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quinta-feira, 23 de julho de 2015

Por que o Lamas? Uma declaração de amor sobre um lugar maior do que todos nós

Por Thales Machado

Aos que dizem que vou muito ao Lamas respondo: não há ser humano capaz de ter ido muito ao Lamas. Aos que franzem a testa e perguntam o porquê, ora pois, eu respondo. Cento e quarenta e um anos. Não há ser bípede vivente, tomador de chope ou de mate, ainda que bata ponto seis ou oito vezes por semana, capaz de ser exageradamente assíduo em um lugar com tamanha altivez temporal.

O Lamas é a alma, a gente é só o corpo, cada dia mais regado com chope não tão bem tirado, empanturrado com um filé á francesa (não sem antes um pastel). O corpo vai, o Lamas fica. Sempre foi assim. O Seedorf se achava maior que o Botafogo, o John Lennon em algum momento se achou maior que os Beatles e até o Lula se acha, e talvez seja, maior que o PT. Mas jamais conheci um cliente que se achasse maior que o Lamas. Se existe, não é cliente. Pode até ir muito, mas não merece tão nobre alcunha, nunca deve ter sido chamado pelo nome, nunca teve amor em seu colarinho.
Talvez venha daí a fama de que os garçons do Lamas são mal educados. Talvez de uma noção completamente errônea de que o cliente é maior que o bar. Alguns são, normal. Somos bem maiores do que a maioria dos estabelecimentos, que inclusive frequentamos, por aí. Triste é do ser humano que não se acha mais importante do que, sei lá, um Devassa no Leblon. Triste do bebum com menos personalidade que um Belmonte em São Conrado. Que procure a terapia aquele ser que se acha mais atraente do que uma caipisaquê no Astor. O que não dá é para o sujeito se achar mais atrevido que o Bar Luiz, mais esperto que a madrugada no Galeto Sats ou simplesmente mais importante que o Lamas. Tradição não se supera. Nem se tenta superar.

Quando o Lamas nasceu, Flamengo não era time, era só bairro. E nem o próprio Lamas ficava lá. Ficava no Largo do Machado que era só Largo, jamais poderia imaginar que se tornaria estação de metrô. Metrô era coisa tão do futuro quanto República, abolição da escravidão, fax, e-mail, Twitter ou Tinder. Dar check in no Lamas era coisa de maluco, afinal, check in só no aeroporto, e aeroporto, no Rio, só existiria quase SESSENTA anos depois da fundação do Lamas, em 1936, quando o Santos Dumont (que, pessoa, deve ter ido ao Lamas), foi inaugurado.

Por seis décadas, ninguém foi lá tomar um chope antes de um voo, pois não tinha voo, que na época tinha acento. Por sete, nenhum ser comentou lá, enquanto comia um milanesa, os horrores do nazismo, pois ou não tinha ocorrido ainda, ou o mundo não sabia, de novo ainda. Por oito, brasileirinhos encheram o pote lamentando nunca terem ganho um Mundial, com a ressalva que o bar é mais velho que a bola no Brasil e que a Copa do Mundo é uma ninfeta perto do filé à francesa. Por quase ONZE, (e aí percebam que quase onze décadas é mais que um século) ninguém falou mal do PT enquanto comia um profiterólis porque simplesmente não existia PT, como querem alguns para o hoje. O profiterólis, pelo contrário, ninguém nunca falou mal e segue lá, sem crise mundial que o abata, com uma calda de chocolate quente que derrete o coração até de quem pede a volta da ditadura, contam alguns.

