Por Henrique Araújo
A vida está chata, mas reclamar o tempo inteiro é muito chato. Mas que está chata, está. Está chato aderir a qualquer causa, está chato recusar. Está chato ficar calado, está chato falar. Está chato gostar de sertanejo, está chato desgostar. Até o Faustão, que já era especialmente chato, ficou ainda mais depois que a Marieta Severo – que é tudo, menos chata – disse, para espanto do apresentador, que o Brasil não era tão ruim assim. E então um exército de chatos implacáveis surgiu galopando na colina para bradar com a força descomunal da estupidez que a atriz é uma tremenda... chata. Pobre Marieta, pobres de nós.
Na política, então, nem se fala. A situação é chata, a oposição também. E as entrevistas do Jô, que já eram chatas havia uns dez anos, ficaram ainda mais. Não pela Dilma, mas porque ninguém tem mais o direito de não xingar. Xingam-se médicos cubanos, travestis e adolescentes adeptas do candomblé com uma naturalidade doentia. Xingam-se os gays e os infratores. Talvez a culpa seja do futebol. Com essa seleção chata e um técnico mais chato ainda, xingar virou o novo esporte nacional. Das arenas luxuosas, as vaias e palavrões transferiram-se para as varandas. O Brasil, que já foi o país do futuro, hoje é um grande varandão.
Quando foi que viver se tornou essa sucessão de chatices? Lembro que, ainda no ano passado, o cenário era um pouco diferente. As pessoas conseguiam se suportar numa boa. De lá pra cá, algo se degenerou. Fui dormir num país que exige a felicidade 24 horas por dia a acordei noutro cuja norma é parecer irrevogavelmente chato. Houve um tempo em que o chato era só chato e pronto, não tinha mais discussão, apenas um sorriso amarelo ou um silêncio constrangedor. Esse era o chato clássico. Até nascer o chato 2.0, que, não satisfeito com a própria chatice, trata de amplificá-la, estendendo o alcance e a durabilidade da própria intolerância.
Dizem que o culpado não é o Dunga, mas a bolha, que cria a sensação de falar com as paredes. Ou seja, já éramos chatos, apenas não interagíamos tanto. Por obra das redes sociais, que conecta uma boçalidade com outra, hoje o bater das asas de uma borboleta no Facebook provoca um tsunami de ódio no Twitter e vice-versa. Estamos irremediavelmente conectados – e isso às vezes é muito chato.
Num passado recente, o ciclo de vida de uma discussão era limitado, e não existia essa figura já institucionalizada de a “polêmica da semana”. Ninguém vive mais sem a polêmica da semana. Quando não há uma, é preciso fabricá-la. Na era da desconexão, qualquer cizânia morria em menos de um mês para reaparecer, fantasmagoricamente, na retrospectiva do final do ano. Hoje, a chatice é uma espiral que se retroalimenta, e o ódio da semana passada desfilará na sua tela de amanhã como um morto-vivo requentado.
Detesto sertanejo universitário – lá vem o chato. Odeio Zeca Camargo – chato de esquerda. Já curti muito Zezé di Camargo & Luciano e até canto Evidências no karaokê– chato nostálgico. Chorei a morte do Cristiano Araújo – chato fingido. Sertanejo é a música do povo – chato populista. Sertanejo é lixo da indústria cultural – chato elitista. Não tenho qualquer interesse nem em sertanejo nem nesse debate – chato indiferente. Vejo razão nos dois lados – chato eclético.
Não há como escapar. Só espero que essa onda passe. Mas esperar nunca foi tão chato.
http://www.opovo.com.br/app/colunas/henriquearaujo/2015/07/02/noticiashenriquearaujo,3463389/chato.shtml
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