aos realmente envolvidos, ou seja, os professores e profissionais da educação, a condição de discutir e decidir o que deve ser feito? Ninguém melhor do que um professor que passa horas todos os dias em sala de aula para saber o que funciona e o que não funciona, o que significa educar e suas dificuldades. É absurdo crer, por exemplo, que algum consultor ou funcionário teria mais conhecimento técnico sobre educação do que os próprios professores. Eis uma arrogância gerencial que esconde apenas um desejo mal disfarçado de controle e poder.
Sendo assim, o processo decisório poderia ser feito por meio da implementação de conselhos de professores com poder deliberativo (e não apenas com poder consultivo e meramente decorativo). Caberia ao Estado simplesmente garantir o bom funcionamento de tais conselhos, bloqueando aqueles que tentam se servir de lobbies econômicos e outros fatores de dominação, e implementar suas decisões. Ou seja, a verdadeira democracia é aquela cujas decisões técnicas do Estado são tomadas por quem será afetado por tais decisões.
Tal princípio poderia ser implementado em toda e qualquer área da gestão pública. Isso significa que, em uma democracia direta, os poderes Executivo e Legislativo paulatinamente abrem mão de seu monopólio administrativo para funcionarem, cada vez mais, como aparelhos de implementação de decisões tomadas diretamente pela soberania popular. Essa transformação política, que implica uma normalização cotidiana dos mecanismos de manifestação da soberania popular, assim como a pulverização das instâncias decisórias, é a condição prévia para toda e qualquer renovação.
quarta-feira, 16 de abril de 2014
Conceição Lemes, 33 anos de estrada: Resposta em público a O Globo
Por Conceição Lemes
Via Bruno Perdigão
Nessa segunda-feira 13, uma repórter de O Globo enviou-nos um e-mail:
“Estou fazendo uma matéria sobre a entrevista que o ex-presidente Lula concedeu a blogueiros na semana passada. Gostaria de conversar contigo por telefone”.
Pedi que enviasse as perguntas por e-mail. Hoje, às 12h27 elas foram encaminhadas:
Nada contra a repórter. Embora não a conheça, respeito-a profissionalmente como colega.
Já a empresa para a qual trabalha, não merece a nossa consideração.
Com essas perguntas aos blogueiros, O Globo parece estar com saudades da ditadura, quando apresentava como verdadeira a versão dos órgãos de repressão. Exemplo disso foi a da prisão, tortura e assassinato de Raul Amaro Nin Ferreira, em 1971, no Rio de Janeiro.
Com essas perguntas, O Globo parece querer promover uma caça aos blogueiros progressistas. Um macartismo à brasileira.
O marcartismo, como todos sabem, consistiu num movimento que vigorou nos EUA do final da década de 1940 até meados da década de 1950. Caracterizou-se por intensa patrulha anticomunista, perseguição política e dersrespeito aos direitos civis.
O interrogatório emblemático daqueles tempos nos EUA:
Mr. Willis: Well, are you now, or have you ever been, a member of the Communist Party? (Bem, você é agora ou já foi membro do Partido Comunista?)
A sensação com as perguntas de O Globo é que voltamos à ditadura. Agora, a ditadura midiática das Organizações Globo. É como estivéssemos sendo colocados numa sala de interrogatório.
Afinal, qual o objetivo de saber se pertencemos a algum partido político?
Será que O Globo faria essa pergunta aos jornalistas de direita, travestidos de neutros, que rezam pela sua cartilha?
E se fossemos nós, blogueiros progressistas, que fizessemos essas perguntas aos jornalistas de O Globo?
Imediatamente, seríamos tachados de antidemocratas, cerceadores da liberdade de expressão, chavistas e outros mantras do gênero.
Como um grupo empresarial que cresceu graças aos bons serviços prestados à ditadura civil-militar tem moral de questionar ideologicamente os blogueiros que participaram da entrevista coletiva?
Liberdade de imprensa e de expressão vale só para direita e para a esquerda, não?
Como uma empresa que tem no seu histórico o colaboracionismo com a ditadura, o caso pró-Consult, o debate editado do Collor vs Lula, ter sido contra a campanha Pelas Diretas, pode se arvorar em ditar normas de bom Jornalismo e ética?
Como uma empresa que deve R$ 900 milhões ao fisco tem moral para questionar outros brasileiros?
Como um grupo empresarial que recebe, disparadamente, a maior fatia da publicidade do governo federal pode criticar os poucos blogs que recebem alguma propaganda governamental?
O Viomundo, repetimos, não aceita propaganda dos governos federal, estaduais e municipais. É uma opção nossa. Mas respeitamos quem recebe. É um direito.
No Viomundo, não temos nada a esconder. Só não admitimos que as Organizações Globo, incluindo O Globo, com todo o seu histórico, se arvorem no direito de fiscalizar a blogosfera.
Por isso, eu Conceição Lemes, que representei o Viomundo na coletiva, não respondi a O Globo. Preferi responder aos nossos milhares de leitores. Diretamente. E em público.
Seguem as perguntas de O Globo e as minhas respostas.
Qual a sua formação acadêmica?
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
Qual a sua atuação profissional antes do blog? Já cobriu política por outros veículos?
Sou editora do Viomundo, onde faço política, direitos humanos, movimentos sociais. Toco ainda o nosso Blog da Saúde.
No início da carreira, fiz um pouco de tudo: economia, política, revistas femininas, rádio…
Há 33 anos atuo principalmente como jornalista especializada em saúde, tendo ganho mais de 20 prêmios por reportagens nessa área. Entre eles, o Esso de Informação Científica, o José Reis de Jornalismo Científico, concedido pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), e o Sheila Cortopassi de Direitos Humanos na área de Comunicação, outorgado pela Associação para Prevenção e Tratamento da Aids e Saúde Preventiva (APTA) com apoio do Unicef.
Conquistei também vários prêmios Abril de Jornalismo, a maioria por matérias publicadas na revista Saúde!, da qual foi repórter, editora-assistente, editora e redatora-chefe.
Em 1995, fui premiada pela reportagem “Aids — A Distância entre Intenção e Gesto”, publicada pela revista Playboy. O projeto que desenvolvi para essa matéria foi selecionado para apresentação oral na 10ª Conferência Internacional de Aids, realizada em 1994 no Japão.
Pela primeira vez um jornalista brasileiro teve o seu trabalho aprovado para esse congresso. Concorri com cerca de 5 mil trabalhos enviados por pesquisadores de todo o mundo. Aproximadamente 300 foram escolhidos para apresentação oral, sendo apenas dez de investigadores brasileiros. Entre eles, o meu. Em consequência, fui ao Japão como consultora da Organização Mundial da Saúde.
Tenho oito livros publicados na área.
O mais recente, lançado em 2010, é Saúde – A hora é agora, em parceria com o professor Mílton de Arruda Martins, titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP, e o médico Mario Ferreira Júnior, coordenador de Centro de Promoção de Saúde do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Em 2003/2004, foi a vez da coleção Urologia Sem Segredos, da Sociedade Brasileira de Urologia, destinada ao público em geral.
Os primeiros livros foram em 1995. Um deles, o Olha a pressão!, em parceira com o médico Artur Beltrame Ribeiro.
O outro foi a adaptação e texto da edição brasileira do livro Tratamento Clínico da Infecção pelo HIV, do professor John G. Bartlett, da Universidade Johns Hopkins, nos EUA. A tradução e supervisão científica são do médico Drauzio Varella.
Você é filiada a algum partido político?
Não sou nem nunca fui filiada a qualquer partido político.
Mas me estranha muito uma empresa que apoiou a ditadura, cresceu devido a benesses do regime e hoje se alinhe com todos os espectros da direita brasileira, questione a a filiação partidária de um jornalista.
Quer dizer de direita, tudo bem, e de esquerda, não?
Como você definiria os “blogueiros progressistas”? Existe uma linha política?
Somos de esquerda.
Defendemos:
Melhor distribuição da renda no país.
Reforma agrária.
Os movimentos sociais por melhores condições de moradia, trabalho, defesa do meio ambiente, saúde e educação.
Regulamentação dos meios de comunicação.
Valorização do salário mínimo.
Política de cotas raciais nas universidades.
Direitos reprodutivos e sexuais das mulheres brasileiras.
Combate à discriminação e promoção dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais
Imposto sobre grandes fortunas.
Financiamento público de campanha.
Reforma política.
Fortalecimento da Petrobras.
Sistema Único de Saúde.
Como você foi chamada para a entrevista? Recebeu alguma ajuda de custo do instituto?
Por e-mail. Nenhuma ajuda.
O que você achou da seleção de blogueiros para a entrevista? Incluiria, por exemplo, representantes da mídia ninja ou blogueiros “de oposição”, como Reinaldo Azevedo?
O Instituto Lula tem o direito de chamar para entrevistar o ex-presidente quem ele quiser.
Engraçado O Globo perguntar isso. De manhã à madrugada, de domingo a domingo, todos os veículos das Organizações Globo privilegiam, ostensivamente, sem o menor pundonor, vozes do conservadorismo brasileiro e internacional. Pior é que travestido de uma falsa neutralidade.
Por que O Globo pode chamar quem quiser e o ex-presidente Lula, não?
Por que as Organizações Globo não dão espaços iguais à esquerda e à direita, garantindo a pluralidade de opiniões?
No dia em que as Organizações Globo garantirem efetivamente a pluralidade de opiniões, respeitando a verdade factual, aí, sim, seus profissionais poderão questionar os nomes escolhidos por Lula.
Qual foi o ponto mais relevante da entrevista para você?
Ter falado três horas e meia com os blogueiros. Uma conversa em que nenhum assunto foi proibido. Tivemos liberdade plena de perguntar o que queríamos. Uma lição de democracia.
O instituto arcou com os seus custos de deslocamento?
Não. Fui de táxi. Paguei do meu próprio bolso.
Por que você acredita ter sido escolhida para a entrevista?
Quantos jornalistas brasileiros têm o meu currículo profissional? Quantos repórteres da mídia tradicional e da blogosfera produziram tantos furos jornalísticos quanto nós no Viomundo nos últimos cinco anos?
Por isso, deixo essa pergunta para você e os leitores do Viomundo responder.
O que você acha do movimento “Volta Lula”?
Quem tem de achar é a população e os militantes dos partidos da base de apoio do governo.
Sou apenas repórter. Cabe a mim, portanto, retratar o que presencio.
Qual nota você daria ao governo Dilma? Por quê?
O Globo tem fetiche por nota. Quem tem de dar a nota é o eleitorado. Sou repórter e minha opinião neste caso é irrelevante. A não ser que O Globo pretenda usá-la para fazer o que costuma fazer: manipular informação com objetivos políticos, em defesa de interesses da direita brasileira.
PS do Viomundo: Todas as nossas batalhas são financiadas exclusivamente pela contribuição de assinantes, a quem agradecemos por compartilhar conteúdo exclusivo generosamente com outros internautas. Torne-se um deles!
Via Bruno Perdigão
Nessa segunda-feira 13, uma repórter de O Globo enviou-nos um e-mail:
“Estou fazendo uma matéria sobre a entrevista que o ex-presidente Lula concedeu a blogueiros na semana passada. Gostaria de conversar contigo por telefone”.
Pedi que enviasse as perguntas por e-mail. Hoje, às 12h27 elas foram encaminhadas:
Nada contra a repórter. Embora não a conheça, respeito-a profissionalmente como colega.
Já a empresa para a qual trabalha, não merece a nossa consideração.
Com essas perguntas aos blogueiros, O Globo parece estar com saudades da ditadura, quando apresentava como verdadeira a versão dos órgãos de repressão. Exemplo disso foi a da prisão, tortura e assassinato de Raul Amaro Nin Ferreira, em 1971, no Rio de Janeiro.
Com essas perguntas, O Globo parece querer promover uma caça aos blogueiros progressistas. Um macartismo à brasileira.
O marcartismo, como todos sabem, consistiu num movimento que vigorou nos EUA do final da década de 1940 até meados da década de 1950. Caracterizou-se por intensa patrulha anticomunista, perseguição política e dersrespeito aos direitos civis.