O Lamas sabe o que é ditadura: a militar, a do Getúlio e a do Poder Moderador. Funcionou sob as regras das sete Constituições que o Brasil já teve. Viveu as diferenças entre o PT e o PSDB, viu ali de pertinho o suicídio de Getúlio, frequentador que, mesmo ele, sabia do seu tamanho perante o restaurante histórico. Teve que se matar para virar História sabendo que era incapaz de ser História como o Lamas é, simplesmente por nunca morrer desde 1874. “Fico na vida para ficar na História”, diria o Lamas, se falasse. De Dom Pedro a Dona Dilma, o Lamas segue, como um vampiro um pouco cansado, antes aguentando a madrugada toda, hoje “só” até as 3h em dias de semana e, com esforço, até 5h nas sextas e sábados. Todo dia depois das 19h tem pratos promocionais.

Sábado agora, quatro de abril, o Laminhas faz cento e quarenta e um anos. Eu, que comecei a beber lá quando já tinham se passado CATORZE décadas, almoçarei, jantarei e se bobear volto para um chopinho no final no dia em que o Lamas debutará em sua décima quinta década de vida. E não venham dizer que eu vou lá demais. Repito: não há ser humano capaz.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

SIBA

Via Bruno Perdigão




MARCHA MACIA

Acorda amigo, o boato era verdade
A nova ordem tomou conta da cidade
É bom pensar em dar no pé quem não se agrade
Sendo você eu me acomodaria...
Não custa nada se ajustar às condições
Estes senhores devem ter suas razões
Além do mais eles comandam multidões
Quem para o passo de uma maioria?

Progrediremos todos juntos, muito em paz
Sempre esperando a vez na fila dos normais
Passar no caixa, voltar sempre, comprar mais
Que bom ser parte da maquinaria!
Teremos muros, grades, vidros e portões
Mais exigências nas especificações
Mais vigilância, muito menos excessões
Que lindo acordo de cidadania!

Sai!
A gente brinca, a gente dança
Corta e recorta, trança e retrança
A gente é pura­ponta­de­lança
Estrondo, Marcha Macia!

Vossa Excelência, nossas felicitações
É muito avanço, viva as instituições!
Melhor ainda com retorno de milhões
Meu deus do céu, quem é que não queria?
Só um detalhe quase insignificante:
Embora o plano seja muito edificante
Tem sempre a chance de alguma Estrela irritante
Amanhecer irradiando dia!

Sai!
A gente brinca, a gente dança
Corta e recorta, trança e retrança
A gente é pura­ponta­de­lança
Estrondo, Marcha Macia!

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Ser contra cotas raciais é concordar com a perpetuação do racismo

Via Mateus Perdigão

Por Djamila Ribeiro

É comum algumas pessoas não entenderem por que afirmamos que pessoas contra cotas raciais são racistas. Há quem pense que racismo diz respeito somente a ofensas, injúrias e não percebem o quanto vai muito mais além: se trata de um sistema de opressão que privilegia um grupo racial em detrimento de outro.

No Brasil, foram 354 anos de escravidão, população negra escravizada trabalhando para enriquecer a branca. No pós-abolição, no processo de industrialização do Brasil, incentivou-se a vinda dos imigrantes europeus pra cá. Muitos inclusive receberam terras do Estado brasileiro, ou seja, foram beneficiados por ação afirmativa para iniciarem suas vidas por aqui. Tiveram acesso a trabalho remunerado e, se hoje a maioria de seus descendentes desfrutam de uma realidade confortável foi porque foram ajudados pelo governo pra isso.

Em contrapartida, para a população negra não se criou mecanismos de inclusão. Das senzalas fomos para as favelas. Se hoje a maioria da população negra é pobre é por conta dessa herança escravocrata e por falta da criação desses mecanismos. É necessário conhecer a história deste País para entender porque certas medidas, como ações afirmativas, são justas e necessárias. Elas precisam existir justamente porque a sociedade é excludente e injusta para com a população negra.

Cota é uma modalidade de ação afirmativa que visa diminuir as distâncias, no caso das universidades, na educação superior. Mesmo sendo a maioria no Brasil, a população negra é muito pequena na academia. E por quê? Porque o racismo institucional impede a mobilidade social e o acesso da população negra a esses espaços.

