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terça-feira, 23 de agosto de 2016

Isaquias Queiroz, um mito histórico


Na edição do Rio de Janeiro do Jogos Olímpicos dois atletas foram reiteradamente aclamados como mitos do esporte, o nadador estadunidense Michael Phelps (ganhador de 28 medalhas em 4 olimpíadas) e o jamaicano Usain Bolt (primeiro tricampeão olímpico das provas de velocidade do atletismo).
Mas o que um atleta precisa realizar para tornar-se um mito? Aliás, é possível classificar uma conquista esportiva como mítica? 
O mito, nos ensina a História, é, necessariamente, uma narrativa alegórica que busca nos ajudar a compreender a vida, mas sem compromisso com a verdade. Significa, então que os mitos são uma mentira? Pensemos...
Para Mircea Eliade, o mito é sempre uma narrativa que procura contar, graças aos feitos dos “seres sobrenaturais”, como uma realidade passou a existir. Neste sentido, temos sempre o relato de uma criação e de um momento fundador, relato esse que procura mostrar como algo foi produzido e a partir de quando começou a existir. Roland Barthes, por sua vez, alargou os horizontes da interpretação mítica por meio de análises de diversos aspectos da vida francesa (para ele, o mito poderia ser visto numa luta de telecatch, no strip-tease, nas propagandas de detergentes, no rosto da atriz Greta Garbo etc.). Ou seja, Tudo seria capaz de constituir-se num mito, desde que fosse suscetível de ser julgado por um discurso. O mito, assim, não se definiria pelo objeto de sua mensagem, mas pela maneira como ela é proferida. 
Por último, importa mencionar Joseph Campbell, para quem o herói na narrativa mítica, invariavelmente, realiza um caminho baseado no trinômio “separação-iniciação-retorno”: alguém que provém do mundo cotidiano acaba por aventurar-se numa zona de “prodígios sobrenaturais”; ao longo dessa aventura, é preciso que ele seja submetido a diversas provas, até obter a vitória decisiva. Alcançada a recompensa, tem-se o caminho da volta, tão penoso quanto o inicial: o herói deve agora retornar sob as bênçãos alcançadas e, com o elixir da vitória, restaurar o mundo inicial, ao qual ele pertencia antes de iniciar a aventura.
Se tomarmos como válidas as reflexões destes três intelectuais, podemos compreender duas coisas. A primeira delas é que o mito não é uma mentira, mas uma necessidade humana de olhar o mundo e formular exemplos positivos, que antes eram protagonizados por seres sobrenaturais, atualmente por homens comuns que se fazem extraordinários. A segunda é que o esporte é, em nosso tempo, um campo mais que fértil para a produção de mitos. Isto posto, é certo que Phelps e Bolt, assim como Mohamed Ali, Nadia Comaneci, Javier Soltomayor, Florence Griffith-Joyner, são exemplos perfeitos disso que podemos chamar de mito moderno, ou de mito histórico, posto que se constrói por meio de uma narrativa histórica concreta e tem como heróis seres humanos reais. 
Tá, tudo bem, mas e o Isaquias Queiroz, este texto não é sobre ele? Você deve estar se perguntando. Pois bem, correndo o risco de soar ufanista, penso que o menino-herói de Ubaitaba, mais que qualquer outro cumpre os requisitos para ser reverenciado como um mito. 
Ao conquistar pela primeira vez três medalhas olímpicas, ele cumpre a premissa de Eliade e funda um novo momento: hoje diferentemente de ontem o país inteiro sabe o que é a canoagem esportiva. A maneira como a narrativa de suas conquistas se construiu, repleta de drama, suspense e aventura, o mitifica exemplarmente, segundo os critérios de Barthes. Por fim, a exigência de Campbell de que haja o sofrimento probatório que leva à vitória e o retorno triunfal do herói laureado, encontra em Isaquias Queiroz, jovem negro e pobre, nascido em um país racista e elitista, que ainda na infância venceu a doença e a violência, que na juventude se jogou no mundo e obteve conquistas em terras distantes (Durenberg e Moscou), e que hoje, em sua terra natal, torna-se o maior atleta olímpico brasileiro, a realização mais que perfeita.
Viva Isaquias Queiroz, mito histórico brasileiro!

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