O interrogatório emblemático daqueles tempos nos EUA:
Mr. Willis: Well, are you now, or have you ever been, a member of the Communist Party? (Bem, você é agora ou já foi membro do Partido Comunista?)
A sensação com as perguntas de O Globo é que voltamos à ditadura. Agora, a ditadura midiática das Organizações Globo. É como estivéssemos sendo colocados numa sala de interrogatório.
Afinal, qual o objetivo de saber se pertencemos a algum partido político?
Será que O Globo faria essa pergunta aos jornalistas de direita, travestidos de neutros, que rezam pela sua cartilha?
E se fossemos nós, blogueiros progressistas, que fizessemos essas perguntas aos jornalistas de O Globo?
Imediatamente, seríamos tachados de antidemocratas, cerceadores da liberdade de expressão, chavistas e outros mantras do gênero.
Como um grupo empresarial que cresceu graças aos bons serviços prestados à ditadura civil-militar tem moral de questionar ideologicamente os blogueiros que participaram da entrevista coletiva?
Liberdade de imprensa e de expressão vale só para direita e para a esquerda, não?
Como uma empresa que tem no seu histórico o colaboracionismo com a ditadura, o caso pró-Consult, o debate editado do Collor vs Lula, ter sido contra a campanha Pelas Diretas, pode se arvorar em ditar normas de bom Jornalismo e ética?
Como uma empresa que deve R$ 900 milhões ao fisco tem moral para questionar outros brasileiros?
Como um grupo empresarial que recebe, disparadamente, a maior fatia da publicidade do governo federal pode criticar os poucos blogs que recebem alguma propaganda governamental?
O Viomundo, repetimos, não aceita propaganda dos governos federal, estaduais e municipais. É uma opção nossa. Mas respeitamos quem recebe. É um direito.
No Viomundo, não temos nada a esconder. Só não admitimos que as Organizações Globo, incluindo O Globo, com todo o seu histórico, se arvorem no direito de fiscalizar a blogosfera.
Por isso, eu Conceição Lemes, que representei o Viomundo na coletiva, não respondi a O Globo. Preferi responder aos nossos milhares de leitores. Diretamente. E em público.
Seguem as perguntas de O Globo e as minhas respostas.
Qual a sua formação acadêmica?
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
Qual a sua atuação profissional antes do blog? Já cobriu política por outros veículos?
Sou editora do Viomundo, onde faço política, direitos humanos, movimentos sociais. Toco ainda o nosso Blog da Saúde.
No início da carreira, fiz um pouco de tudo: economia, política, revistas femininas, rádio…
Há 33 anos atuo principalmente como jornalista especializada em saúde, tendo ganho mais de 20 prêmios por reportagens nessa área. Entre eles, o Esso de Informação Científica, o José Reis de Jornalismo Científico, concedido pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), e o Sheila Cortopassi de Direitos Humanos na área de Comunicação, outorgado pela Associação para Prevenção e Tratamento da Aids e Saúde Preventiva (APTA) com apoio do Unicef.
Conquistei também vários prêmios Abril de Jornalismo, a maioria por matérias publicadas na revista Saúde!, da qual foi repórter, editora-assistente, editora e redatora-chefe.
Em 1995, fui premiada pela reportagem “Aids — A Distância entre Intenção e Gesto”, publicada pela revista Playboy. O projeto que desenvolvi para essa matéria foi selecionado para apresentação oral na 10ª Conferência Internacional de Aids, realizada em 1994 no Japão.
Pela primeira vez um jornalista brasileiro teve o seu trabalho aprovado para esse congresso. Concorri com cerca de 5 mil trabalhos enviados por pesquisadores de todo o mundo. Aproximadamente 300 foram escolhidos para apresentação oral, sendo apenas dez de investigadores brasileiros. Entre eles, o meu. Em consequência, fui ao Japão como consultora da Organização Mundial da Saúde.
Tenho oito livros publicados na área.
O mais recente, lançado em 2010, é Saúde – A hora é agora, em parceria com o professor Mílton de Arruda Martins, titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP, e o médico Mario Ferreira Júnior, coordenador de Centro de Promoção de Saúde do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Em 2003/2004, foi a vez da coleção Urologia Sem Segredos, da Sociedade Brasileira de Urologia, destinada ao público em geral.
Os primeiros livros foram em 1995. Um deles, o Olha a pressão!, em parceira com o médico Artur Beltrame Ribeiro.
O outro foi a adaptação e texto da edição brasileira do livro Tratamento Clínico da Infecção pelo HIV, do professor John G. Bartlett, da Universidade Johns Hopkins, nos EUA. A tradução e supervisão científica são do médico Drauzio Varella.
Você é filiada a algum partido político?
Não sou nem nunca fui filiada a qualquer partido político.
Mas me estranha muito uma empresa que apoiou a ditadura, cresceu devido a benesses do regime e hoje se alinhe com todos os espectros da direita brasileira, questione a a filiação partidária de um jornalista.
Quer dizer de direita, tudo bem, e de esquerda, não?
Como você definiria os “blogueiros progressistas”? Existe uma linha política?
Somos de esquerda.
Defendemos:
Melhor distribuição da renda no país.
Reforma agrária.
Os movimentos sociais por melhores condições de moradia, trabalho, defesa do meio ambiente, saúde e educação.
Regulamentação dos meios de comunicação.
Valorização do salário mínimo.
Política de cotas raciais nas universidades.
Direitos reprodutivos e sexuais das mulheres brasileiras.
Combate à discriminação e promoção dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais
Imposto sobre grandes fortunas.
Financiamento público de campanha.
Reforma política.
Fortalecimento da Petrobras.
Sistema Único de Saúde.
Como você foi chamada para a entrevista? Recebeu alguma ajuda de custo do instituto?
Por e-mail. Nenhuma ajuda.
O que você achou da seleção de blogueiros para a entrevista? Incluiria, por exemplo, representantes da mídia ninja ou blogueiros “de oposição”, como Reinaldo Azevedo?
O Instituto Lula tem o direito de chamar para entrevistar o ex-presidente quem ele quiser.
Engraçado O Globo perguntar isso. De manhã à madrugada, de domingo a domingo, todos os veículos das Organizações Globo privilegiam, ostensivamente, sem o menor pundonor, vozes do conservadorismo brasileiro e internacional. Pior é que travestido de uma falsa neutralidade.
Por que O Globo pode chamar quem quiser e o ex-presidente Lula, não?
Por que as Organizações Globo não dão espaços iguais à esquerda e à direita, garantindo a pluralidade de opiniões?
No dia em que as Organizações Globo garantirem efetivamente a pluralidade de opiniões, respeitando a verdade factual, aí, sim, seus profissionais poderão questionar os nomes escolhidos por Lula.
Qual foi o ponto mais relevante da entrevista para você?
Ter falado três horas e meia com os blogueiros. Uma conversa em que nenhum assunto foi proibido. Tivemos liberdade plena de perguntar o que queríamos. Uma lição de democracia.
O instituto arcou com os seus custos de deslocamento?
Não. Fui de táxi. Paguei do meu próprio bolso.
Por que você acredita ter sido escolhida para a entrevista?
Quantos jornalistas brasileiros têm o meu currículo profissional? Quantos repórteres da mídia tradicional e da blogosfera produziram tantos furos jornalísticos quanto nós no Viomundo nos últimos cinco anos?
Por isso, deixo essa pergunta para você e os leitores do Viomundo responder.
O que você acha do movimento “Volta Lula”?
Quem tem de achar é a população e os militantes dos partidos da base de apoio do governo.
Sou apenas repórter. Cabe a mim, portanto, retratar o que presencio.
Qual nota você daria ao governo Dilma? Por quê?
O Globo tem fetiche por nota. Quem tem de dar a nota é o eleitorado. Sou repórter e minha opinião neste caso é irrelevante. A não ser que O Globo pretenda usá-la para fazer o que costuma fazer: manipular informação com objetivos políticos, em defesa de interesses da direita brasileira.
PS do Viomundo: Todas as nossas batalhas são financiadas exclusivamente pela contribuição de assinantes, a quem agradecemos por compartilhar conteúdo exclusivo generosamente com outros internautas. Torne-se um deles!
terça-feira, 15 de abril de 2014
Depois da Vida (Nelson Cavaquinho)
“Paulinho da Viola realizou,... Inovações... mais radicais como o arranjo para o samba “Depois da Vida” de Nelson Cavaquinho. A introdução do samba, na versão de Paulinho da Viola, foi baseada nas primeiras notas de uma faixa de Bitches Brew, LP de Miles Davis. Enquanto o baterista inverte os tempos da marcação, cavaquinho, flauta e violão improvisam até a entrada da vocalização. O contrabaixo elétrico, o cavaquinho e a flauta, atacam as notas, semitonando para reforçar o clima de lamentação da música”
Eduardo Granja Coutinho – em Velhas histórias, memórias futuras – Editora UERJ
Depois da Vida (Nelson Cavaquinho)
Passei a mocidade esperando dar-te um beijo
Sei que agora é tarde, mas matei o meu desejo
É pena que os lábios gelados como os teus
Nao sintam o calor que eu conservei nos lábios meus
No teu funeral estás tão fria assim
Ai de mim, e dos beijos meus
Eu te esperei, minha querida
Mas só te beijei depois da vida
Eduardo Granja Coutinho – em Velhas histórias, memórias futuras – Editora UERJ
Depois da Vida (Nelson Cavaquinho)
Passei a mocidade esperando dar-te um beijo
Sei que agora é tarde, mas matei o meu desejo
É pena que os lábios gelados como os teus
Nao sintam o calor que eu conservei nos lábios meus
No teu funeral estás tão fria assim
Ai de mim, e dos beijos meus
Eu te esperei, minha querida
Mas só te beijei depois da vida
sexta-feira, 11 de abril de 2014
Sou do CEM 03 de Tabatinga
por Gabriel Guilherme
Via Socialista Morena
UPDATE: Olhem abaixo o texto de um aluno de Kubitschek que está circulando no Facebook e julguem vocês mesmos o nível de educação que ele está transmitindo. E como sua incitação ao pensamento FUNCIONOU. Faço questão de colocar na íntegra:
“Olá pessoal. Sou um dos alunos do CEM 03 de Taguatinga, onde a prova foi aplicada. E queria dizer que é extremamente divertido ver a reação do público controlado pela mídia. Pessoas abaixo dizendo que ele é um cretino, babaca, só tem o diploma na parede… Que “esse é o motivo da educação estar tão ruim”.
Acontece que esta foi uma das 12 questões da prova bimestral de filosofia, onde o professor colocou esta questão (nº 11) por motivos que ele mesmo explicou na entrevista.
Mas não é aí onde quero chegar, e sim no fato de que o público, controlado pela mídia, tende a ver somente o que é exposto e julgar indiscriminadamente sem antes avaliar a situação como um todo. Isso entra em um dos assuntos que nos foram explicados pelo professor recentemente, sobre Kohlberg. A matéria dada pelo professor Antônio tratava a respeito da Teoria do Desenvolvimento Moral. Eu não vou explicar isso aqui, pois se acham-se no direito de julgarem um professor de filosofia, creio eu que devem ter conhecimento a respeito do assunto. No entanto, um dos tópicos foi o dilema de Heinz, proposto por Kohlberg. Ele diz que Heinz estava com a esposa doente, e o remédio que a salvaria custava mil dólares. Como não podia comprá-lo do farmacêutico que detinha a fórmula, após esgotadas as tentativas de obtê-lo de modo honesto, roubou-o. Kohlberg pergunta se o marido fez bem ou não em ter roubado, e analisa as respostas dadas, identificando o nível moral do entrevistado através destas. (texto retirado do livro Filosofando, ARRUDA, Maria Lúcia de; e MARTINS, Maria Helena Pires, com adaptações). O que acontece nesta situação é o mesmo. É possível “analisar” as diversas respostas do público em relação à questão da prova e identificar seus níveis morais. “Não devia ter colocado a questão na prova pois é um professor e isso é errado.” (nível convencional, terceiro estágio – pertencimento ao grupo). Quando suas respostas a isso, como adultos, deveriam estar no nível pós-convencional, destacando o conflito entre a ética profissional e o direito que cada pessoa tem de exercer a própria vida, ou no sexto estágio do nível pós-convencional. Mas, infelizmente, como diz Kohlberg, nem todos os adultos atingem este nível, devido à educação e vida que recebem, em condições diferentes.