Pessoas brancas são privilegiadas e beneficiadas pelo racismo. Um garoto branco de classe média, que estudou em boas escolas, come bem, aprende outros idiomas, tem lazer e passa em uma universidade pública, pode se achar o máximo das galáxias, mas na verdade o que ocorre é que ele teve oportunidades na vida pra isso. Qual mérito ele teve? Nenhum. O que ele teve foi condições pra isso.

Um garoto negro pobre, que estuda nas péssimas escolas públicas, come mal, não tem acesso a lazer, para passar em uma universidade terá muito mais dificuldades para isso porque não teve as mesmas
oportunidades. Cota não diz respeito a capacidade, capacidade sabemos que temos; cota diz respeito a oportunidades. São elas que não são as mesmas.

Se o Estado brasileiro racista priva a população negra dessas oportunidades é dever desse mesmo Estado construir mecanismos para mudar isso. O movimento negro sempre reivindicou cotas juntamente com a melhoria do ensino de base. Só que, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), demoraria por volta de 50 anos para que a educação de base fosse de qualidade. Quantas mais gerações condenaríamos sem as cotas?

Cotas e investimento no ensino de base não são tópicos excludentes, ao contrário, devem acontecer concomitantemente. Cotas não são pensão da previdência, são medidas emergenciais temporárias que devem existir até as distâncias diminuírem.

Minha avó materna nascida na década de 20 teve de começar a trabalhar aos 9 anos de idade como empregada doméstica. O Estado brasileiro não garantiu seu direito à educação. Ela contava que a patroa colocava um banquinho para que ela alcançasse a pia para lavar as louças enquanto os filhos da patroa estudavam, viajavam, comiam bem.

Joselia Oliveira, atleta de levantamento de peso, possui uma história similar. Trabalhou como empregada, cuidava dos filhos da patroa enquanto os mesmo faziam balé, inglês. “Sou do interior do Rio de Janeiro, aos 6 anos já subia no banquinho para lavar louças e cuidava de crianças menores. Algumas dessas famílias me trouxeram para o Rio de Janeiro com a promessa de cuidarem de mim, mas eu só trabalhava, não recebia salários e ganhava roupas e brinquedos usados. Muitas meninas do meu bairro tiveram o mesmo destino. Só aos 14 anos fui entendendo que aquilo era exploração, mas recuperar tanto tempo perdido não é fácil. Por isso, cotas são necessárias”, diz.

Joselia nasceu em 1978 e ainda enfrentou a mesma realidade de minha avó, o que na verdade é a realidade de muitas mulheres negras. Infelizmente, essa ainda é a regra. E, para se pensar políticas públicas, devemos nos ater à regra e não a exceções. Utilizar o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa como exemplo, quando a maioria da população negra está na pobreza, é além de um argumento falho, ignorância e má fé.

Logo, ser contra uma medida que visa combater essas distâncias criadas pelo racismo é ser a favor da perpetuação do racismo. E se você se coloca contra, isso te torna o quê?

Pesquisem sobre o conceito de equidade aristotélica (sim, de Aristóteles, o filósofo grego): as ações afirmativas também se baseiam nele, que basicamente significa tratar desigualmente os desiguais para se promover a efetiva igualdade. Ou seja, se duas pessoas vivem em situações desiguais, não se pode aplicar o conceito de igualdade abstrata porque concretamente é a desigualdade que se verifica. Aquela pessoa que está em situação de desigualdade precisa de mecanismos que visem o acesso dela à cidadania.

Em relação a pessoas brancas pobres, existem as cotas para quem é oriundo de escolas públicas, as cotas sociais. Mas as raciais também são necessárias porque pessoas brancas, por mais que pobres, possuem mais possibilidades de mobilidade social, uma vez que não enfrentam o racismo.

Façam um passeio por um shopping center e vejam a cor dos vendedores e vendedoras, das gerentes. Negros são os mais pobres entre os pobres e só a cota social não nos atinge. Beneficiaria somente pessoas brancas.

