Sandra Helena |
Eu gostaria de ser de algum partido de esquerda como amiúde me acusam os adversários de debate. Se o fosse, estaria agora pragmaticamente envolvida no pleito municipal, dando por favas contadas o ‘impeachment’ e fazendo as contas de como retornar ao poder em futuro próximo, encontrando desculpas rotas para justificar minha ausência ou nula presença na dura luta contra o golpe; ou às voltas com alianças estapafúrdias com golpistas em nome de sabe-se lá o quê.
Mas não sou e, como eu, tantos e tantas militantes das boas causas país afora, estamos tomados por uma tristeza assombrosa que percorre dias e noites insones e faz nos arrastarmos como zumbis, cumprindo as tarefas do cotidiano sem paixão, acometidos de melancolia política. De uns tempos para cá, ficou cada vez mais claro que esses difíceis dias de consumação do golpe chegariam e teríamos de atravessá-los, mas nem toda preparação foi suficiente para evitar-me as lágrimas teimosas que me acompanham no carro na ida e volta do trabalho.
É claro que não há saída política que não passe pelas urnas, mas também é claríssimo que não há como negar o tom de farsa das eleições vindouras. Simplesmente não há mais normalidade democrática no País e todo o esforço para lustrar o processo com a aparência do jurídico perfeito não resiste a uma ou duas perguntas bem formuladas. Em ambientes acadêmicos como o meu, a omissão e o silêncio atordoante diante do crime político de lesa-democracia põem a nu toda a vanidade do conhecimento desacoplado dos valores civilizatórios fundamentais. Os defensores da Escola sem Partido já podem ir se considerando com meia-partida ganha.
As recentes revelações no julgamento do Senado, com a testemunha de acusação revelando que formulou a peça que ele mesmo julgou, apenas conferem ao teatro do absurdo mais um toque burlesco. Nada mais parece capaz de reverter o infortúnio pessoal de Dilma Rousseff, cassada de seu mandato legítimo, tornada inelegível e impedida de exercer quaisquer funções públicas por anos, um feito do qual nos envergonharemos e muitos daqueles que hoje já começam a se mostrar ‘surpresos’ com as medidas tomadas pelo conglomerado que tomou de assalto o poder terão razões de sobra para suas pantomimas de ocasião.
Nossa democracia nem conseguiu tornar-se balzaquiana. A minha geração nascida sob a mais violenta das ditaduras não se imaginou viver um golpe em tão curto espaço de tempo. Fosse apenas Dilma a apeada como foi o caso Collor e poderíamos, sem incômodo, fazer coro às inúmeras críticas à sua persona política. Mas é também um projeto de país, construído desde a redemocratização aos trancos e barrancos, desmoronando, diante de nós, o futuro de milhões e milhões de jovens novamente comprometido, a criminalização da política em ponto ômega, as esquerdas atônitas e aquém de seu papel, a hipocrisia, o ressentimento, o ódio, o autoritarismo de volta.
Os inimigos estão no poder. É hora de admitir isso e reinventar a luta. Para que o futuro não tarde 21 anos. Vida longa a Dilma Rousseff.
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