Se chegou a ler até aqui, gostaria de ressaltar apenas algumas informações importantes sobre o conteúdo da prova. As demais 9 questões da prova tratavam de ética, moral, valores, e níveis de moralidade. Caso tenham alguma dúvida, podem pedir à direção da escola para liberar o resto do conteúdo da prova. Estes conteúdos que citei acima, foram todos tratados e explicados em sala pelo professor, conteúdos que também estão presentes no livro que nos foi dado pela escola e no componente curricular da terceira série do Ensino Médio. Então, para aqueles que gostam de dizer que o professor é incompetente por causa de uma única questão e que não estamos aprendendo nada em sala, saibam que estamos sim aprendendo, e não somente um ou dois alunos, mas a grande maioria.
E, para finalizar, posso dizer que apenas me sinto mal por vocês adultos que ainda se encontram no Estágio Intuitivo ou Simbólico de Piaget. Esse é aquele estágio em que a criança possui uma inteligência egocêntrica, sendo assim ela sente, pensa e age a partir de si mesma e não se coloca no lugar do outro. Digo isso porque, ao invés de avaliarem a situação corretamente, baseado em todo o contexto do ocorrido, simplesmente julgam o professor por sua questão sem avaliar o contexto todo, como se fossem perfeitos ou pudessem fazer melhor. Acontece que, olha só para o que estão fazendo: criticando, atrás de uma tela de computador, usando de argumentos incoerentes, palavras ofensivas e tudo o mais. Acham mesmo que pessoas nesse nível são capacitadas pra julgar a ética e moral dos outros?
Obrigado pela atenção, e BEIJINHO NO OMBRO PRO RECALQUE PASSAR LONGE.
Gabriel Guilherme, 3º G #39 CEM 03 de Taguatinga.
Acontece que esta foi uma das 12 questões da prova bimestral de filosofia, onde o professor colocou esta questão (nº 11) por motivos que ele mesmo explicou na entrevista.
Mas não é aí onde quero chegar, e sim no fato de que o público, controlado pela mídia, tende a ver somente o que é exposto e julgar indiscriminadamente sem antes avaliar a situação como um todo. Isso entra em um dos assuntos que nos foram explicados pelo professor recentemente, sobre Kohlberg. A matéria dada pelo professor Antônio tratava a respeito da Teoria do Desenvolvimento Moral. Eu não vou explicar isso aqui, pois se acham-se no direito de julgarem um professor de filosofia, creio eu que devem ter conhecimento a respeito do assunto. No entanto, um dos tópicos foi o dilema de Heinz, proposto por Kohlberg. Ele diz que Heinz estava com a esposa doente, e o remédio que a salvaria custava mil dólares. Como não podia comprá-lo do farmacêutico que detinha a fórmula, após esgotadas as tentativas de obtê-lo de modo honesto, roubou-o. Kohlberg pergunta se o marido fez bem ou não em ter roubado, e analisa as respostas dadas, identificando o nível moral do entrevistado através destas. (texto retirado do livro Filosofando, ARRUDA, Maria Lúcia de; e MARTINS, Maria Helena Pires, com adaptações). O que acontece nesta situação é o mesmo. É possível “analisar” as diversas respostas do público em relação à questão da prova e identificar seus níveis morais. “Não devia ter colocado a questão na prova pois é um professor e isso é errado.” (nível convencional, terceiro estágio – pertencimento ao grupo). Quando suas respostas a isso, como adultos, deveriam estar no nível pós-convencional, destacando o conflito entre a ética profissional e o direito que cada pessoa tem de exercer a própria vida, ou no sexto estágio do nível pós-convencional. Mas, infelizmente, como diz Kohlberg, nem todos os adultos atingem este nível, devido à educação e vida que recebem, em condições diferentes.
Se chegou a ler até aqui, gostaria de ressaltar apenas algumas informações importantes sobre o conteúdo da prova. As demais 9 questões da prova tratavam de ética, moral, valores, e níveis de moralidade. Caso tenham alguma dúvida, podem pedir à direção da escola para liberar o resto do conteúdo da prova. Estes conteúdos que citei acima, foram todos tratados e explicados em sala pelo professor, conteúdos que também estão presentes no livro que nos foi dado pela escola e no componente curricular da terceira série do Ensino Médio. Então, para aqueles que gostam de dizer que o professor é incompetente por causa de uma única questão e que não estamos aprendendo nada em sala, saibam que estamos sim aprendendo, e não somente um ou dois alunos, mas a grande maioria.
E, para finalizar, posso dizer que apenas me sinto mal por vocês adultos que ainda se encontram no Estágio Intuitivo ou Simbólico de Piaget. Esse é aquele estágio em que a criança possui uma inteligência egocêntrica, sendo assim ela sente, pensa e age a partir de si mesma e não se coloca no lugar do outro. Digo isso porque, ao invés de avaliarem a situação corretamente, baseado em todo o contexto do ocorrido, simplesmente julgam o professor por sua questão sem avaliar o contexto todo, como se fossem perfeitos ou pudessem fazer melhor. Acontece que, olha só para o que estão fazendo: criticando, atrás de uma tela de computador, usando de argumentos incoerentes, palavras ofensivas e tudo o mais. Acham mesmo que pessoas nesse nível são capacitadas pra julgar a ética e moral dos outros?
Obrigado pela atenção, e BEIJINHO NO OMBRO PRO RECALQUE PASSAR LONGE.
Gabriel Guilherme, 3º G #39 CEM 03 de Taguatinga.
http://socialistamorena.cartacapital.com.br/
Kubitschek, o provocador: “a escola pública é tão mal considerada quanto Valesca e o funk”
Via Cynara Menezes
Depois de passar a terça-feira inteirinha dando entrevistas (até perdeu a conta de quantas deu), Antonio Kubitschek decidiu desligar o telefone. Era aniversário da mulher e ele, que nem Facebook tem, decidiu desconectar para se dedicar à família. O professor de filosofia do Centro de Ensino Médio 3, em Taguatinga, cidade-satélite de Brasília, vive dias de celebridade desde que uma prova sua causou furor nas redes sociais: nela, a funkeira Valesca Popozuda aparece como “pensadora contemporânea”.
Choveram, é claro, ataques ao professor e ao colégio da rede distrital onde ensina. Um blogueiro da direita raivosa chegou a decretar o fim da escola pública: “morreu, foi para o ralo. Virou lixo”, espumou. Mas aí veio a explicação de Kubitschek. O professor fizera a questão justamente para provocar o quiproquó que causou. Sua intenção era mostrar de que tipo de carniça se alimentam os urubus da mídia. E eles caíram feito patinhos.
A própria Valesca, bem mais inteligente do que a blogueirada reaça, percebeu de cara a intenção de Kubitschek. “E se o professor colocou a questão dentro do contexto da matéria? E se o professor quis ser irônico com o sucesso das músicas de hoje em dia?”, publicou a cantora em seu Face, atribuindo o escândalo a preconceito com o gênero musical. E ainda tirou onda: “Diva, Diva sambista, Lacradora, essas coisas, eu já estou pronta, mas PENSADORA CONTEMPORÂNEA ainda não (mas prometo que vou trabalhar isso)”, escreveu. “Vou ali ler um Machado de Assis e ir treinando pra quem sabe um dia conseguir ser uma pensadora de elite!” Beijinho no ombro.
Professor da rede pública no Distrito Federal há 19 anos, Kubitschek, 43, é, ao contrário do retrato pintado pelos apressados, um professor bastante conceituado na cidade, admirado por colegas e ex-alunos. Sua intenção era cumprir uma das principais tarefas do educador: estimular o debate entre os jovens. E conseguiu. O blog fez um pequeno pingue-pongue com o professor, que não tem parentesco algum com o presidente Juscelino. O Kubitschek, na verdade, é segundo nome. Uma homenagem do pai dele ao criador de Brasília.
Socialista Morena – Como foi que isso tudo começou?
Antonio Kubitschek – Nós tínhamos organizado uma exposição de fotografias dos alunos da escola, com 1300 fotos feitas pelos estudantes com o tema “Olhares”. Cada turma escolhia o que iria abordar a partir daí e saía fotografando. Avisamos a imprensa toda, porque era algo positivo e as fotos ficaram muito bonitas. Ninguém apareceu. Discutimos isto em classe e chegamos à conclusão que a imprensa só viria à escola em uma situação negativa. Vamos provocar?, disse a eles. Mas eu não podia colocar a imagem da escola em risco, porque ela faz um trabalho decente. Então decidi, de surpresa, sem avisá-los, colocar a questão da Valesca na prova, uma cantora que eu via todo mundo comentando e falando mal. Como eu sabia que os meninos compartilham tudo no Facebook, imaginei que ia haver repercussão, mas achei que fosse só a imprensa local. Nunca imaginei que viraria assunto no país inteiro.
SM – O que você acha do funk?
AK – É uma expressão da sociedade, de uma classe social. Tem gente que gosta e tem gente que não gosta. Particularmente, não é meu estilo de música favorito, não é o que eu coloco para tocar no carro, mas não tenho preconceito.
SM – Você acha mesmo que Valesca é uma pensadora?
AK – Sim. Ela é uma pensadora do funk, do ritmo dela. E algumas coisas que ela coloca têm a ver com a liberdade da mulher. Se as pessoas não concordam com a forma como ela diz isso, é outra história. Segundo Deleuze, aquele que cria um conceito é um pensador. Ela criou um conceito, portanto é uma pensadora, sim.
SM – O principal alvo de sua provocação foi a mídia. Por quê?
AK – A mídia tem um papel importante, que é o de trazer informação. Mas, por outro lado, é parte de um sistema que exige a vendagem, que se aproveita daquilo que pode vender. Ou seja, vive um dilema eterno entre o papel social que tem e o que será vendável. Vejo muitas críticas, por exemplo, a essa imprensa que vive à caça de fofocas sobre a família real, mas a mídia toda age da mesma maneira, só que não de forma assumida. Como se o que faz fosse algo mais sério, e não é. A imprensa de fofocas pelo menos assume que faz o que faz.
SM – Os blogueiros de direita só faltaram te amarrar a um poste virtual…
AK – Essa provocação foi feita exatamente para eles, porque, no fundo, eles têm preconceito com a escola pública. A escola pública é tão mal considerada quanto a Valesca e o funk. Para uma sociedade elitizada, que é quem estes blogueiros representam, ela não é considerada necessária.
SM – E a direção da escola, como reagiu?
AK – A direção me apoiou desde o primeiro momento. A secretaria de Educação, no começo, quando foi cobrada pelos veículos, me procurou pedindo explicações: “O que você vai fazer?” E eu disse: “Vou responder à mídia”. Depois que eu expliquei a proposta, creio que houve uma mudança na opinião pública e a secretaria também me apoiou.
SM – Percebe-se que o primeiro alvo dos que atacam a escola pública é o professor.
AK – E tem cada professor bom! Cada trabalho bem-feito! O que acontece é que o professor não é bom marqueteiro. É o ritmo dele. O professor normalmente pensa: “meu papel é educar, não fazer propaganda do que eu fiz”. Mas é uma categoria fantástica.
SM – Como você avalia a escola pública hoje?
AK – Tem melhorado, mas ainda está muito longe do que é necessário. Os governos precisam investir mais nas condições dos prédios, em segurança. A sociedade também precisa dar apoio, acreditar na escola pública. A classe média coloca seus filhos nas particulares porque elas dão mais oportunidades a seus filhos, mas o dia em que a classe média voltar para a escola pública e passar a cobrar, participar, ela também vai poder oferecer estas oportunidades. Melhorar a remuneração do professor também é importante, até para ele deixar de ouvir a frase: “Você é professor? Coitado!”
SM – Seus alunos também deram entrevistas estes dias, entraram no “circo da mídia”. Como é que você vai fazer para discutir este efeito colateral da provocação?
AK – (Risos) É, não vamos conseguir fugir de debater isso também.
