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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O último dos Coronéis - Adauto Bezerra

O jornal O Povo, em suas páginas azuis que lembra as páginas amarelas de uma certa revista, publicou excelente entrevista com o último dos coronéis da política cearense - Adauto Bezerra. Para além da boa vontade do entrevistador, cabe ressaltar o trabalho da dupla de entrevistadores: Demitri Tulio e Claudio Ribeiro.
Excelentes jornalistas. Demitri extrapola o jornalismo e veleja nas águas da memória e da ficção. Seu último lançamento "Filha de coelha, girafa é" é um barato.
Mas voltando a entrevista, transcrevo algumas das declarações do coronel:
  • OP – Eu falo da semelhança entre vocês quatro (Adauto e Humberto e Ciro e Cid) em relação à trajetória política. 
    Adauto – Mas vamos observar o comportamento de um e de outro. Nós somos irmãos quase siameses. Eles às vezes distoam. Você não vê que o Ciro é mais língua solta, mais conversador, mais atirado, violento não, mas ele não engole muito não. Ao passo que o Cid é calmo, tranquilo, sereno, ouve muito, fala pouco. É o comportamento de cada um, é da pessoa, você não pode obscurecer.
  • OP – O senhor aceita essa crítica? (Clientelismo)
    Adauto – Eu fiz, eu fiz. É autocrítica. Agora vamos raciocinar. Você é um prefeito, mora a 400 km, chega a Fortaleza e quer falar com o governador. Pediu audiência? Não. É barrado e não entra. Mas é prefeito, vai atender a comunidade dele, ao município. Não pode, “procure o secretário fulano”. Eu nunca fiz isso, mandava entrar. Podia atrasar, ficava esperando, mas eu atendia. Ele nunca vinha só, com dois ou três vereadores, para mostrar que tinha prestígio e que o governador iria atendê-lo. E todos pediam um empregozinho. Era a professora, o delegado, servente, vigia, essas coisas. Sempre atendia todos eles. O Tasso fez uma inovação. “Eu sou administrador, cada prefeito cuide de sua administração e eu vou fazer a minha”. Ficou meio distante. Se isolou. Não sei se é temperamento. O meu, gosto de estar no meio do povo. Mas sei que ele dispõe de mais tempo para trabalhar, produzir. Mas a equipe tá pra isso. Vamos reconhecer, ele foi um bom governador. Foi um bom senador. Não posso deixar de reconhecer.
  • OP – O senhor votou nele?
    Adauto – A minha idade... (Risos) Eu fui dispensado.
  • OP – Mas o senhor nunca votou nele?
    Adauto – Não. Era outro partido.
  • OP – O Tasso perdeu para o presidente Lula?
    Adauto – Foi.
  • OP – O senhor chegou a manter contato com o Tasso, mais recentemente?
    Adauto – Não telefonei porque poderia até pensar “o Adauto me telefonar na hora da minha derrota?”, “será que é vingança do Adauto dizer isso, porque eu o derrotei?”. Não se trata disso. Olha o que eu falei, grande governador, grande senador. Acho que não era a hora da substituição dele. Ele ainda tem muito o que fazer. Chegou a hora de descer a escada.
  • OP – Se o senhor tivesse votado nessa eleição, teria sido nele? (Cid Gomes)
    Adauto – Com toda certeza. Quer ver o telegrama que eu mandei pra ele? (Pede à secretária que traga o telegrama. Quando o gravador é religado, começa contando uma história ocorrida em sua sala). Veio um deputado aqui, tive pena dele. Ô baixinho pra trabalhar.
  • OP – Quem é?
    Adauto – Heitor Férrer (deputado estadual reeleito, do PDT). Esse rapaz chegou aqui com um pacotinho de santinhos na mão. Um por um entregando. “Mas Heitor, o que é isso?”. “Minha campanha é essa, não tenho dinheiro, não tenho nada. Tudo que consegui até agora foram R$ 12 mil. Aí fui e dei uma ajuda pra ele. Esse menino pulou (levanta as mãos), “coronel, o senhor me salvou”. Ainda ontem ele esteve aqui, mas é um rapaz sério, um bom deputado. Ele é de oposição, mas não é por oposição. Ele dá o fato. ]
  • OP – Quem mais o senhor ajudou nessa eleição, coronel?
    Adauto - O meu sobrinho José Arnon (deputado federal reeleito, do PTB). 
  • OP – O Cid veio pedir ajuda?
    Adauto – Não.
  • OP – O Lúcio Alcântara veio?
    Adauto – Estou meio distante dele. Não veio, não.
  • OP – O Marcos Cals também nem apareceu?
    Adauto – Quero muito bem àquele rapaz. 
