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terça-feira, 5 de agosto de 2014

Meu Castelo

Por Iana Soares

Há 29 anos, Antônio não aguentou o coração. Morreu aos 49, antes de me conhecer. Soube que gostava de vacas, estudou agronomia na UFC e lá encontrou Neuma, uma moça do Jaguaribe. Durante a faculdade, não podiam viajar porque isso não era coisa de mulher de família. No último ano, casaram e puderam ir para algum lugar onde devem ter sido felizes. Plantaram uma vida em Mombaça e outra em Fortaleza. Tiveram Jeovah e outros quatro. Jeovah conheceu Eliana, inventaram um amor e me tiveram (e outras duas fofurinhas incríveis). Entre o Soares e o Meireles, fincaram o Castelo, homenagem e sobrenome do Antônio, que foi meu avô sem ter sido.

Por ter ido embora um ano antes de eu nascer, o vô Castelo era uma foto na parede. Um retrato bonito, de queixo levantado, olhando para algum ponto logo atrás do fotógrafo. Talvez encarasse o tempo que jamais viveria. Recentemente, o Castelo veio me encontrar sem carta, bilhete ou aviso.

Fiz a edição de imagens do livro Arena Castelão, publicado pela Fundação Demócrito Rocha, há um mês. No lançamento, descobri que o Plácido Aderaldo Castelo era primo legítimo do meu avô. José Freire Castelo, filho do Castelão, costurou o parentesco quando fui lhe perguntar sobre o sobrenome, após ouvi-lo dizer que também era de Mombaça.

Na última semana, o jornalismo me levou até o alpendre de Raimundo Castelo Cidrão, em Marrecas, um distrito miúdo no sertão de Tauá. Sorri com a coincidência do sobrenome para depois me arrepiar com o parentesco: ele é filho de Laura Castelo, irmã de Anésia Castelo, mãe do meu vô Castelo. Primos legítimos. Com os pés pendurados fora da rede, me observou com os olhos já apertados do tanto que enxergaram em 88 anos e disse: “é, menina, você tem mesmo uma aparência dos Castelo”.

O mundo é imenso, mas o castelo de cada um sempre será maior, silencioso e entranhado no que arriscamos ser. Nesses tempos estranhos, de tristezas e decepções familiares, encontrei o abraço faltante no avô que já não está e nunca esteve. Talvez o perdão venha através de uma saudade desconhecida. Ou da esperança de que o passado seja mais um lugar de carinho e respeito do que de mágoas.

http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2014/08/04/noticiasjornalopiniao,3292402/meu-castelo.shtml

Um comentário:

Vólia Barreira disse...

Parabéns Iana, lindo e muito sensível o seu texto!