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quarta-feira, 9 de abril de 2014
Bruna Moraes - Levante do Borel
Bruna Moraes grava inédita de Taiguara - Levante do Borel. Taiguara fez o samba para a Unidos da Tijuca. O samba não foi aceito pela escola.
Levante do Borel (Taiguara)
Olha palma, palma, palma...
Olha pé, pé, pé...
Roda, roda, roda, menina
Que veio lá da Guiné
Mas existe... {Refrão}
Existe um povo que a bandeira empresta
Pra cobrir tanta infâmia e covardia
Assim gritou a fúria do poeta
Com a dor do negro escravo que tanto sofria...
E hoje, relembrando Castro Alves
O povo desce sambando e cruza os mares
E um afro canto banto nos devolve...
A luta que nasceu com Zumbi dos Palmares
Oiá, Zumbi... bravo irmão
Deste a própria vida para não trair
Aqueles que lá no Quilombo
Palmaram teus ombros
De um congo fiel
Morto sim!
Escravo não!
Canta tua memória lá da Chácara do Céu
Que a voz operária é a do Borel
Olha a palma, palma, palma...
Olha pé, pé, pé...
Roda, roda, roda, menina
Que veio lá da Guiné
Mas existe...
Levante do Borel (Taiguara)
Olha palma, palma, palma...
Olha pé, pé, pé...
Roda, roda, roda, menina
Que veio lá da Guiné
Mas existe... {Refrão}
Existe um povo que a bandeira empresta
Pra cobrir tanta infâmia e covardia
Assim gritou a fúria do poeta
Com a dor do negro escravo que tanto sofria...
E hoje, relembrando Castro Alves
O povo desce sambando e cruza os mares
E um afro canto banto nos devolve...
A luta que nasceu com Zumbi dos Palmares
Oiá, Zumbi... bravo irmão
Deste a própria vida para não trair
Aqueles que lá no Quilombo
Palmaram teus ombros
De um congo fiel
Morto sim!
Escravo não!
Canta tua memória lá da Chácara do Céu
Que a voz operária é a do Borel
Olha a palma, palma, palma...
Olha pé, pé, pé...
Roda, roda, roda, menina
Que veio lá da Guiné
Mas existe...
Cantora, compositora. |
Taiguara - Levante do Borel
Levante do Borel (Taiguara)
Olha palma, palma, palma...
Olha pé, pé, pé...
Roda, roda, roda, menina
Que veio lá da Guiné
Mas existe... {Refrão}
Existe um povo que a bandeira empresta
Pra cobrir tanta infâmia e covardia
Assim gritou a fúria do poeta
Com a dor do negro escravo que tanto sofria...
E hoje, relembrando Castro Alves
O povo desce sambando e cruza os mares
E um afro canto banto nos devolve...
A luta que nasceu com Zumbi dos Palmares
Oiá, Zumbi... bravo irmão
Deste a própria vida para não trair
Aqueles que lá no Quilombo
Palmaram teus ombros
De um congo fiel
Morto sim!
Escravo não!
Canta tua memória lá da Chácara do Céu
Que a voz operária é a do Borel
Olha a palma, palma, palma...
Olha pé, pé, pé...
Roda, roda, roda, menina
Que veio lá da Guiné
Mas existe...
Testemunha privilegiada
Por Gabriel Priolli
Amazonense radicado em São Paulo, o advogado Almino Afonso viveu o governo João Goulart do primeiro ao último dia. Foi líder na Câmara do partido do presidente, o PTB, ministro do Trabalho e da Previdência Social, aconselhou Jango em decisões importantes e testemunhou episódios centrais da história do País. Afonso recorda os momentos que antecederam ou se desenvolveram durante o golpe de 1964. Seu depoimento foi gravado no início de fevereiro, para o documentário Jango – Marcado para Cair, produzido por Paulo de Tarso Santos Filho. São observações de quem viveu um dos períodos mais conturbados da vida brasileira, no olho do furacão.
Golpe desde a posse
Num certo momento, após a renúncia de Jânio, o presidente João Goulart me telefona de Paris, vindo de Cingapura, no retorno da China. Queria saber como estava o quadro e revela o seguinte: “Eu recebi um telefonema do senador Afonso Arinos e do deputado San Tiago Dantas, informando de que há uma cogitação de, através do parlamentarismo, superar a crise e permitir que eu assuma como chefe de Estado. Qual a sua opinião?”
Eu disse: “Presidente, eu sou parlamentarista por formação doutrinária, mas neste momento é golpe de Estado. E, como golpe, eu não aceito”. Ele disse: “Bem, eu não estou assumindo nenhuma aceitação, mas gostaria que a bancada analisasse”.
No dia seguinte, no gabinete do presidente interino Ranieri Mazzilli, com a presença dos três ministros militares que queriam impedir a posse de Jango, somos convocados. Todos os líderes dos partidos, inclusive eu, um jovem líder do PTB. Eu me vi no dever de relatar o diálogo que tinha tido com o presidente. Ao meu lado estava o líder da UDN na Câmara, coronel Menezes Cortes, que se entusiasmou e transformou a conversa exploratória entre Arinos, San Tiago e Jango numa proposta. A detonação real do parlamentarismo nasce nesse episódio. Menezes Cortes ouve a narrativa que fiz e passa a defender a ideia com entusiasmo.
Eu me mantive na liderança do PTB até o último minuto. A esmagadora maioria do partido votou contra, mas, se a memória não me falha, 15 votaram a favor. Ou porque se consideravam parlamentaristas, ou porque eram mais amigos do presidente. Se Jango aceitou, votavam com ele. Mas o PTB, em sua maioria, ficou contra o parlamentarismo.
Aquilo era um golpe de Estado no sentido mais amplo. A Constituição de 1946 não permitia que uma emenda, alterando a ordem constitucional, fosse votada em clima de choque interno, ou de “convulsão intestina”, essa expressão curiosa.
O inimigo americano
A informação do quanto podia haver, comprovadamente, de participação dos Estados Unidos na articulação de um golpe vem num crescendo. Além daquela batalha campal de dizer que o presidente era comunista, e que influiu enormemente na coesão dos militares, foi a nossa política internacional que realmente passou a chocar os interesses americanos.
Há um momento em que os EUA descem para uma conferência em Punta del Este. Congresso da Organização dos Estados Americanos. O secretário de Estado americano propõe, formalmente, a expulsão de Cuba da OEA. Por quê? Ela tinha passado a ser um órgão comunista. Em nome disso, não podia continuar na OEA.
Quem faz a sustentação excepcional contra isso chama-se San Tiago Dantas. Nosso ministro das Relações Exteriores. Argumenta, demonstra juridicamente. Tudo o que você pode imaginar. E ganha. Os EUA perderam a batalha em Punta del Este. Você pode imaginar, para o orgulho americano, o quanto isso foi?
Há um segundo momento, na crise dos mísseis soviéticos incrustados na costa cubana, apontados em direção à Flórida. John Kennedy manda uma carta que não era um convite, era uma convocação para que o presidente do Brasil apoiasse a posição dos Estados Unidos – e invadíssemos Cuba com eles. Bom, o presidente reúne no seu gabinete. Ele chega com a carta do Kennedy, que tinha recebido do embaixador. Já trazia à mão anotações com a opinião dele. E houve uma tarde admirável de encontro político. Ao término, ficou deliberada a recusa.
Um governo desinformado
Na manhã de 31 de março, quando as tropas do general Olímpio Mourão Filho seguiam em direção ao Rio de Janeiro, desde lá de Juiz de Fora, eu fui à Câmara, em Brasília. A Câmara reunia-se habitualmente pela tarde e, com alguma frequência, à noite. Pela manhã, nunca. Portanto, havia algo estranho. Entrei numa das rodas. “Começou o golpe”, diziam uns. Outros, favoráveis, comemoravam: “Começou a Revolução”. Enfim, revelavam a marcha do general Mourão. Eu não sabia de nada.
O presidente estava no Rio, no Palácio das Laranjeiras. O senador Artur Virgílio Filho, que era líder do governo no Senado, ligou para ele. Eu fiquei ouvindo na extensão. “Presidente, está aqui o Almino, me contando o quadro que acaba de ouvir, a respeito da marcha do general Mourão. Como vou ter de falar necessariamente sobre esse assunto no Senado, estou lhe telefonando para pedir as suas instruções.” Responde o ilustre presidente João Goulart, ao meio-dia de 31 de março de 64. “Artur, isso tudo é fantasia da oposição. Ficam criando um quadro de alarme para ver se nos tiram do controle da situação. É um absurdo isso.”
Passava por ele o general Assis Brasil, chefe da Casa Militar. O presidente o interpelou. “General, o senador Artur Virgílio acaba de me dizer alguma coisa sobre uma marcha de revoltosos. O que há disso?” Pergunta ao chefe de sua Casa Militar. Responde o general: “Presidente, não há nada. É um movimento de tropas rotineiro que se dá no Exército. Não há absolutamente nada”. Jango insiste: “General, não há nada?” Ele garante: “Nada, presidente, estou lhe dizendo”. Desligamos.
A Câmara não era mais um fervedouro. Era um comício. Um barulho, uma agitação. Eu entro numa roda e digo o que acabo de ouvir do presidente. Aí o deputado Carlos Murilo me tira da roda.
“Almino, se o presidente João Goulart está dizendo isso como uma forma de suavizar o clima de tensão, eu não sei se isso terá efeito. Agora, se ele está acreditando na verdade do que disse a vocês, está perdido. Porque, desde a madrugada de hoje, Belo Horizonte está em pé de guerra. O governador Magalhães Pinto já assumiu o comando da revolução. Isso é público desde a madrugada.”
Bom, seria injusto, leviano, dizer que o general Assis Brasil tenha de alguma maneira contribuído para um desfecho negativo do nosso governo. Seria uma acusação irresponsável. Mas que ele era de uma incompetência absoluta, isso eu posso dizer. Não saber ao meio-dia de um fato que vinha desde a madrugada é inacreditável. E o pior: o presidente João Goulart só foi formalmente comunicado da marcha do general Mourão às 6 da tarde do dia 31. Por um bilhete do ministro da Justiça, Abelardo Jurema.
Duas cusparadas cívicas
Na casa do deputado Bocayuva Cunha toca o telefone. Era uma das secretárias do senador Auro de Moura Andrade convocando para uma reunião extraordinária do Congresso, reunião conjunta da Câmara e do Senado. À 1h30 da manhã de 2 de abril. Não seria para loas, certamente.
Na hora da sessão, Moura Andrade começa um discursinho horroroso, de poucas linhas, depois publicado em toda parte. “Todo mundo sabe que o senhor presidente da República, já a esta altura,tendo deixado Brasília, na verdade deixou o governo acéfalo. Portanto, eu me sinto no dever de, neste instante, declarar vago o cargo de presidente da República. E que o senhor Ranieri Mazzilli, na qualidade de presidente da Câmara, assuma em caráter interino a Presidência da República. Está encerrada a sessão.”
Aí vou contar duas coisas admiráveis. Tancredo Neves, baixinho, normalmente suave, levantou e disse: “Canalha! Canalha!” Com essa voz! E o deputado Rogê Ferreira, um líder socialista, hercúleo, atlético, vai até a escadinha da mesa. Moura Andrade vinha descendo, cercado de guardas, uma segurança maior que a habitual. O Rogê mete os cotovelos, consegue abrir espaço naquela guarda e dá duas cusparadas no Moura Andrade. Que eu chamo de público, já disse muitas vezes, “duas cusparadas cívicas”.
Imprensa em campanha
Com a exceção honrosa da Última Hora, todos os jornais tiveram uma atitude de bloqueio a respeito do presidente João Goulart. Até para justificar a atitude deles próprios, que tramaram e ajudaram o golpe. Trataram de obscurecer inteiramente tudo quanto pudesse de algum modo significar algo favorável ao presidente. Houve certo instante em que o deputado Bilac Pinto, da UDN, passou a fazer sistematicamente discursos na Câmara, com a acusação de que o presidente estava armando a chamada “Campanha Revolucionária”. Para quem conhecesse o presidente, imaginar ele próprio assumindo uma ação desse tipo era tão fora de propósito. Mas Bilac Pinto insistia.
