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terça-feira, 27 de março de 2012

Ivan Lessa: A volta do vinil



Um grande jornalista. Foi da turma do Pasquim. Vive em Londres há anos. O texto é de 2005. 

Para Alan Morais


Por Ivan Lessa

Era um ritual simples e gostoso. Você tirava o bichinho da capa, punha no prato da vitrola, pegava a pequena alavanca do braço (ou pick-up), virava para o lado que queria (78 ou 33 e 45) e, com cuidado, deixava pousar no sulco do disco.

Daí ficava curtindo o som gordo e amigo. E, às vezes tinha uns estalinhos ou chiado. Igualzinho à vida. E tome polca, com ou sem Adelaide Chiozzo. Ou valsa, samba, chorinho, fox-trot, Bach, Beethoven, Mozart.

Nessa desordem que chamam de progresso, se fué o vinil. Digitalizamo-nos. Viramos vítimas das “armas espertas” daqueles que manobram a tecnologia das indústrias.

Fomos invadidos como um Iraque e nos deram até o relativíssimo poder de decidir nossa constituição. Contanto, é lógico, que não fosse analógica e em vinil.

Não satisfeitos, tacaram o MP3. Nome que bem define o torpedo arrasador que nos acabou com a vida. Nem vou falar das capas dos LPs. Uma arte que também acabou.

Capinhas dos 45 rotações, agora chamados de singles, como corretores safados registrados com nome falso em motel, também dava para virar arte. Bastaria imaginação e engenho.

Tudo acabado, como cantava Dalva de Oliveira. Mas acabado mesmo?

Não é o que informa a BPI, ou seja, a Indústria Fonográfica Britânica (eles morrem de vergonha desse “fonográfica”). O vinil está voltando. Feito Madonna, para ficar numa comparação desagradável porém inteligível ao grande público.

Dizem os números que as vendas dos singles aumentaram em 87,3%. E mencionam o cidadão Paul Weller que vendeu 55,44% em CD e 38,56% em vinil. Que bom para o vinil. Tanto se me dá o tal de Weller.

Por fim, a HMV, a maior rede de lojas de discos do Reino Unido, vem se gabando de que nunca vendeu tanto vinil quanto neste ano, agora, neste século que nos põe para rodar na vitrola. Ou fonógrafo. Ou toca-discos. Ou aparelho de som. Qualquer coisa. Contanto que seja em vinil.

Um dia, ainda chegaremos a Artie Shaw, Charlie Parker, Sarah Vaughan, por aí. Tudo em vinil.

http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2005/11/051130_ivanlessa.shtml

3 comentários:

Rogério disse...

As vezes penso que esse ressentimento é reflexo de quem perdeu o poder.
O poder quase divino de quem tem aquele álbum super difícil e caro, que só seus coleguinhas de confraria podem ouvir e conhecer.
Agora todos podem. Todo pé-rapado como eu que tem dois reais no bolso, pode ir numa lan house e baixar o raro/caro/cultuado “Paêbiru”. Simples assim. A qualidade do mp3 inibe algumas ideias artísticas? O som é magro? É possível que sim. Mas sem ele eu não teria chance de sair da escuridão e poder ouvir aqueles malucos utilizando um estudo de Villa Lobos pra construir sua “Harpa dos Ares”.
Outra balela é de que quem ouve mp3 não tem apego pelas informações técnicas do disco. Os sites www.allmusic.com e www.discosdobrasil.com.br estão ai. Gratuitos. Ali também pude dar um olé na penumbra e descobrir que o Guinga tocou no disco do Cartola. Ah! E todas as capas estão lá, pra quem QUISER conhecer.
O Ivan também disse que a arte da capa acabou. Que drama! Elas continuam tão lindas e artesanais quanto antes. A banda cearense Fóssil disponibilizou seu álbum gratuitamente na rede, incluso um material gráfico de encher os olhos.
Acho que tem espaço pra todo mundo, exceto os intolerantes. Adoraria ter muitos discos de vinil com lindas capas e encartes, e com som gordo e sadio, mas eles custam caro pra mim e pra maioria das pessoas que gostam de música. Se os tivesse, faria como o mestre Alan Morais: encheria uma caixa de legumes com meus bolachões e levaria pra tocá-los no boteco da esquina pra todo mundo que passar na rua poder ouvir que belezura eles são, pois, a música só se realiza plenamente quando COMPARTILHADA!

Rogério Lama

Alan de Morais disse...

Curto ''ver'' a música tocar....notar aquela parte mais escura do vinil qdo a música está mais intimista, colocar na mais clara qdo enche os instrumentos no meio de uma suite de 20 min....eu vejo, eu controlo o braço do Toca-disco não com base num cronômetro ou num mouse do micro....isso dá intimidade!

Sim os som é mais amplo e instrumentos são ouvidos mais definidamente, mas qdo se pode ter um bom aparelho....mesmo assim é sempre interessante qdo se percebe que uma tecnologia bem mais antiga é superior em vários aspectos a uma tecnologia mais moderna

Mas quem não reconhecer a sensacional democracia revolucionária do compartilhamento de MP3, realmente se perdeu num saudosismo por vezes tão irritantes quanto os estalinhos de um disco de vinil avariado

Pela convivência harmônica de todas as tecnologias, com o que cada uma tem de melhor! ... e que se estenda para as tecnologias (saberes) populares e tecnologias (saberes)academicas(os)

Alan de Morais disse...

Ah, tá....o texto é de 2005...

Muito louvável posto que quase ninguém tratava sobre o tema nesta época e ele já previu um revival, e mostrou que na Europa e EUA o LP nunca deixou de ser fabricado

....e MP3 era pra pouquíssimos