Cotas raciais porque esse País possui uma dívida histórica para com a população negra. Dizer-se anti-racista e ser contra as cotas é, no mínimo, uma contradição cognitiva e, no máximo, racismo.

Ou se lida com isso ou se repensa e questiona os próprios privilégios. Fazer-se de vítima é reclamar de exclusões que nunca passou.

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/ser-contra-cotas-raciais-e-concordar-com-a-perpetuacao-do-racismo-1359.html

Passo Torto

quinta-feira, 2 de julho de 2015

CHATO

Por Henrique Araújo

A vida está chata, mas reclamar o tempo inteiro é muito chato. Mas que está chata, está. Está chato aderir a qualquer causa, está chato recusar. Está chato ficar calado, está chato falar. Está chato gostar de sertanejo, está chato desgostar. Até o Faustão, que já era especialmente chato, ficou ainda mais depois que a Marieta Severo – que é tudo, menos chata – disse, para espanto do apresentador, que o Brasil não era tão ruim assim. E então um exército de chatos implacáveis surgiu galopando na colina para bradar com a força descomunal da estupidez que a atriz é uma tremenda... chata. Pobre Marieta, pobres de nós.

Na política, então, nem se fala. A situação é chata, a oposição também. E as entrevistas do Jô, que já eram chatas havia uns dez anos, ficaram ainda mais. Não pela Dilma, mas porque ninguém tem mais o direito de não xingar. Xingam-se médicos cubanos, travestis e adolescentes adeptas do candomblé com uma naturalidade doentia. Xingam-se os gays e os infratores. Talvez a culpa seja do futebol. Com essa seleção chata e um técnico mais chato ainda, xingar virou o novo esporte nacional. Das arenas luxuosas, as vaias e palavrões transferiram-se para as varandas. O Brasil, que já foi o país do futuro, hoje é um grande varandão.

Quando foi que viver se tornou essa sucessão de chatices? Lembro que, ainda no ano passado, o cenário era um pouco diferente. As pessoas conseguiam se suportar numa boa. De lá pra cá, algo se degenerou. Fui dormir num país que exige a felicidade 24 horas por dia a acordei noutro cuja norma é parecer irrevogavelmente chato. Houve um tempo em que o chato era só chato e pronto, não tinha mais discussão, apenas um sorriso amarelo ou um silêncio constrangedor. Esse era o chato clássico. Até nascer o chato 2.0, que, não satisfeito com a própria chatice, trata de amplificá-la, estendendo o alcance e a durabilidade da própria intolerância.

Dizem que o culpado não é o Dunga, mas a bolha, que cria a sensação de falar com as paredes. Ou seja, já éramos chatos, apenas não interagíamos tanto. Por obra das redes sociais, que conecta uma boçalidade com outra, hoje o bater das asas de uma borboleta no Facebook provoca um tsunami de ódio no Twitter e vice-versa. Estamos irremediavelmente conectados – e isso às vezes é muito chato.

Num passado recente, o ciclo de vida de uma discussão era limitado, e não existia essa figura já institucionalizada de a “polêmica da semana”. Ninguém vive mais sem a polêmica da semana. Quando não há uma, é preciso fabricá-la. Na era da desconexão, qualquer cizânia morria em menos de um mês para reaparecer, fantasmagoricamente, na retrospectiva do final do ano. Hoje, a chatice é uma espiral que se retroalimenta, e o ódio da semana passada desfilará na sua tela de amanhã como um morto-vivo requentado.

Detesto sertanejo universitário – lá vem o chato. Odeio Zeca Camargo – chato de esquerda. Já curti muito Zezé di Camargo & Luciano e até canto Evidências no karaokê– chato nostálgico. Chorei a morte do Cristiano Araújo – chato fingido. Sertanejo é a música do povo – chato populista. Sertanejo é lixo da indústria cultural – chato elitista. Não tenho qualquer interesse nem em sertanejo nem nesse debate – chato indiferente. Vejo razão nos dois lados – chato eclético.