Estou convencido de que técnicos de ação revolucionária o ensinaram a fazer esses discursos. Não acredito que ele, o jurista que era, sequer soubesse dos dados com que argumentou. Mas o importante é que os principais jornais de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte, do Recife, estampavam o assunto nas manchetes. “Deputado Bilac Pinto denuncia o golpe de João Goulart”, “Bilac Pinto mostra onde o presidente está armando a Revolução”.
Todos os jornais, fora a Última Hora. Manchete! Manchete!
Eu diria que foi antidemocrático. Profundamente. Porque, quando você deforma a verdade, você desserve à história e ao País. Isso hoje eu digo da maneira mais clara.
Amazonense radicado em São Paulo, o advogado Almino Afonso viveu o governo João Goulart do primeiro ao último dia. Foi líder na Câmara do partido do presidente, o PTB, ministro do Trabalho e da Previdência Social, aconselhou Jango em decisões importantes e testemunhou episódios centrais da história do País. Afonso recorda os momentos que antecederam ou se desenvolveram durante o golpe de 1964. Seu depoimento foi gravado no início de fevereiro, para o documentário Jango – Marcado para Cair, produzido por Paulo de Tarso Santos Filho. São observações de quem viveu um dos períodos mais conturbados da vida brasileira, no olho do furacão.
Golpe desde a posse
Num certo momento, após a renúncia de Jânio, o presidente João Goulart me telefona de Paris, vindo de Cingapura, no retorno da China. Queria saber como estava o quadro e revela o seguinte: “Eu recebi um telefonema do senador Afonso Arinos e do deputado San Tiago Dantas, informando de que há uma cogitação de, através do parlamentarismo, superar a crise e permitir que eu assuma como chefe de Estado. Qual a sua opinião?”
Eu disse: “Presidente, eu sou parlamentarista por formação doutrinária, mas neste momento é golpe de Estado. E, como golpe, eu não aceito”. Ele disse: “Bem, eu não estou assumindo nenhuma aceitação, mas gostaria que a bancada analisasse”.
No dia seguinte, no gabinete do presidente interino Ranieri Mazzilli, com a presença dos três ministros militares que queriam impedir a posse de Jango, somos convocados. Todos os líderes dos partidos, inclusive eu, um jovem líder do PTB. Eu me vi no dever de relatar o diálogo que tinha tido com o presidente. Ao meu lado estava o líder da UDN na Câmara, coronel Menezes Cortes, que se entusiasmou e transformou a conversa exploratória entre Arinos, San Tiago e Jango numa proposta. A detonação real do parlamentarismo nasce nesse episódio. Menezes Cortes ouve a narrativa que fiz e passa a defender a ideia com entusiasmo.
Eu me mantive na liderança do PTB até o último minuto. A esmagadora maioria do partido votou contra, mas, se a memória não me falha, 15 votaram a favor. Ou porque se consideravam parlamentaristas, ou porque eram mais amigos do presidente. Se Jango aceitou, votavam com ele. Mas o PTB, em sua maioria, ficou contra o parlamentarismo.
Aquilo era um golpe de Estado no sentido mais amplo. A Constituição de 1946 não permitia que uma emenda, alterando a ordem constitucional, fosse votada em clima de choque interno, ou de “convulsão intestina”, essa expressão curiosa.
O inimigo americano
A informação do quanto podia haver, comprovadamente, de participação dos Estados Unidos na articulação de um golpe vem num crescendo. Além daquela batalha campal de dizer que o presidente era comunista, e que influiu enormemente na coesão dos militares, foi a nossa política internacional que realmente passou a chocar os interesses americanos.
Há um momento em que os EUA descem para uma conferência em Punta del Este. Congresso da Organização dos Estados Americanos. O secretário de Estado americano propõe, formalmente, a expulsão de Cuba da OEA. Por quê? Ela tinha passado a ser um órgão comunista. Em nome disso, não podia continuar na OEA.
Quem faz a sustentação excepcional contra isso chama-se San Tiago Dantas. Nosso ministro das Relações Exteriores. Argumenta, demonstra juridicamente. Tudo o que você pode imaginar. E ganha. Os EUA perderam a batalha em Punta del Este. Você pode imaginar, para o orgulho americano, o quanto isso foi?
Há um segundo momento, na crise dos mísseis soviéticos incrustados na costa cubana, apontados em direção à Flórida. John Kennedy manda uma carta que não era um convite, era uma convocação para que o presidente do Brasil apoiasse a posição dos Estados Unidos – e invadíssemos Cuba com eles. Bom, o presidente reúne no seu gabinete. Ele chega com a carta do Kennedy, que tinha recebido do embaixador. Já trazia à mão anotações com a opinião dele. E houve uma tarde admirável de encontro político. Ao término, ficou deliberada a recusa.
Um governo desinformado
Na manhã de 31 de março, quando as tropas do general Olímpio Mourão Filho seguiam em direção ao Rio de Janeiro, desde lá de Juiz de Fora, eu fui à Câmara, em Brasília. A Câmara reunia-se habitualmente pela tarde e, com alguma frequência, à noite. Pela manhã, nunca. Portanto, havia algo estranho. Entrei numa das rodas. “Começou o golpe”, diziam uns. Outros, favoráveis, comemoravam: “Começou a Revolução”. Enfim, revelavam a marcha do general Mourão. Eu não sabia de nada.
O presidente estava no Rio, no Palácio das Laranjeiras. O senador Artur Virgílio Filho, que era líder do governo no Senado, ligou para ele. Eu fiquei ouvindo na extensão. “Presidente, está aqui o Almino, me contando o quadro que acaba de ouvir, a respeito da marcha do general Mourão. Como vou ter de falar necessariamente sobre esse assunto no Senado, estou lhe telefonando para pedir as suas instruções.” Responde o ilustre presidente João Goulart, ao meio-dia de 31 de março de 64. “Artur, isso tudo é fantasia da oposição. Ficam criando um quadro de alarme para ver se nos tiram do controle da situação. É um absurdo isso.”
Passava por ele o general Assis Brasil, chefe da Casa Militar. O presidente o interpelou. “General, o senador Artur Virgílio acaba de me dizer alguma coisa sobre uma marcha de revoltosos. O que há disso?” Pergunta ao chefe de sua Casa Militar. Responde o general: “Presidente, não há nada. É um movimento de tropas rotineiro que se dá no Exército. Não há absolutamente nada”. Jango insiste: “General, não há nada?” Ele garante: “Nada, presidente, estou lhe dizendo”. Desligamos.
A Câmara não era mais um fervedouro. Era um comício. Um barulho, uma agitação. Eu entro numa roda e digo o que acabo de ouvir do presidente. Aí o deputado Carlos Murilo me tira da roda.
“Almino, se o presidente João Goulart está dizendo isso como uma forma de suavizar o clima de tensão, eu não sei se isso terá efeito. Agora, se ele está acreditando na verdade do que disse a vocês, está perdido. Porque, desde a madrugada de hoje, Belo Horizonte está em pé de guerra. O governador Magalhães Pinto já assumiu o comando da revolução. Isso é público desde a madrugada.”
Bom, seria injusto, leviano, dizer que o general Assis Brasil tenha de alguma maneira contribuído para um desfecho negativo do nosso governo. Seria uma acusação irresponsável. Mas que ele era de uma incompetência absoluta, isso eu posso dizer. Não saber ao meio-dia de um fato que vinha desde a madrugada é inacreditável. E o pior: o presidente João Goulart só foi formalmente comunicado da marcha do general Mourão às 6 da tarde do dia 31. Por um bilhete do ministro da Justiça, Abelardo Jurema.
Duas cusparadas cívicas
Na casa do deputado Bocayuva Cunha toca o telefone. Era uma das secretárias do senador Auro de Moura Andrade convocando para uma reunião extraordinária do Congresso, reunião conjunta da Câmara e do Senado. À 1h30 da manhã de 2 de abril. Não seria para loas, certamente.
Na hora da sessão, Moura Andrade começa um discursinho horroroso, de poucas linhas, depois publicado em toda parte. “Todo mundo sabe que o senhor presidente da República, já a esta altura,tendo deixado Brasília, na verdade deixou o governo acéfalo. Portanto, eu me sinto no dever de, neste instante, declarar vago o cargo de presidente da República. E que o senhor Ranieri Mazzilli, na qualidade de presidente da Câmara, assuma em caráter interino a Presidência da República. Está encerrada a sessão.”
Aí vou contar duas coisas admiráveis. Tancredo Neves, baixinho, normalmente suave, levantou e disse: “Canalha! Canalha!” Com essa voz! E o deputado Rogê Ferreira, um líder socialista, hercúleo, atlético, vai até a escadinha da mesa. Moura Andrade vinha descendo, cercado de guardas, uma segurança maior que a habitual. O Rogê mete os cotovelos, consegue abrir espaço naquela guarda e dá duas cusparadas no Moura Andrade. Que eu chamo de público, já disse muitas vezes, “duas cusparadas cívicas”.
Imprensa em campanha
Com a exceção honrosa da Última Hora, todos os jornais tiveram uma atitude de bloqueio a respeito do presidente João Goulart. Até para justificar a atitude deles próprios, que tramaram e ajudaram o golpe. Trataram de obscurecer inteiramente tudo quanto pudesse de algum modo significar algo favorável ao presidente. Houve certo instante em que o deputado Bilac Pinto, da UDN, passou a fazer sistematicamente discursos na Câmara, com a acusação de que o presidente estava armando a chamada “Campanha Revolucionária”. Para quem conhecesse o presidente, imaginar ele próprio assumindo uma ação desse tipo era tão fora de propósito. Mas Bilac Pinto insistia.
Estou convencido de que técnicos de ação revolucionária o ensinaram a fazer esses discursos. Não acredito que ele, o jurista que era, sequer soubesse dos dados com que argumentou. Mas o importante é que os principais jornais de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte, do Recife, estampavam o assunto nas manchetes. “Deputado Bilac Pinto denuncia o golpe de João Goulart”, “Bilac Pinto mostra onde o presidente está armando a Revolução”.
Todos os jornais, fora a Última Hora. Manchete! Manchete!
Eu diria que foi antidemocrático. Profundamente. Porque, quando você deforma a verdade, você desserve à história e ao País. Isso hoje eu digo da maneira mais clara.
A verdade enjaulada
Vladimir Safátle
A mais brutal de todas as violências é, sem dúvida, a violência da inexistência. Esta é uma forma muito pior de extermínio, pois não se trata apenas da eliminação física. Ela é uma eliminação simbólica, desta que afirma que nada existiu, que a violência não deixou traços e indignação. Neste exato momento, o Brasil é vítima, mais uma vez, dessa forma mais brutal de violência.
Talvez ninguém esperasse que, em 2014, 50 anos após o golpe militar, estaríamos em um embate para saber se, no fim das contas, existiu ou não uma ditadura no País, com todas as suas letras. Era de se esperar que neste momento histórico estivéssemos a ler cartas abertas das Forças Armadas com pedidos de perdão por terem protagonizado um dos momentos mais infames da história brasileira, cartas de desculpas de grupos empresariais que financiaram fartamente casas de torturas e operações de crimes contra a humanidade. Todos esses atores não se veem, no entanto, obrigados a um mínimo mea-culpa.
Há de se perguntar como chegamos a esse ponto. Uma resposta-padrão consiste em dizer que os setores progressistas da sociedade brasileira não tiveram força suficiente para impor aos governos exigências de dever de memória e justiça de transição. A história brasileira recente é, em larga medida, uma história de transformações abortadas.
Já a luta pela anistia foi abortada quando o regime militar conseguiu impor sua própria lei da anistia, que livrava os funcionários de Estado responsáveis por crimes contra a humanidade, isso enquanto ainda deixava na cadeia integrantes da luta armada que participaram de assaltos a bancos e ações com mortes. Àqueles que têm o despudor de afirmar que a lei da anistia foi fruto de acordo nacional, devemos lembrar que a votação que aprovou a referida legislação no Congresso Nacional foi de 206 votos a favor e 201 contrários, sendo os votos favoráveis saídos todos das fileiras do então partido governista (a Arena). Faz parte das ditaduras a criação de uma novilíngua, na qual os termos ganham sentidos contrários. No Brasil, a imposição da sua vontade por meio da coerção é chamada de “acordo”.
