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quinta-feira, 23 de julho de 2015

Por que o Lamas? Uma declaração de amor sobre um lugar maior do que todos nós

Por Thales Machado

Aos que dizem que vou muito ao Lamas respondo: não há ser humano capaz de ter ido muito ao Lamas. Aos que franzem a testa e perguntam o porquê, ora pois, eu respondo. Cento e quarenta e um anos. Não há ser bípede vivente, tomador de chope ou de mate, ainda que bata ponto seis ou oito vezes por semana, capaz de ser exageradamente assíduo em um lugar com tamanha altivez temporal.

O Lamas é a alma, a gente é só o corpo, cada dia mais regado com chope não tão bem tirado, empanturrado com um filé á francesa (não sem antes um pastel). O corpo vai, o Lamas fica. Sempre foi assim. O Seedorf se achava maior que o Botafogo, o John Lennon em algum momento se achou maior que os Beatles e até o Lula se acha, e talvez seja, maior que o PT. Mas jamais conheci um cliente que se achasse maior que o Lamas. Se existe, não é cliente. Pode até ir muito, mas não merece tão nobre alcunha, nunca deve ter sido chamado pelo nome, nunca teve amor em seu colarinho.
Talvez venha daí a fama de que os garçons do Lamas são mal educados. Talvez de uma noção completamente errônea de que o cliente é maior que o bar. Alguns são, normal. Somos bem maiores do que a maioria dos estabelecimentos, que inclusive frequentamos, por aí. Triste é do ser humano que não se acha mais importante do que, sei lá, um Devassa no Leblon. Triste do bebum com menos personalidade que um Belmonte em São Conrado. Que procure a terapia aquele ser que se acha mais atraente do que uma caipisaquê no Astor. O que não dá é para o sujeito se achar mais atrevido que o Bar Luiz, mais esperto que a madrugada no Galeto Sats ou simplesmente mais importante que o Lamas. Tradição não se supera. Nem se tenta superar.

Quando o Lamas nasceu, Flamengo não era time, era só bairro. E nem o próprio Lamas ficava lá. Ficava no Largo do Machado que era só Largo, jamais poderia imaginar que se tornaria estação de metrô. Metrô era coisa tão do futuro quanto República, abolição da escravidão, fax, e-mail, Twitter ou Tinder. Dar check in no Lamas era coisa de maluco, afinal, check in só no aeroporto, e aeroporto, no Rio, só existiria quase SESSENTA anos depois da fundação do Lamas, em 1936, quando o Santos Dumont (que, pessoa, deve ter ido ao Lamas), foi inaugurado.

Por seis décadas, ninguém foi lá tomar um chope antes de um voo, pois não tinha voo, que na época tinha acento. Por sete, nenhum ser comentou lá, enquanto comia um milanesa, os horrores do nazismo, pois ou não tinha ocorrido ainda, ou o mundo não sabia, de novo ainda. Por oito, brasileirinhos encheram o pote lamentando nunca terem ganho um Mundial, com a ressalva que o bar é mais velho que a bola no Brasil e que a Copa do Mundo é uma ninfeta perto do filé à francesa. Por quase ONZE, (e aí percebam que quase onze décadas é mais que um século) ninguém falou mal do PT enquanto comia um profiterólis porque simplesmente não existia PT, como querem alguns para o hoje. O profiterólis, pelo contrário, ninguém nunca falou mal e segue lá, sem crise mundial que o abata, com uma calda de chocolate quente que derrete o coração até de quem pede a volta da ditadura, contam alguns.

O Lamas sabe o que é ditadura: a militar, a do Getúlio e a do Poder Moderador. Funcionou sob as regras das sete Constituições que o Brasil já teve. Viveu as diferenças entre o PT e o PSDB, viu ali de pertinho o suicídio de Getúlio, frequentador que, mesmo ele, sabia do seu tamanho perante o restaurante histórico. Teve que se matar para virar História sabendo que era incapaz de ser História como o Lamas é, simplesmente por nunca morrer desde 1874. “Fico na vida para ficar na História”, diria o Lamas, se falasse. De Dom Pedro a Dona Dilma, o Lamas segue, como um vampiro um pouco cansado, antes aguentando a madrugada toda, hoje “só” até as 3h em dias de semana e, com esforço, até 5h nas sextas e sábados. Todo dia depois das 19h tem pratos promocionais.

Sábado agora, quatro de abril, o Laminhas faz cento e quarenta e um anos. Eu, que comecei a beber lá quando já tinham se passado CATORZE décadas, almoçarei, jantarei e se bobear volto para um chopinho no final no dia em que o Lamas debutará em sua décima quinta década de vida. E não venham dizer que eu vou lá demais. Repito: não há ser humano capaz.

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