Não há como escapar. Só espero que essa onda passe. Mas esperar nunca foi tão chato.

http://www.opovo.com.br/app/colunas/henriquearaujo/2015/07/02/noticiashenriquearaujo,3463389/chato.shtml

Chatos em Desfile - Jota Canalha


 Lembrei do Jota Canalha após a crônica "Chato" de Henrique Araújo, no O POVO de hoje.


Começaria tudo outra vez


Por Marcos Sampaio

Logo na primeira cena do documentário Começaria tudo outra vez, Cauby Peixoto aparece com um semblante entre o cansaço e a mansidão. O compasso da respiração entrega que estar ali no palco não é mais um exercício simples para o cantor de mais de 80 anos. No entanto, ele não dispensa o paletó de lantejoulas brilhantes, a peruca encaracolada e a maquiagem discreta que já fazem parte do seu personagem.

Ecoando os versos de Caetano Veloso (“Minha voz, minha vida, meu segredo e minha revelação”), a cena que abre o filme de Nelson Hoineff resume o personagem que vai ser descrito nos próximos 90 minutos. Com depoimentos e imagens de arquivo, Começaria tudo outra vez, apresenta o retrato de um homem que só quer existir sob as luzes do palco, mantém sua agenda de shows e acaba de lançar um tributo ao ídolo Nat King Cole.

Hoineff perseguiu o cantor durante um bom tempo. Foram dois anos de aproximação e mais quatro de filmagem. Com isso, o diretor conseguiu extrair momentos saborosos do intérprete que imortalizou Conceição. Um dos mais chamativos é ouvir Cauby falando sobre experiências sexuais com outros garotos na infância. “Chegou um momento em que eu o coloquei muito a vontade. Nós estávamos falando sobre os ternos, deitados sobre a cama dele. Já tinha virado uma conversa de velhos amigos, com zero constrangimento”, lembra Hoineff, por telefone, revelando que conseguiu a fala driblando o olhar sempre atento da empresária e cuidadora Nancy Lara, que está sempre ao lado do cantor.

Apesar da sexualidade do homem que foi sex symbol nos anos 1950 ser motivo de discórdia desde então, Hoineff nega ser este o ponto alto de Começaria tudo outra vez. “Acho que o importante não é ser homossexual ou não. Nos anos 1950 já seria uma tolice, imagine hoje. Em represália, ele nunca falou disso. No entanto, o filme permitiu que, pela primeira vez, ele falasse nisso”, defende o diretor que optou por não contar uma história cronológica ou didática. Seguindo os passos do cantor por bastidores e em casa, o filme apresenta pistas sobre as causas e efeitos de uma carreira duradoura e ainda em plena atividade.

Depois de documentários retratando figuras como Paulo Francis (Caro, Francis), e Chacrinha (Alô, alô, Terezinha!), Hoineff sabe o que buscar nos seus personagens. “O que me interessa é a veia transgressora. Logo, não são documentários, mas filmes que se utilizam das pessoas para falar de transgressão”, define o diretor que encontrou nas dualidades de Cauby muito das suas transgressões. Entre o brega e o chique, o masculino e o feminino, o dono de uma das vozes mais admiradas do Brasil é também um homem calado e discreto, que, apesar de viver cercado pelo público, tem poucos amigos. “O que é grandioso nele é o olhar e eu vou buscá-lo ali. É isso que a gente tem que descobrir”, sugere.

SERVIÇO

Filme Cauby -Começaria tudo outra vezQuando: sexta,3, às 18h30 e domingo, 5, às 10h30
Onde: Cineteatro São Luiz
Ingressos: R$ 6 (inteira) e R$ 3 (meia)


http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2015/07/02/noticiasjornalvidaearte,3463392/bastidores-em-cena.shtml

Quem lucra com uma cidade sem memória?