Depois, a luta por eleições diretas para presidente da República foi abortada em famosa votação no Congresso, o afastamento de líderes ligados ao regime militar foi abortado com a elevação de José Sarney à Presidência do Brasil, seguido de Fernando Collor. Em todos esses processos não foi a sociedade brasileira que se mostrou fraca, mas o poder que se demonstrou suficientemente astuto para se perpetuar sob o manto da transformação. Falamos de uma ditadura que conseguiu permanecer no governo mesmo depois de seu fim, graças a uma manobra transformista que alçou o então PFL a fiador da República.
Da mesma forma, as Forças Armadas conseguiram criar a ilusão de ser um ator que deveria ser deixado em paz, sob o risco de maiores instabilidades institucionais. Essa lógica levou os primeiros governos realmente pós-ditadura (Fernando Henrique Cardoso e Lula) a nunca adotar uma política efetiva de criminalização da ditadura. Assim, chegamos em 2014 sem um torturador punido, sem um general obrigado a reconhecer a experiência terrível dos anos de chumbo.
Dentro desse quadro desolador, o governo Dilma Rousseff resolveu criar uma Comissão da Verdade, que deve entregar o relatório de suas atividades ainda neste ano. Composta de alguns nomes de inquestionável valor e dedicação, indivíduos com largo histórico de defesa dos direitos humanos e intervenções na mídia em favor de uma política efetiva de memória, a comissão teve condições mínimas de trabalho.
Dos sete integrantes iniciais, ela agora funciona com cinco. Mesmo ao levantar novos dados, principalmente a respeito da repressão no campo e contra indígenas, ela não conseguiu mobilizar a opinião pública, talvez por ter preferido não divulgar parcialmente resultados ou encaminhá-los diretamente às cortes internacionais de Justiça (pois as cortes brasileiras estão açodadas devido à decisão canalha do Supremo Tribunal Federal a respeito da perpetuação das leituras correntes a respeito da lei da anistia). Caso tivesse optado pela ampla divulgação e enviado os resultados às cortes internacionais, uma situação jurídica nova teria sido criada e obrigaria o governo a sair de sua política de minimização de conflitos. Foi graças a uma intervenção exterior, lembremos, que o Chile conseguiu, enfim, começar a enfrentar a brutalidade de seu passado. Se Augusto Pinochet não tivesse sido preso na Inglaterra por causa de um pedido do juiz espanhol Baltasar Garzón, há de se imaginar que o Chile estaria em situação muito diferente.
A Comissão da Verdade brasileira deveria assumir experiências de outras comissões e, ao menos, desenvolver um procedimento parecido àquele aplicado na África do Sul. Nesse caso, antigos funcionários do apartheid tiveram seus crimes perdoados se os confessassem abertamente diante das vítimas ou familiares das vítimas, pedindo publicamente perdão. Certamente, no Brasil, algo dessa natureza teria, neste momento, grande força, certamente muito maior do que aquela que o procedimento demonstrou na própria África do Sul. Pois, entre nós, o verdadeiro problema é interromper, de uma vez por todas, a violência produzida pela tentativa de jogar o sofrimento social do período militar à condição de inexistência.
Creio ser útil partilhar um fato pessoal. Depois de escrever um artigo a respeito da tendência de negação predominante em parte de nossa historiografia recente, com seu desejo de apagar os traços da ditadura, recebi uma mensagem singela de alguém que dizia que a ditadura não existiu para ele, cidadão ordeiro e trabalhador. Ela existiu apenas para os indivíduos que queriam transformar este país em uma nova União Soviética. Eu diria que ele tem razão. De fato, a ditadura não existiu para ele, pois esse senhor, como vários outros, fez parte da ditadura. Não haveria ditadura sem cidadãos como este, que hoje não temem em demonstrar claramente suas escolhas.
Não há ditadura sem um conjunto de “carrascos voluntários”, que, mesmo não trabalhando diretamente nos aparatos repressivos, atua indiretamente no suporte e na reprodução das justificativas de suas ações. Há de se apontar para os carrascos voluntários da ditadura brasileira. Por isso, o País nunca conseguirá encerrar o legado ditatorial sem um processo de culpabilização coletiva. Quem votou na Arena foi um carrasco voluntário da ditadura e há de se tratar tais indivíduos dessa forma. Muito mais gente deveria estar no banco dos réus. Pois devemos lembrar, mais uma vez: só há perdão quando há, do outro lado, reconhecimento do crime. Você não pode perdoar o que não existiu. Então, se para certas parcelas da população, a ditadura não existiu, não há razão alguma para perdoá-los. O Brasil segue e seguirá em conflito, como quem vive uma história em suspenso.
A mais brutal de todas as violências é, sem dúvida, a violência da inexistência. Esta é uma forma muito pior de extermínio, pois não se trata apenas da eliminação física. Ela é uma eliminação simbólica, desta que afirma que nada existiu, que a violência não deixou traços e indignação. Neste exato momento, o Brasil é vítima, mais uma vez, dessa forma mais brutal de violência.
Talvez ninguém esperasse que, em 2014, 50 anos após o golpe militar, estaríamos em um embate para saber se, no fim das contas, existiu ou não uma ditadura no País, com todas as suas letras. Era de se esperar que neste momento histórico estivéssemos a ler cartas abertas das Forças Armadas com pedidos de perdão por terem protagonizado um dos momentos mais infames da história brasileira, cartas de desculpas de grupos empresariais que financiaram fartamente casas de torturas e operações de crimes contra a humanidade. Todos esses atores não se veem, no entanto, obrigados a um mínimo mea-culpa.
Há de se perguntar como chegamos a esse ponto. Uma resposta-padrão consiste em dizer que os setores progressistas da sociedade brasileira não tiveram força suficiente para impor aos governos exigências de dever de memória e justiça de transição. A história brasileira recente é, em larga medida, uma história de transformações abortadas.
Já a luta pela anistia foi abortada quando o regime militar conseguiu impor sua própria lei da anistia, que livrava os funcionários de Estado responsáveis por crimes contra a humanidade, isso enquanto ainda deixava na cadeia integrantes da luta armada que participaram de assaltos a bancos e ações com mortes. Àqueles que têm o despudor de afirmar que a lei da anistia foi fruto de acordo nacional, devemos lembrar que a votação que aprovou a referida legislação no Congresso Nacional foi de 206 votos a favor e 201 contrários, sendo os votos favoráveis saídos todos das fileiras do então partido governista (a Arena). Faz parte das ditaduras a criação de uma novilíngua, na qual os termos ganham sentidos contrários. No Brasil, a imposição da sua vontade por meio da coerção é chamada de “acordo”.
Depois, a luta por eleições diretas para presidente da República foi abortada em famosa votação no Congresso, o afastamento de líderes ligados ao regime militar foi abortado com a elevação de José Sarney à Presidência do Brasil, seguido de Fernando Collor. Em todos esses processos não foi a sociedade brasileira que se mostrou fraca, mas o poder que se demonstrou suficientemente astuto para se perpetuar sob o manto da transformação. Falamos de uma ditadura que conseguiu permanecer no governo mesmo depois de seu fim, graças a uma manobra transformista que alçou o então PFL a fiador da República.
Da mesma forma, as Forças Armadas conseguiram criar a ilusão de ser um ator que deveria ser deixado em paz, sob o risco de maiores instabilidades institucionais. Essa lógica levou os primeiros governos realmente pós-ditadura (Fernando Henrique Cardoso e Lula) a nunca adotar uma política efetiva de criminalização da ditadura. Assim, chegamos em 2014 sem um torturador punido, sem um general obrigado a reconhecer a experiência terrível dos anos de chumbo.
Dentro desse quadro desolador, o governo Dilma Rousseff resolveu criar uma Comissão da Verdade, que deve entregar o relatório de suas atividades ainda neste ano. Composta de alguns nomes de inquestionável valor e dedicação, indivíduos com largo histórico de defesa dos direitos humanos e intervenções na mídia em favor de uma política efetiva de memória, a comissão teve condições mínimas de trabalho.
Dos sete integrantes iniciais, ela agora funciona com cinco. Mesmo ao levantar novos dados, principalmente a respeito da repressão no campo e contra indígenas, ela não conseguiu mobilizar a opinião pública, talvez por ter preferido não divulgar parcialmente resultados ou encaminhá-los diretamente às cortes internacionais de Justiça (pois as cortes brasileiras estão açodadas devido à decisão canalha do Supremo Tribunal Federal a respeito da perpetuação das leituras correntes a respeito da lei da anistia). Caso tivesse optado pela ampla divulgação e enviado os resultados às cortes internacionais, uma situação jurídica nova teria sido criada e obrigaria o governo a sair de sua política de minimização de conflitos. Foi graças a uma intervenção exterior, lembremos, que o Chile conseguiu, enfim, começar a enfrentar a brutalidade de seu passado. Se Augusto Pinochet não tivesse sido preso na Inglaterra por causa de um pedido do juiz espanhol Baltasar Garzón, há de se imaginar que o Chile estaria em situação muito diferente.
A Comissão da Verdade brasileira deveria assumir experiências de outras comissões e, ao menos, desenvolver um procedimento parecido àquele aplicado na África do Sul. Nesse caso, antigos funcionários do apartheid tiveram seus crimes perdoados se os confessassem abertamente diante das vítimas ou familiares das vítimas, pedindo publicamente perdão. Certamente, no Brasil, algo dessa natureza teria, neste momento, grande força, certamente muito maior do que aquela que o procedimento demonstrou na própria África do Sul. Pois, entre nós, o verdadeiro problema é interromper, de uma vez por todas, a violência produzida pela tentativa de jogar o sofrimento social do período militar à condição de inexistência.
Creio ser útil partilhar um fato pessoal. Depois de escrever um artigo a respeito da tendência de negação predominante em parte de nossa historiografia recente, com seu desejo de apagar os traços da ditadura, recebi uma mensagem singela de alguém que dizia que a ditadura não existiu para ele, cidadão ordeiro e trabalhador. Ela existiu apenas para os indivíduos que queriam transformar este país em uma nova União Soviética. Eu diria que ele tem razão. De fato, a ditadura não existiu para ele, pois esse senhor, como vários outros, fez parte da ditadura. Não haveria ditadura sem cidadãos como este, que hoje não temem em demonstrar claramente suas escolhas.
Não há ditadura sem um conjunto de “carrascos voluntários”, que, mesmo não trabalhando diretamente nos aparatos repressivos, atua indiretamente no suporte e na reprodução das justificativas de suas ações. Há de se apontar para os carrascos voluntários da ditadura brasileira. Por isso, o País nunca conseguirá encerrar o legado ditatorial sem um processo de culpabilização coletiva. Quem votou na Arena foi um carrasco voluntário da ditadura e há de se tratar tais indivíduos dessa forma. Muito mais gente deveria estar no banco dos réus. Pois devemos lembrar, mais uma vez: só há perdão quando há, do outro lado, reconhecimento do crime. Você não pode perdoar o que não existiu. Então, se para certas parcelas da população, a ditadura não existiu, não há razão alguma para perdoá-los. O Brasil segue e seguirá em conflito, como quem vive uma história em suspenso.
Jornalismo golpista
Por Juremir Machado da Silva
No Brasil, 1964 pode ser descrito como o ano da imprensa colaboracionista. Os intelectuais jornalistas traíram o compromisso com a verdade e com a independência por desinformação, conservadorismo e ideologia. Alberto Dines, Antonio Callado e Carlos Heitor Cony ajudaram a derrubar Jango. O poeta Carlos Drummond de Andrade sujou as mãos com algumas mal traçadas crônicas destinadas, pós-golpe, a chutar cachorro morto. Em 1954, a mesma imprensa havia empurrado Getúlio Vargas ao suicídio. Nas únicas três vezes em que o Brasil teve governos do centro para a esquerda – 1951-1954, 1961-1964 e 2003 até hoje –, a mídia aliou-se aos mais conservadores ao agitar os mesmos espantalhos: corrupção, anarquia, desgoverno, aparelhamento do Estado, tentações comunistas e outras ficções mais ou menos inverossímeis.
