Laís Barreira |
A
vida como ela é!
Vovó Jovina, mãe do meu pai, foi uma
mulher contraditória. Era pequenininha e aparentava mais
jovem, porém era uma mulher durona, de princípios rígidos, muito autoritária
com os filhos e netos.
Para se casar com o homem do qual ela
gostou na juventude, precisou fugir de casa. Isso aconteceu provavelmente porque seus
pais deviam ser muito rigorosos com a filha e não devem ter visto com bons
olhos seu romance com aquele viajante, que era como se chamavam os vendedores
de tecidos e artigos (futuramente chamados de caixeiros-viajantes).
Pois bem, depois da fuga, para não ficar
desonrada, os pais de minha avó fizeram o seu casamento, como vigorava a moral
daquela época.
O curioso foi que, anos depois, a minha
avó Jovina replicou a educação recebida dos pais, à qual ela precisou se
rebelar, com os seus próprios filhos; ela não queria que nenhum deles se casasse
e fez o que pôde para impedi-los.
Com os filhos homens ela não conseguiu, mas
“torceu o nariz” a todas as noras. Já com as cinco mulheres ela foi ainda
mais dura e não lhes deu o direito de traçar seus próprios destinos. Apenas uma
delas se casou, depois de fugir, como a própria mãe; porém, minha tia Júlia faleceu
prematuramente, do parto do primeiro filho; a tia mais velha, apelidada
“Senhorinha” também faleceu jovem, de tuberculose.
As outras três, a quem chamávamos “tias
Ayres”, nunca se casaram, ficaram solteironas e até o fim de suas vidas viveram
juntas, uma cuidando das outras.
***
Pelo lado da minha mãe, um tio pouco
afeito a autoritarismos, casou-se com um “mulherão”, teve com ela dois filhos, uma
baita decepção e ainda ganhou a triste fama de “chifrudo”, apelido que nem hoje
em dia os homens aguentam. Imagine só naqueles tempos!
Eu ainda era meninota, mas lembro-me
bem.
Meu tio era bonitão, alto e tinha os
olhos claros, mas lhe faltava um pouco mais de inteligência e sua voz
gaguejante não era das mais agradáveis de ouvir.
O fato é que os dois casaram e tiveram
filhos, porém, sua mulher conheceu um engenheiro, pessoa importante, que tempos
depois recebeu a homenagem de ter uma estrada, que liga dois estados
brasileiros, com o seu nome.
Quando o tal engenheiro esteve aqui, fez
amizade com o casal e passou a frequentar a casa da Praia de Iracema, local onde
as famílias passavam férias e temporadas. Minha avó, Emisabel, que passava um
período na casa deles, “maldou” logo daquela amizade e comentava que o
engenheiro sempre ia lá para conversar; lá pras tantas, contava ela, a esposa alegava
sede e entrava em casa, logo em seguida o engenheiro arranjava uma desculpa
para também entrar e, nisso, ambos se demoravam lá por dentro. Só o bobo do tio
não percebia nada.
Um dia eu estava passando férias na
Praia de Iracema, na casa da família Markan, amigos de minha mãe e à tarde
fomos passear pela praia.
Ao passar em frente à casa do meu tio,
uma das pessoas que estava conosco apontou: “olha lá: aquela é a casa onde mora
o chifrudo”! Imagine minha situação, eu era sobrinha do dito cujo; encabulada, olhei
para o outro lado e fiz de conta que não sabia de quem se tratava.
O fato é que os dois se separaram, ela
foi embora com o engenheiro para o Rio de Janeiro deixando os dois filhos com o
ex-marido que, durante um bom tempo, moraram com a minha mãe.
(História narrada por Laís Barreira, aos
cem anos e transcrita por Vólia Barreira).
Nenhum comentário:
Postar um comentário