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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Fortaleza não é Vancouver

Pra começar bem o mês de Fevereiro, crônica de Iana Soares, diretamente de Barcelona para OPOVO

por Iana Soares

Em 1982, ao ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, Gabriel Garcia Márquez fez um discurso que sempre me emociona. Destaco o trecho: “é compreensível que insistam (os europeus) em nos (aos latino-americanos) medir com a mesma régua que medem a eles próprios, sem lembrar que os estragos da vida não são iguais para todos, e que a busca da identidade própria é tão árdua e sangrenta para nós como foi para eles. A interpretação de nossa realidade com esquemas alheios só contribui a nos fazer cada vez mais desconhecidos, cada vez menos livres, cada vez mais solitários”.

Voltei ao querido colombiano errante porque, na última semana, li absurdos espalhados no facebook. Um usuário publicou uma foto denunciando um suposto “ato de vandalismo” em algumas das bicicletas compartilhadas. Na legenda, dizia: “fico pensando que ainda vamos demorar muito para ser um povo civilizado, se é que iremos ser um dia”. A imagem obteve mais de 2440 compartilhamentos. Aos que não usam facebook: isso é muito. A mensagem mais repetida era “eu tinha certeza que isso não daria certo, pois o povo não tem educação”. A autora emendava com a explicação de como a vida em Vancouver é incrível e impossível de ser experimentada aqui.

No entanto, segundo matéria publicada no O POVO, no dia 28 de janeiro, as bicicletas apenas passavam por uma manutenção de rotina, já que as 150 unidades fazem mais de 900 viagens diárias. Podia comentar sobre a irresponsabilidade de compartilhar informações antes de checar, mas queria que você, leitor, voltasse ao parágrafo escrito por Gabo. Em vez de acreditar em iniciativas urgentes e continuar a cobrar do poder público a execução de políticas que melhorem e viabilizem a existência de uma vida coletiva na cidade, tem gente que mobiliza energia para aplaudir o próximo fracasso. Tem sido difícil falar de esperança, mas muitos fazem, da desgraça, uma rotina. Sadicamente confirmam sua mesquinhez, jogando-a para a cidade.

Fortaleza não pode ser Fortaleza enquanto quiser ser Vancouver. Uma sugestão aos amantes do “aqui-não-vai-dar-certo”: troquem as horas em frente ao computador pela leitura de “Cem anos de solidão”. “Diante da opressão, dos saques e do abandono, nossa resposta é a vida”, diz Gabo em outro trecho do discurso. Que nossas respostas venham em cima das bicicletas que se multiplicam sobre o asfalto alencarino.

http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2015/02/02/noticiasjornalopiniao,3386681/fortaleza-nao-e-vancouver.shtml

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