Em 1964, João Goulart, fervido no caldo borbulhante da Guerra Fria, enfrentou a ira moralista de veículos como o Correio da Manhã,Jornal do Brasil, O Globo, O Estado de S. Paulo,Folha de S.Paulo, Tribuna da Imprensa, O Dia e dos Diários Associados de Assis Chateaubriand. A queda de Jango começou a se definir em 13 de março, uma sexta-feira. O presidente cometeu o pecado de abraçar a reforma agrária e de encampar as refinarias de petróleo. A reação conservadora pôs nas ruas as Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Consumado o golpe, o diretor de O Estado de S. Paulo, Julio de Mesquita, não se constrangeu em publicar, em 12 de abril de 1964, o “roteiro da revolução”, que ajudara a preparar com auxílio do professor Vicente Rao, em 1962.
O patriarca da imprensa golpista clamava pelo fechamento do Congresso Nacional e das assembleias legislativas. “Há mais ou menos dois anos, o Dr. Júlio de Mesquita Filho, instado por altas patentes das Forças Armadas a dar a sua opinião sobre o que se deveria fazer caso fosse vitoriosa a conspiração que então já se iniciara contra o regime do Sr. João Goulart, enviou-lhes em resposta a seguinte carta...” Sugeria a suspensão do habeas corpus, um expurgo no Judiciário e a extinção dos mandatos dos prefeitos e governadores. A solução “democrática” contra o governo de Jango seria uma junta militar instalada no poder por, no mínimo, cinco anos.
A “Mensagem ao Congresso”, enviada por Jango em 15 de março, detonou o horror na imprensa golpista. O confronto com os marinheiros reunidos no Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, em 25 de março, deu nova e poderosa munição para o golpismo midiático: as Forças Armadas estariam minadas pela indisciplina. Os marinheiros da base da hierarquia tinham reivindicações subversivas, entre elas... o direito ao casamento. A mídia considerava tudo isso muito radical. Em 30 de março, Jango compareceu ao encontro dos sargentos no Automóvel Clube do Rio. Foi a senha para o autodenominado “vaca fardada”, o general Olympio Mourão Filho, dar o seu coice mortal, marchando com suas tropas de Juiz de Fora para o Rio. A mídia exultou.
O golpe partiu de Minas sob a liderança civil do governador Magalhães Pinto. Alberto Dines, hoje decano dos críticos de mídia e pregador de moral e cívica no seu Observatório da Imprensa, brindou o governador, no livro que organizou e publicou ainda em 1964 para tecer loas ao golpismo – Os Idos de Março e a Queda em Abril –, com o mais alto elogio disponível na época, um cumprimento aos colhões do pacato golpista: “Enfim, apareceu um homem para dar o primeiro passo. Este homem é o mais tranquilo, o mais sereno de todos os que estão na cena política. Magalhães Pinto, sem muitos arroubos, redimiu os brasileiros da pecha de impotentes”.
O Correio da Manhã deveria constar no livro dos recordes como o mais rápido caso de arrependimento da história do jornalismo. Em 31 de março e 1º de abril de 1964, golpeava furiosamente. No editorial “Basta!”, decretava: “O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta”. De quê? “Basta de farsa. Basta da guerra psicológica que o próprio governo desencadeou com o objetivo de convulsionar o país e levar avante a sua política continuísta. Basta de demagogia para que, realmente, se possam fazer as reformas de base”.
O jornal iludia-se como uma senhora de classe média desinformada: “Queremos as reformas de base votadas pelo Congresso. Queremos a intocabilidade das liberdades democráticas. Queremos a realização das eleições em 1965. A nação não admite nem golpe nem contragolpe”. No editorial “Fora!”, saiu do armário: “Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: 'Saia!”' Veredicto: “João Goulart iniciou a sedição no país”. E mais: “A nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do Governo. Chegou ao limite final a capacidade de tolerá-lo por mais tempo. Não resta outra saída ao Sr. João Goulart senão a de entregar o Governo ao seu legítimo sucessor”. Como poderia de um golpe vir um “legítimo sucessor”? Mistérios do jornalismo: “Hoje, como ontem, queremos preservar a Constituição. O Sr. João Goulart deve entregar o Governo ao seu sucessor porque não pode mais governar o País”.
Os grandes jornais paulistas e cariocas atolaram-se com o mesmo entusiasmo. Apoiaram o golpe e a ditadura. AFolha de S.Paulo ficou famosa por emprestar suas caminhonetes para a Operação Bandeirantes transportar “subversivos” para o tronco. Em 22 de setembro de 1971, o jornal de Octavio Frias tecia em editorial o seu mais ditirâmbico elogio ao pior momento da ditadura: "Os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta. Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social, realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama".
Esse apoio explícito da Folha de S.Paulo ao governo de Emílio Garrastazu Médici ganha nesse editorial um tom de confissão apaixonada: “Um país, enfim, de onde a subversão – que se alimenta do ódio e cultiva a violência – está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma imprensa que os remanescentes do terror querem golpear”. Em 2009, a Folha de S.Paulo chamou a ditadura de “ditabranda”. O arrependimento nunca chegou.
O Globo, em editorial de 2 de abril de 1964, notabilizou-se pela bajulação surrealista: “Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem”. Em 7 de outubro de 1984, nos 20 anos do regime, Roberto Marinho reincidiu: “Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. Só 49 anos depois do golpe, O Globo publicaria uma retratação contraditória e pouco convincente. Assim foi com outro representante do jornalismo carioca. Em 31 de março de 1973, o Jornal do Brasil comemorava: “Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer”.
Em 2 de abril de 1964, a Tribuna da Imprensa deu em manchete uma lição do mau jornalismo que sempre a distinguiu: “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr. João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas”.
Se os jornais apoiaram o golpe e a ditadura, muitos intelectuais jornalistas marcharam na linha de frente do golpismo. Cony, que logo percebeu o tamanho da encrenca e passou a criticar o novo regime, admitiu ter participado da confecção dos editoriais “Basta” e “Fora” do Correio da Manhã: “Minha participação limitou-se a cortar um parágrafo e acrescentar uma pequena frase”. Quanta modéstia retrospectiva! Para Cony, João Goulart era um “homem completamente despreparado para qualquer cargo público, fraco, pusilânime e, sobretudo, raiando os extensos limites do analfabetismo”.
Dines vomitaria uma das maiores asneiras da época: “É preciso muita convicção para não se enredar pelo glamour de uma façanha esquerdista. Quem tem coragem para dizer que aqueles marinheiros, que arriscaram a vida com aquele motim por uma causa tão distante e abstrata, como reformas de base, eram oportunistas e agitadores”. Entre as causas distantes e abstratas defendidas naqueles tempos estavam o direito ao casamento e ao voto para os analfabetos. Em 1968, depois do AI-5, em discurso numa formatura, Dines criticou a censura. Enrolou-se com os velhos amigos. O Serviço Nacional de Informações forneceu-lhe um atestado de bons antecedentes descoberto pelo pesquisador Álvaro Larangeira: “Sempre se manifestou contrário ao regime comunista. Colaborou com o governo revolucionário, escrevendo livro sobre a revolução e orientou feitura de cadernos para difundir objetivos da revolução”. Não foi denunciado. Perdoou-se o deslize.
Callado faz de Jango um bêbado, incompetente e inculto, casado com uma mulher fútil, e com um vício terrível, “o de aumentar o salário mínimo”. O futuro escritor atrapalhava-se com as palavras: “A Presidência da República foi transformada numa espécie de grande Ministério do Trabalho, com a preocupação constante do salário mínimo”. Chafurdava na maledicência: “Ao que se sabe, muitos cirurgiões lhe garantiram, através dos anos, que poderia corrigir o defeito que tem na perna esquerda. Mas o horror à ideia de dor física fez com que Jango jamais considerasse a sério o conselho. Talvez por isso tenha cometido o seu suicídio indolor na Páscoa”. Raízes de certo jornalismo de nossos dias.
Juremir Machado da Silva é jornalista e autor de 1964, Golpe Midiático-Civil-Militar
No Brasil, 1964 pode ser descrito como o ano da imprensa colaboracionista. Os intelectuais jornalistas traíram o compromisso com a verdade e com a independência por desinformação, conservadorismo e ideologia. Alberto Dines, Antonio Callado e Carlos Heitor Cony ajudaram a derrubar Jango. O poeta Carlos Drummond de Andrade sujou as mãos com algumas mal traçadas crônicas destinadas, pós-golpe, a chutar cachorro morto. Em 1954, a mesma imprensa havia empurrado Getúlio Vargas ao suicídio. Nas únicas três vezes em que o Brasil teve governos do centro para a esquerda – 1951-1954, 1961-1964 e 2003 até hoje –, a mídia aliou-se aos mais conservadores ao agitar os mesmos espantalhos: corrupção, anarquia, desgoverno, aparelhamento do Estado, tentações comunistas e outras ficções mais ou menos inverossímeis.
Em 1964, João Goulart, fervido no caldo borbulhante da Guerra Fria, enfrentou a ira moralista de veículos como o Correio da Manhã,Jornal do Brasil, O Globo, O Estado de S. Paulo,Folha de S.Paulo, Tribuna da Imprensa, O Dia e dos Diários Associados de Assis Chateaubriand. A queda de Jango começou a se definir em 13 de março, uma sexta-feira. O presidente cometeu o pecado de abraçar a reforma agrária e de encampar as refinarias de petróleo. A reação conservadora pôs nas ruas as Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Consumado o golpe, o diretor de O Estado de S. Paulo, Julio de Mesquita, não se constrangeu em publicar, em 12 de abril de 1964, o “roteiro da revolução”, que ajudara a preparar com auxílio do professor Vicente Rao, em 1962.
O patriarca da imprensa golpista clamava pelo fechamento do Congresso Nacional e das assembleias legislativas. “Há mais ou menos dois anos, o Dr. Júlio de Mesquita Filho, instado por altas patentes das Forças Armadas a dar a sua opinião sobre o que se deveria fazer caso fosse vitoriosa a conspiração que então já se iniciara contra o regime do Sr. João Goulart, enviou-lhes em resposta a seguinte carta...” Sugeria a suspensão do habeas corpus, um expurgo no Judiciário e a extinção dos mandatos dos prefeitos e governadores. A solução “democrática” contra o governo de Jango seria uma junta militar instalada no poder por, no mínimo, cinco anos.
A “Mensagem ao Congresso”, enviada por Jango em 15 de março, detonou o horror na imprensa golpista. O confronto com os marinheiros reunidos no Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, em 25 de março, deu nova e poderosa munição para o golpismo midiático: as Forças Armadas estariam minadas pela indisciplina. Os marinheiros da base da hierarquia tinham reivindicações subversivas, entre elas... o direito ao casamento. A mídia considerava tudo isso muito radical. Em 30 de março, Jango compareceu ao encontro dos sargentos no Automóvel Clube do Rio. Foi a senha para o autodenominado “vaca fardada”, o general Olympio Mourão Filho, dar o seu coice mortal, marchando com suas tropas de Juiz de Fora para o Rio. A mídia exultou.
O golpe partiu de Minas sob a liderança civil do governador Magalhães Pinto. Alberto Dines, hoje decano dos críticos de mídia e pregador de moral e cívica no seu Observatório da Imprensa, brindou o governador, no livro que organizou e publicou ainda em 1964 para tecer loas ao golpismo – Os Idos de Março e a Queda em Abril –, com o mais alto elogio disponível na época, um cumprimento aos colhões do pacato golpista: “Enfim, apareceu um homem para dar o primeiro passo. Este homem é o mais tranquilo, o mais sereno de todos os que estão na cena política. Magalhães Pinto, sem muitos arroubos, redimiu os brasileiros da pecha de impotentes”.
O Correio da Manhã deveria constar no livro dos recordes como o mais rápido caso de arrependimento da história do jornalismo. Em 31 de março e 1º de abril de 1964, golpeava furiosamente. No editorial “Basta!”, decretava: “O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta”. De quê? “Basta de farsa. Basta da guerra psicológica que o próprio governo desencadeou com o objetivo de convulsionar o país e levar avante a sua política continuísta. Basta de demagogia para que, realmente, se possam fazer as reformas de base”.