  • OP – O senhor o viu ainda pequeno.
    Adauto – Sim. Deveria ter sido preparado para ser o candidato, mas o pegaram de última hora e jogaram dentro do rio que só tinha piranha. (Exibe o telegrama enviado a três candidatos e pede que seja lido). 
  • OP – O senhor disse que não ligou para o Tasso porque poderia soar como indelicadeza ou ser mal interpretado. Quando o senhor foi acusado de fazer parte das “forças do atraso” (na campanha para o governo, em 1986), como se sentiu?
    Adauto – Era o Ciro, era o mais cáustico sobre isso. O Tasso também usou. Eu aguardei.
  • OP – O senhor preferiu ouvir calado?
    Adauto – Eu aguardei (faz uma pausa) e esperei o tempo passar. Mas um dia, lá no meu apartamento, chega lá o Ciro. Foi pedir para eu fazer parte do apoio ao irmão dele, o Cid. “Vou apoiar”. Na primeira eleição do Cid (ao governo estadual, em 2006). 
  • OP – Qual foi sua reação?
    Adauto – “Vou apoiar, vou trabalhar. Rapaz muito bom”. E trabalhei muito.
  • OP – Essa foi a resposta que o senhor deu?
    Adauto – “Vou trabalhar”. Eu não guardo ressentimento de nada. A vida é curta, você tem que pensar no melhor, fazer o bem. Vou ficar com rancor e ódio? Aquilo faz mal a mim.
  • OP – Quando o senhor encontrou com o Ciro, que lhe pediu apoio na primeira eleição do Cid para governador, o senhor lembrou a ele que tinha sido chamado de força do atraso? Ou ele próprio chegou a pedir desculpas ao senhor?
    Adauto – Não, nunca pediu desculpas.
  • OP – Teve algum momento em que o senhor teve vontade, não só nesse episódio mas qualquer outro, de revidar, com esse ou aquele político?
    Adauto – A única coisa que eu e meu irmão temos um pouco de diferença é o temperamento. Ele me chama de “irmã Paula”, porque tudo que vem aqui eu procuro ajudar. Ele não. Eu não fui atrás dele, ele veio à minha procura, vamos ter um espírito mais elevado.
  • P – O que a gente não perguntou que o senhor acha que deveria ter sido perguntado?
    Adauto – Esta é uma pergunta muito boa (risos). O que eu me esqueci? (mais risos) Olha, a vida é muito curta. Você pensa que 84 anos... eles se passaram sem eu sentir que passaram. E o que me resta é muito pouco, então... olhe para o vizinho, veja o que pode estar faltando, dê uma ajuda. Se ele caiu, dê a mão. Nossa mesa tem tudo, a dele pode não ter nada, então porque não vou dar um pouco da comida pra ele? Humildade. Ninguém pode ser arrogante, prepotente. Porque as coisas acontecem. Quando você menos espera pode estar em cima de uma cama, desenganado, a qualquer hora pode desaparecer e o que você leva? Será que leva? A vida termina aqui? E a outra? Fernando Pessoa já dizia: a vida é uma grande reta, mas lá na frente é uma curva. O corpo fica na curva e o espírito continua. Para onde é que vai?
  • OP – Qual o melhor governador do Ceará?
    Adauto – O melhor em todos os tempos foi Virgílio Távora. Isso marca. Era competente, inteligente, trabalhador, honesto, mas de uma antipatia a toda prova. 
  • OP – Há o folclore que o senhor e ele tinham rusgas nos bastidores.
    Adauto – Não, nunca briguei com ele.
  • OP – Mas tinha alguma faísca?
    Adauto – Ele tinha ciúmes. O Virgílio não admitia ninguém crescer. Ele gostava que todo mundo ficasse ali bajulando, dizendo que ele era maior, que ele tinha um metro e 90 (centímetros). Porcaria deste tamanho (risos). Não é por aí. Ele tinha tanta confiança em mim... Uma vez dona Luíza (Távora, ex-primeira dama) foi muito irreverente. Como vocês chamam aquela roupa que bota por cima do pijama, da camisola?
  • OP – Robe?
    Adauto – Ela gritou: “por que fecham a porta? Que direito vocês têm? Escondido aí pra quê?” (simula um grito dela. Em seguida imita a voz grave e lenta de Virgílio) “Luíza?” Sabe por que ele fechou a porta? Já estava com câncer. Era para me pedir: “Adauto, não sei quanto tempo, mas queria que você cuidasse do Carlos Virgílio. Ele está exagerando” (Era o filho de VT, ex-deputado federal, que morreu em 19 de novembro de 2000, em Teresina). 
