O Programa Cisternas, uma política pública de acesso à água que possibilita às famílias rurais do Semiárido brasileiro viver na região, foi considerada a segunda iniciativa mais importante do mundo no combate à desertificação. O reconhecimento vem do Prêmio Política para o Futuro 2017, o único que homenageia políticas em vez de pessoas a nível internacional. A divulgação do Prêmio Prata para a política brasileira foi anunciada hoje (22). A cerimônia de entrega da premiação será em 11 de setembro, durante a 13º Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas, em Ordos, na China.
O prêmio, uma iniciativa do World Future Council que, este ano, teve a parceria da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), atesta a efetividade das ações de convivência com o Semiárido como uma política pública com potencial para reverter a degradação do solo, que impossibilita a produção de alimentos, abandono das regiões afetadas pela sua população, fome e miséria. A desertificação afeta 58% da área do Semiárido, onde vivem 11,8% brasileiros e brasileiras, muitos deles em situação de pobreza ou extrema pobreza.
Característica marcante e diferenciada do Programa Cisternas é ter nascido no seio das experiências da sociedade civil, proposta como política pública de convivência com a região pelas organizações atuantes no Semiárido através da Articulação Semiárido (ASA) e assumida pelo Estado. Trata-se de uma política pública de Estado, como considera o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), dado que vários governos têm interagido com ele, o Governo Fernando Henrique, de modo especial os governos Lula e Dilma e, atualmente, o Michel Temer.
“Graças a um movimento social, o Brasil introduziu o Programa Cisternas para apoiar a meta de instalação de um milhão de cisternas de coleta de água da chuva para uso doméstico de milhões de pessoas que residem em áreas rurais no Semiárido. O objetivo da instalação de um milhão de cisternas foi alcançado em 2014. Também há 250 mil tecnologias de água produtiva e milhares de cisternas construídas para escolas. Agora, muito menos pessoas deixam a região devido à seca e, apesar de, desde 2012, a região ter experimentado uma das piores secas já registradas, relatórios indicam que não há incidência dos piores efeitos da seca - mortalidade infantil, fome, migração em massa - que costumava ser generalizada no Semiárido”, atesta o texto de divulgação da premiação.
No Sertão do Araripe, em Pernambuco, a história de seu Luiz Pereira Caldas, 58 anos, e a esposa Nilza de Oliveira Caldas, 60, é emblemática quanto ao movimento inverso de migração que passou a ocorrer na região depois das políticas públicas de convivência com o Semiárido. Após duas décadas em São Paulo, eles voltaram para sua cidade natal, no município de Granito. Um dos principais motivos do retorno foram as condições favoráveis à prática da agricultura trazidas com a instalação do barreiro-trincheira na propriedade de sua mãe. Este tipo de barreiro é escavado no solo para acumular, no mínimo, 500 mil litros de água da chuva. Por ser estreito e fundo, o espelho d´água em contato com a ação do vento e do sol é pequeno, o que diminui a evaporação do líquido.
Ao chegar no sítio Venceslau onde cresceu, seu Luiz e dona Nilza passaram a plantar, próximo ao barreiro, feijão, andu, maracujá, acerola, tomate, jerimum, abóbora, banana e macaxeira. Logo depois, seu Luiz aprendeu a construir cisternas em cursos oferecidos pelas organizações que fazem parte da ASA para ampliar a renda familiar. Em 2015, a família conquistou mais uma tecnologia de convivência com o Semiárido: a cisterna-calçadão, que também guarda água da chuva, geralmente, utilizada para o quintal produtivo sobretudo para aguar hortaliças, um tipo de cultivo que pede muita água e precisa ser protegida do sol forte.
Com a água e manejo adequado do solo, as famílias agricultoras plantam de tudo, inclusive, a produzir mudas de plantas nativas dos biomas para sua preservação dos biomas. A da Caatinga e do Cerrado, biomas que ocorrem na região semiárida, e que estão são bastante degradados pelas ações do homem para criação de gado, expansão de monocultivos e extração de madeira.
“Quando comprei esse pedaço de terra não tinha nenhuma árvore plantada. Nem uma vara pra fazer um espeto pra assar um pedaço de carne, então eu plantei umburana, sabiá, catingueira, craibera e outras árvores. No meio delas planto palma e hoje coloco minhas colmeias”, conta o agricultor Francisco de Assis da Silva, popular Preguinho, da comunidade São Luiz, do município de Maravilha, em Alagoas. Ele tem alcançado bons resultados ao trabalhar com a agroecologia, como a reversão da infertilidade do solo. Essa prática tem contribuído para produção mesmo em épocas de estiagem.
O agricultor pratica técnicas de uso sustentável do solo como cobertura morta, defensivos naturais, período de pousio, rotação de culturas, diversidade produtiva entre outras. “Se eu usasse veneno contaminava a terra, os alimentos, minha saúde e as abelhas não iriam produzir mel de qualidade”. Além do cultivo de espécies nativas, forragem e hortaliças, Seu Francisco também cria aves, ovinos e desenvolve a atividade de apicultura.
Desertificação – Segundo a UNCCD, as terras secas cobrem 40% da superfície da Terra, onde ocorrem os climas árido, semiárido e subúmido seco da Terra. Evidências do processo de desertificação estão presentes em quase todas as partes do Semiárido e, em alguns locais, são tão marcantes que foram rotuladas de núcleos de desertificação: Seridó (RN/ PB), Cariris Velhos (PB), Inhamuns (CE), Gilbués (PI), Sertão Central (PE), Sertão do São Francisco (BA).
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