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quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Histórias que Laís conta – 7

Laís Barreira
A mágoa inesquecível



“Mô chefe jogou minhas coisas tudo, pela janela”, falou tristemente, com seu sotaque alemão carregado e engraçado, o nosso amigo Fred.
Namorado da amiga Lurdinha, que estava hospedada na casa da minha mãe, Fred era um dos alemães da pequena colônia que vivia em Fortaleza e, naquele dia todos nós sentimos o significado de estar em guerra com outro país.

Era o ano de 1942, quase no fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que nós chamávamos de “Grande Guerra”.

O Presidente Getúlio Vargas simpatizava com o Eixo formado pela Alemanha, Japão e Itália, porém acabou entrando na guerra e lutando junto aos adversários destes, os países aliados; a gota d’água foram os bombardeios de vários navios brasileiros por submarinos italianos e alemães.
Aqueles episódios indignaram a população e em todos os estados houve represália a emigrantes estrangeiros, mesmo aqueles que já viviam no Brasil muito antes da guerra.
Em Fortaleza teve um “quebra-quebra” em várias lojas pertencentes a alemães, italianos e japoneses.

Lembro bem do episódio da Casa Veneza, de um italiano, uma das sapatarias mais chiques da cidade, que ficava na Rua Floriano Peixoto. Os manifestantes invadiram a loja e jogaram os sapatos no meio da rua.
Outras lojas também foram depredadas e algumas foram até incendiadas pelo povo revoltado contra o Eixo dominado por Hitler, entre elas as lojas Pernambucanas, da família Lundgren, a padaria de um espanhol e a loja de flores da família Fujita que se chamava “Jardim Japonês”.
Os alemães, principalmente, eram olhados “meio de lado” pela população de Fortaleza, mas nós mantivemos nossas amizades e nunca os tratamos mal.

O “Seu” Vicente Cunto e seu primo José, italianos que moravam aqui há muito tempo eram nossos vizinhos, donos de uma loja de tecidos e alfaiataria chamada A Formosa Cearense e eram boa gente.  
O Brasil declarou guerra aos países do Eixo, mas, quando enviou os soldados para a luta nós já imaginávamos que a guerra estava próxima do fim; a Alemanha e seus parceiros estavam perdendo algumas batalhas importantes e as notícias do rádio informavam o avanço das tropas aliadas.
Em junho de 1944 os oficiais da FEB (Força Expedicionária Brasileira) embarcaram para a Itália; nesse dia houve uma grande comemoração na Praça do Ferreira, uma alegre multidão se concentrou no centro da cidade, para se despedir e desejar boa sorte aos soldados.
Foi um dia inesquecível!
Houve desfile de carros abertos pelas ruas do centro e nós saímos a pé, em passeata, até a praça, eufóricos com aquele acontecimento que era esperado por todos e protelado pelo governo apesar das pressões (em agosto de 1942 o governo do Presidente Getúlio Vargas declara guerra à Alemanha e à Itália, porém as tropas só foram enviadas para a Itália em junho de 1944).
Em meados de agosto de 1945 esperávamos a declaração do fim da guerra a qualquer momento e, quando finalmente a notícia chegou, transmitida por todas as estações de rádio, eu estava em casa; nessa época eu já tinha quatro filhos, todos pequenos.

A princípio não me animei muito pra ir, o Américo não havia voltado pra casa, eu não tinha companhia e nem com quem deixar as crianças.
Mas, quando as rádios começaram a dar notícias das centenas de pessoas chegando à Praça 
do Ferreira, do clima de euforia e animação, fiquei louca para estar lá comemorando com todo mundo.
Mas, o Américo não deu notícia nem voltou em casa. Do trabalho foi direto para a praça comemorar com os amigos.
Só depois soube dos detalhes, da multidão que se reuniu lá, da alegria e da vibração que contagiou as pessoas e percebi que perdi a comemoração de um dia histórico para toda a humanidade.
Senti uma grande frustração e uma mágoa do Américo, por não ter ido me buscar, que nunca esqueci.

(História narrada por Laís Barreira, aos 100 anos e transcrita por Vólia Barreira).

Nota
A Força Expedicionária Brasileira (FEB) era formada por uma Divisão de Infantaria, uma Esquadrilha de Reconhecimento e um Esquadrão de Caças. Mais de 25.000 homens e mulheres participaram da Campanha da Itália em suas duas últimas fases.  Seu lema "A cobra está fumando", era uma alusão irônica ao que se afirmava à época de sua formação, que seria "Mais fácil uma cobra fumar cachimbo do que o Brasil participar da guerra na Europa".

O Esquadrão de Caças da FAB (Força Aérea Brasileira) adotou o grito de guerra “Senta a Pua” que era uma expressão nordestina muito usada nos anos 40. 

2 comentários:

Vólia disse...

Ficou massa!

Rebeca disse...

Eu amo todas das histórias da dona Laís!!! Parabéns e obrigada por compartilhar, Vólia e Seu Marucs! ��