Por Carlos Mazza

Centro de Fortaleza, quarta-feira, 17 de fevereiro de 1892. Após horas de cerco na Praça dos Leões, o governador Clarindo de Queiroz se rende às forças fiéis a Floriano Peixoto. Sobre a ruína da hoje restaurada estátua do General Tibúrcio, Clarindo encerra batalha que deixou 13 mortos e um Palácio da Luz crivado de balas. Estava deposto o Governo deodorista. A 1ª Constituição estadual cairia logo após.

1884. Aos 22 anos, Francisca Clotilde se torna a 1ª mulher a lecionar na prestigiada Escola Normal, no Centro. De raiz contestadora e pena afiada, a professora desafia um universo machista e, usando pseudônimos de homens, publica romances controversos – sobre casamentos arranjados, mulheres divorciadas.

Praça José de Alencar, domingo, 21 de janeiro de 1912. Passeata contra Nogueira Acioly termina com duas crianças mortas, uma delas executada a sangue frio. 1921. Placa da farmácia Rodolfo Teófilo, na hoje Barão do Rio Branco, é espatifada diante de multidão apreensiva. 1974. O Castelo do Plácido, um autêntico castelo medieval em plena Aldeota, é demolido para construção de um supermercado Romcy.

Em muitas cidades, turistas se acotovelariam em visitas guiadas para ouvir contos da batalha de Clarindo. Em outras, Francisca seria inspiração para meninas que têm sonhos maiores do que as expectativas impostas. Em outras, ainda, a mera possibilidade de derrubada de um casarão seria rechaçada. Mas não aqui.

Resta último parágrafo: sábado, 27 de junho de 2015. Casarão onde funcionava a antiga Promotoria da Saúde Pública, na Aldeota, é demolido. No lugar, será erguida vistosa torre comercial, com 20 pavimentos e quatro subsolos para estacionamento.

Diante desses e outros absurdos, é comum ouvir o coro de que “Fortaleza não tem memória”. Errado. Fortaleza tem memória. Mas tem também poder público omisso e um projeto de poder econômico que perdurou séculos baseado na supressão da memória. Do que adianta consciência diante de interesse maior?

Tombamentos e projetos de lei são caminhos. Resta pressionar. É preciso aprender não só a amar a Cidade, mas também a preservá-la - seja você um vereador da base aliada ou um desses que aplaudem atentados incendiários contra o Palácio do Bispo.

http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2015/07/02/noticiasjornalopiniao,3463534/quem-lucra-com-uma-cidade-sem-memoria.shtml

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Emicida - Boa Esperança



Boa esperança

Por mais que você corra irmão
Pra sua guerra vão nem se lixar
Esse é o xis da questão
Já viu eles chorar pela cor do orixá?
E os camburão o que são?
Negreiros a retraficar
Favela ainda é senzala jão
Bomba relógio prestes a estourar

O tempero do mar foi lágrima de preto
Papo reto, como esqueletos, de outro dialeto
Só desafeto, vida de inseto, imundo
Indenização? Fama de vagabundo
Nação sem teto, Angola, keto, congo, soweto
A cor de Eto'o, maioria nos gueto
Monstro sequestro, capta-tês, rapta