O jornal iludia-se como uma senhora de classe média desinformada: “Queremos as reformas de base votadas pelo Congresso. Queremos a intocabilidade das liberdades democráticas. Queremos a realização das eleições em 1965. A nação não admite nem golpe nem contragolpe”. No editorial “Fora!”, saiu do armário: “Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: 'Saia!”' Veredicto: “João Goulart iniciou a sedição no país”. E mais: “A nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do Governo. Chegou ao limite final a capacidade de tolerá-lo por mais tempo. Não resta outra saída ao Sr. João Goulart senão a de entregar o Governo ao seu legítimo sucessor”. Como poderia de um golpe vir um “legítimo sucessor”? Mistérios do jornalismo: “Hoje, como ontem, queremos preservar a Constituição. O Sr. João Goulart deve entregar o Governo ao seu sucessor porque não pode mais governar o País”.
Os grandes jornais paulistas e cariocas atolaram-se com o mesmo entusiasmo. Apoiaram o golpe e a ditadura. AFolha de S.Paulo ficou famosa por emprestar suas caminhonetes para a Operação Bandeirantes transportar “subversivos” para o tronco. Em 22 de setembro de 1971, o jornal de Octavio Frias tecia em editorial o seu mais ditirâmbico elogio ao pior momento da ditadura: "Os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta. Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social, realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama".
Esse apoio explícito da Folha de S.Paulo ao governo de Emílio Garrastazu Médici ganha nesse editorial um tom de confissão apaixonada: “Um país, enfim, de onde a subversão – que se alimenta do ódio e cultiva a violência – está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma imprensa que os remanescentes do terror querem golpear”. Em 2009, a Folha de S.Paulo chamou a ditadura de “ditabranda”. O arrependimento nunca chegou.
O Globo, em editorial de 2 de abril de 1964, notabilizou-se pela bajulação surrealista: “Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem”. Em 7 de outubro de 1984, nos 20 anos do regime, Roberto Marinho reincidiu: “Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. Só 49 anos depois do golpe, O Globo publicaria uma retratação contraditória e pouco convincente. Assim foi com outro representante do jornalismo carioca. Em 31 de março de 1973, o Jornal do Brasil comemorava: “Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer”.
Em 2 de abril de 1964, a Tribuna da Imprensa deu em manchete uma lição do mau jornalismo que sempre a distinguiu: “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr. João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas”.
Se os jornais apoiaram o golpe e a ditadura, muitos intelectuais jornalistas marcharam na linha de frente do golpismo. Cony, que logo percebeu o tamanho da encrenca e passou a criticar o novo regime, admitiu ter participado da confecção dos editoriais “Basta” e “Fora” do Correio da Manhã: “Minha participação limitou-se a cortar um parágrafo e acrescentar uma pequena frase”. Quanta modéstia retrospectiva! Para Cony, João Goulart era um “homem completamente despreparado para qualquer cargo público, fraco, pusilânime e, sobretudo, raiando os extensos limites do analfabetismo”.
Dines vomitaria uma das maiores asneiras da época: “É preciso muita convicção para não se enredar pelo glamour de uma façanha esquerdista. Quem tem coragem para dizer que aqueles marinheiros, que arriscaram a vida com aquele motim por uma causa tão distante e abstrata, como reformas de base, eram oportunistas e agitadores”. Entre as causas distantes e abstratas defendidas naqueles tempos estavam o direito ao casamento e ao voto para os analfabetos. Em 1968, depois do AI-5, em discurso numa formatura, Dines criticou a censura. Enrolou-se com os velhos amigos. O Serviço Nacional de Informações forneceu-lhe um atestado de bons antecedentes descoberto pelo pesquisador Álvaro Larangeira: “Sempre se manifestou contrário ao regime comunista. Colaborou com o governo revolucionário, escrevendo livro sobre a revolução e orientou feitura de cadernos para difundir objetivos da revolução”. Não foi denunciado. Perdoou-se o deslize.
Callado faz de Jango um bêbado, incompetente e inculto, casado com uma mulher fútil, e com um vício terrível, “o de aumentar o salário mínimo”. O futuro escritor atrapalhava-se com as palavras: “A Presidência da República foi transformada numa espécie de grande Ministério do Trabalho, com a preocupação constante do salário mínimo”. Chafurdava na maledicência: “Ao que se sabe, muitos cirurgiões lhe garantiram, através dos anos, que poderia corrigir o defeito que tem na perna esquerda. Mas o horror à ideia de dor física fez com que Jango jamais considerasse a sério o conselho. Talvez por isso tenha cometido o seu suicídio indolor na Páscoa”. Raízes de certo jornalismo de nossos dias.
Juremir Machado da Silva é jornalista e autor de 1964, Golpe Midiático-Civil-Militar
http://www.cartacapital.com.br/revista/793/jornalismo-golpista-1057.html
O mundo sem Momo
Por Sidney Rocha
Tenho este pesadelo todos os anos.
As avenidas vazias. Uma criança atravessa a quadra da Portela com apito na boca.
Tudo é silêncio e solidão.
O Carnaval está morto.
Nas ruas do Recife, o Galo da Madrugada não sai e nem sequer uma sombrinha de frevo ameaça o sol.
As ladeiras de Olinda são retiros espirituais. Nada de som dos clarins de Momo.
O povo não aclama, não ferve.
Morto o Carnaval.
Tremo. O cenário no sambódromo é o deserto de Mad Max, quando Mel Gibson nem sonhava ser Cristo.
Arames farpados, trincheiras, tempestades, o assobio cortante do vento nas ruas desertas de Salvador.
Pichações como “Carlinhos Brown vive” e “Beto Jamaica voltará” são de partir o coração, soteropolitano ou não.
A Praça Castro Alves parece um verão branco e quente no filme Nosso lar.
Estou suando.
E agora? Tudo terá de começar mesmo em janeiro? Como na Dinamarca? Assim como era no princípio, agora e sempre, e por todos os séculos dos séculos, amém? Meu Deus, é o fim, é o fim. Acabou-se o Brasil.
Sobrará pelo menos meu Ceará, o Clube do Treze Campestre das inocentes lolós, aquele 82 ao som de Pernambuco eu te quero/ não me deixes maluco?
Nessa hora, o apito do menino da Portela liberta estridente pio de coruja rasgando o sonho em dois lúgubres abadás.
Contudo, da mais profunda Paraíba, o alegríssimo Augusto dos Anjos alivia o tom: “Qualquer festa em que Momo se intrometa/ Brônzeo, quebrando o ramerrão frequente,/ Possui, possui incontestavelmente / Necessidade duma borboleta”.
Em 1894, as autoridades viram necessidade não de esvoaçantes lepidópteras, mas de dura lei proibindo o Carnaval. Pode? Machado de Assis voou em cima, com não-sei-quantas Capitus fervendo: “É crença minha que, no dia em que deus Momo for de todo exilado deste mundo, o mundo acaba”.
Como não se pode acabar com o Carnaval sem acabar com a quaresma, e isso significa fechar o Mercado do Peixe em Juazeiro do Norte, Jesus terminou por salvar Momo.
Melhor assim: se a lei pega, seria um pesadelo dentro do pesadelo: como iríamos ler Carnaval, de Manuel Bandeira? O país do Carnaval, de Jorge Amado? E a peça Orfeu da Conceição, de Vinicius? É, a literatura seria uma quarta-feira ingrata.
Graciliano Ramos não concorda. Tem o direito. “Estamos livres dos truculentos cordões a vociferar quadrinhas sem pé nem cabeça”, disse, atacando os grupos psiricos, parangolés, sangalos, timbaladas, chicabanas e, vejam só, seeways do tempo dele. “Até aí a índole nacional se revela – juntar palavras sem sentido”.
Nessa hora, o Bruxo entrou pela nuvem do comercial da Caixa e Graciliano apertou mais ainda: “Se a coisa é para fazer tolices, fazei tolices, amigos, quebrai a louça, derramai os copos, põe uma barba de espanador [ele não disse onde] e sai pela rua a dar vivas à República”.
Angústia. Por ele, estava morto e enterrado o Carnaval.
“A alegria é a alma da vida”, gritou Machado, mas Graciliano nem-nem.
Eu já estava de pé.
Que deem seus pulinhos, que brinquem no ar, douradas borboletas.
“Se não der o peixe, pelo menos deixe a pessoa pular, se alegrar”, me diria dona Idelzuíte, no box 30 do mercado, sorrindo e embrulhando o robalo.
É isso: a alegria sempre vale o peixe.
Tenho este pesadelo todos os anos.
As avenidas vazias. Uma criança atravessa a quadra da Portela com apito na boca.
Tudo é silêncio e solidão.
O Carnaval está morto.
Nas ruas do Recife, o Galo da Madrugada não sai e nem sequer uma sombrinha de frevo ameaça o sol.
As ladeiras de Olinda são retiros espirituais. Nada de som dos clarins de Momo.
O povo não aclama, não ferve.
Morto o Carnaval.
Tremo. O cenário no sambódromo é o deserto de Mad Max, quando Mel Gibson nem sonhava ser Cristo.
Arames farpados, trincheiras, tempestades, o assobio cortante do vento nas ruas desertas de Salvador.
Pichações como “Carlinhos Brown vive” e “Beto Jamaica voltará” são de partir o coração, soteropolitano ou não.
A Praça Castro Alves parece um verão branco e quente no filme Nosso lar.
Estou suando.
E agora? Tudo terá de começar mesmo em janeiro? Como na Dinamarca? Assim como era no princípio, agora e sempre, e por todos os séculos dos séculos, amém? Meu Deus, é o fim, é o fim. Acabou-se o Brasil.
Sobrará pelo menos meu Ceará, o Clube do Treze Campestre das inocentes lolós, aquele 82 ao som de Pernambuco eu te quero/ não me deixes maluco?
Nessa hora, o apito do menino da Portela liberta estridente pio de coruja rasgando o sonho em dois lúgubres abadás.
Contudo, da mais profunda Paraíba, o alegríssimo Augusto dos Anjos alivia o tom: “Qualquer festa em que Momo se intrometa/ Brônzeo, quebrando o ramerrão frequente,/ Possui, possui incontestavelmente / Necessidade duma borboleta”.
Em 1894, as autoridades viram necessidade não de esvoaçantes lepidópteras, mas de dura lei proibindo o Carnaval. Pode? Machado de Assis voou em cima, com não-sei-quantas Capitus fervendo: “É crença minha que, no dia em que deus Momo for de todo exilado deste mundo, o mundo acaba”.
Como não se pode acabar com o Carnaval sem acabar com a quaresma, e isso significa fechar o Mercado do Peixe em Juazeiro do Norte, Jesus terminou por salvar Momo.
Melhor assim: se a lei pega, seria um pesadelo dentro do pesadelo: como iríamos ler Carnaval, de Manuel Bandeira? O país do Carnaval, de Jorge Amado? E a peça Orfeu da Conceição, de Vinicius? É, a literatura seria uma quarta-feira ingrata.
Graciliano Ramos não concorda. Tem o direito. “Estamos livres dos truculentos cordões a vociferar quadrinhas sem pé nem cabeça”, disse, atacando os grupos psiricos, parangolés, sangalos, timbaladas, chicabanas e, vejam só, seeways do tempo dele. “Até aí a índole nacional se revela – juntar palavras sem sentido”.
Nessa hora, o Bruxo entrou pela nuvem do comercial da Caixa e Graciliano apertou mais ainda: “Se a coisa é para fazer tolices, fazei tolices, amigos, quebrai a louça, derramai os copos, põe uma barba de espanador [ele não disse onde] e sai pela rua a dar vivas à República”.
Angústia. Por ele, estava morto e enterrado o Carnaval.
“A alegria é a alma da vida”, gritou Machado, mas Graciliano nem-nem.
Eu já estava de pé.
Que deem seus pulinhos, que brinquem no ar, douradas borboletas.
“Se não der o peixe, pelo menos deixe a pessoa pular, se alegrar”, me diria dona Idelzuíte, no box 30 do mercado, sorrindo e embrulhando o robalo.
É isso: a alegria sempre vale o peixe.
http://www.revistadacultura.com.br/revistadacultura/detalhe/14-02-06/O_mundo_sem_momo.aspx
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