  • OP – Coronel, tenho curiosidade num assunto bastante delicado para sua família. 
    Adauto – Não, tudo bem.
  • OP – É a sobre a morte de sua sobrinha Ana Amélia (executiva assassinada no Paraguai, em agosto de 2002). O episódio foi fatalidade, foi tentativa de sequestro, foi armação? Houve algo mais além do que veio a público?
    Adauto – As Polícias do Paraguai e daqui apuraram. Mas chegaram à conclusão que quiseram parar o carro para roubar. Tentativa de assalto. Quando meteram o tiro, era para o carro parar e fazer o assalto, mas acertou a menina.
  • OP – A família mesmo aceitou como fatalidade?
    Adauto – Fatalidade.
  • OP – A família contratou alguém para investigar lá?
    Adauto – Se tem sabido quem era, cabôco tinha morrido. Tinha. Trazia pra cá, ia fazer o enterro bonito dele. 
  • OP – Alguém pensou em sequestro, mas outro também descartou logo.
    Adauto – Eu sou muito amigo do Mainha (Ildefonso Maia Cunha, condenado por homicídios no Ceará, que hoje cumpre pena em regime aberto). Muito amigo, não, eu conheço o Mainha. Nos apertos ele vem aqui. 
  • OP – Vem aqui?
    Adauto – Vem aqui ou vai em Guaramiranga. Ou manda a mulher. Não é muito melhor se ter uma fonte de informação como o Mainha, do que ter um inimigo como o Mainha? Sabe como ele se identifica (à secretária)? Professor Diógenes.
  • O POVO – O senhor tem feito caridade?
    Adauto - Hoje tenho três atividades que me tomam o dia. Começo na Santa Casa. Às 7h30min eu tô lá. Todo dia. Na Santa Casa eu sou o mordomo (gestor das contas). A parte de enfermaria, doente, gente que chega de cirurgia, UTI, doente, tudo é comigo. Segundo, é aos sábados e domingos. Eu tenho um centro de tratamento de dependentes químicos. É no limite entre Messejana e Eusébio. Comprei duas quadras, fiz as casinhas, tem piscina, área de exercícios, médico, fisioterapeuta, tem tudo. 
  • OP - Quantos atende?
    Adauto - São 45. Às vezes muda pra mais. O principal é o crack. É o que derruba, chega lá já no final, terminal. Chega, bota pra dormir, desintoxicar, 45 dias, começam a andar, exercícios, suar, correr.
  • OP - Por que o senhor decidiu fazer isso? 
    Adauto - Porque eu já tenho 84 anos. O que me resta é bem pouquinho. Se eu não fizer isso, o que eu deixo aqui? O projeto já tem 14 anos. Eu e o doutor Luis Teixeira. Era uma casa com três quartos, com área e nada mais. Depois vi não ser possível continuar vendo a mocidade no crack, em tudo. Começavam sempre com a maconha e o álcool, depois... 
  • OP - E a Santa Casa, como está de finanças? 
    Adauto - Graças a Deus, tá bem. Nós temos compromissos a pagar, mas dívidas atrasadas, nenhum centavo. Tudo pago.
  • OP - É mesmo? Limparam esse débito quando? Era uma dívida eterna. 
    Adauto - Ela está saneada há um ano e oito meses. Reescalonamos a dívida em 50 pagamentos. Podíamos pagar isso. A Caixa Econômica concordou.
  • OP - Ainda tem ajuda pela conta de luz? 
    Adauto - Tem. Há uma empresa no Espírito Santo que contratamos. Aí a ajuda já vem embutida na despesa do consumo de energia. Você autoriza qualquer valor. Isso nos dá por mês, R$ 510 mil, R$ 520 mil.
  • OP - Qual a despesa mensal da Santa Casa? 
    Adauto - Só de pessoal dá uns R$ 700 mil.
  • OP - E o resto vocês cobrem como? 
    Adauto - Tem o cemitério São João Batista, que dá uns R$ 90 mil, R$ 100 mil por mês. Tem doações. Essas mercadorias apreendidas, a gente recebe, vira leilão. Em cada caminhão, no leilão a gente apura R$ 1,2 milhão. Aí vai indo. E tem o SUS. Cada cirurgia, se é de alto risco é um pouco mais. Se é simples é quase nada. 
  • OP - Quanto a Santa Casa está pagando de dívida parcelada? 
    Adauto - Uns R$ 80 mil. Isso me enche tanto a vida.
A íntegra da da entrevista no link abaixo:

http://www.opovo.com.br/app/opovo/paginas-azuis/2010/10/25/noticiapaginasazuisjornal,2056403/confira-a-integra-da-entrevista.shtml

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