Violência se adapta, um dia ela volta pu cêis.
Tipo campos de concentração, prantos em vão
Quis vida digna, estigma, indignação
O trabalho liberta, ou não
Com essa frase quase que os nazi, varre os judeu – extinção
Depressão no convés
Há quanto tempo nóiz se fode e tem que rir depois
Pique jack-ass, mistério tipo lago ness, sério és,
Tema da faculdade em que não pode por os pés
Vocês sabem, eu sei
Que até bin laden é made in usa
Tempo doido onde a KKK, veste obey ( é quente memo )
Pode olhar num falei?
Nessa equação, chata, policia mata – Plow!
Médico salva? Não! Por que? Cor de ladrão
Desacato invenção, maldosa intenção,
cabulosa inversão, jornal distorção
meu sangue na mão dos radical cristão
transcendental questão, não choca opinião
silêncio e cara no chão, conhece?
Perseguição se esquece? Tanta agressão enlouquece
Vence o datena, com luto e audiência
Cura baixa escolaridade com auto de resistência
Pois na era cyber, ceis vai ler,
Os livro que roubou nosso passado igual alzheimer, e vai ver
Que eu faço igual burkina faso
Nóiz quer ser dono do circo
Cansamos da vida de palhaço
É tipo moisés e os hebreus, pés no breu
Onde o inimigo é quem decide quando ofendeu
(cê é loco meu)
no veneno igual água e sódio
vai vendo sem custódio,
aguarde cenas no próximo episódio
cês diz que nosso pau é grande
espera até ver nosso ódio

Por mais que você corra irmão
Pra sua guerra vão nem se lixar
Esse é o xis da questão
Já viu eles chorar pela cor do orixá?
E os camburão o que são?
Negreiros a retraficar
Favela ainda é senzala jão
Bomba relógio prestes a estourar

Xeque-Mate - Edu Krieger



XEQUE-MATE (Edu Krieger)

Diz aí o que é pior
Legalizar o aborto
Ou saber que aquele menor
Pela mão do sistema também vai ser morto
Eis aí o xeque-mate
Legalizar o entorpecente
Ou saber que o tráfico abate
A cada minuto mais um inocente

Quando ela engravidou
Não tinha a menor condição
Pois aquele pequeno embrião
Jamais poderia ganhar seu amor
Ela então procurou o doutor
Mas a clínica é clandestina
A polícia invadiu dando show
“Você não é mãe, você é assassina”

E o apresentador
Do programa da televisão
Aplaudiu a polícia e gritou
“Quem faz um aborto é filho do cão”
O recém-deputado-pastor
Que foi recorde na votação
Disse ao povo que Deus dá a vida
E mãe homicida não ganha perdão

E nasceu mais um coitado
Apanhando da mãe todo dia
E a mulher toda hora dizia
“Se fosse por mim eu teria abortado”
O moleque cresceu sem afeto
Do seu pai nunca teve notícia
Desprezado desde que era feto
Com medo da mãe e também da polícia

Quando fez quatorze anos
Já sabia o que é ser vida louca
E fazia um monte de planos
Queria um dia ser dono da boca
Quando a guerra sangrenta estourou
Contra a forte facção rival
Uma bala perdida encontrou
Um pacato senhor que olhava o jornal

Nunca usou droga nenhuma
Era exemplo de pai de família
Mas a bala de quem engatilha
Atinge também quem não cheira nem fuma
A polícia cercou a favela
Foi porrada pra tudo que é lado
Gente de bem que também mora nela
Acaba pagando por ser favelado

Quatro mortos, três feridos
Novo saldo da guerra do pó
A polícia caçando bandidos
Às vezes atira sem mira e sem dó
Mas a bala não é de borracha
Nem é bomba de efeito moral
E ainda tem muita gente que acha
Que nesse país todo mundo é igual

E aquele adolescente
Que a mãe não queria gerar
Exibia o fuzil HK
E atirava em tudo que via na frente
De repente foi surpreendido
Por um tiro calibre 40
Seu esquálido corpo caído
Entrou num processo de síncope lenta

E o apresentador
Do programa da televisão
Aplaudiu a polícia e gritou
“Quem é traficante é filho do cão”
Quando a mãe chegou perto pra ver
O desfecho do filho bandido
Ouviu dele antes de morrer:
“Eu preferia jamais ter nascido”

Diz aí o que é pior
Legalizar o aborto
Ou saber que aquele menor
Pela mão do sistema também vai ser morto
Eis aí o xeque-mate
Legalizar o entorpecente
Ou saber que o tráfico abate
A cada minuto mais um inocente

Baião de Dois - Keiko Ikuta