As rodas de conversa de Elisa
Laís Barreira |
Naquela época
ainda não havia televisão; era o tempo das cadeiras nas calçadas e nos terraços
das casas, ao entardecer, que reunia as famílias, os vizinhos e os amigos para
prosear.
Na casa de minha
mãe esse era um costume antigo; desde quando morávamos na Praça dos Voluntários,
as rodas de conversa da d. Elisa juntavam amigos.
Minha mãe
enviuvou cedo e precisou enfrentar a situação com coragem para superar, junto
com seus dez filhos, as dificuldades advindas.
Todos nós
começamos a trabalhar bem jovens para ajudar nas despesas domésticas, que eram
controladas por ela com pulso firme.
Graças a ela sempre
tivemos muitas amizades nas vizinhanças de todos os locais onde moramos; era
uma época em que não havia grandes diferenças entre as classes sociais e era
natural convivermos com pessoas mais abastadas do que nós e que frequentavam as
“altas rodas”.
Um desses
amigos, o escritor Milton Dias, era frequentador assíduo da casa da “d. Elisa”
e, vários de seus contos foram inspirados nas histórias compartilhadas nesses
encontros. A amizade teve
início entre a minha mãe e a do Milton; ele era um escritor bastante conhecido,
seus contos eram publicados nos jornais; O Zé Milton como nós o chamávamos
tinha uma conversa brilhante, ele “enchia” a noite e era muito “requestado”
para jantares e festas dos “grã-finos”. No entanto, ele
dizia que se divertia nas nossas rodas de conversa e estava cansado de tantos
jantares e festas para os quais era convidado: não aguento mais tantos convites!
A última casa em
que mamãe morou tinha um terraço muito agradável, ao ar livre, que à tarde
ficava sob a sombra de um grande pé de sapoti.
Nesse local todas
as noites havia o ritual de levar as cadeiras para fora e esperar a chegada dos
amigos; além do Milton, participaram de muitas rodas de conversa o pintor
Floriano Martins que era um intelectual, o antropólogo e crítico de arte
Geraldo Markan, conhecido como Gegê, muito amigos de minha irmã Lúcia, o
jornalista Carlos D’Alge, o artista Zenon Barreto, além das nossas amigas mais
assíduas, as Carvalhedo, Cármen, Maria Luisa e sua prima Zilma.
Nas reuniões se
falava de tudo, política, religião e, principalmente assuntos do cotidiano,
sempre tratados com bom humor, nada de muita polêmica!
Não havia bebida alcoólica, minha mãe, muito religiosa, fazia essa restrição, era “boca seca”, apenas
um cafezinho e no máximo um suco de frutas; no entanto, as conversas eram muito
animadas.
Hoje, olhando
aqueles tempos com o que guardei na memória, me parece que a vida se passava
com menos pressa.
Com o passar dos
anos a casa foi ficando grande demais e insegura para as duas pessoas idosas que
lá residiam, mamãe e minha irmã Marina; então, a casa foi vendida e elas mudaram
para um apartamento menor onde minha mãe viveu até quase cem anos e sobreviveu
a muitos daqueles amigos que frequentaram sua casa.
As rodas de
conversa foram substituídas pela TV que tinha lugar de destaque na sala, no
entanto, permanecem na lembrança as conversas inteligentes e espirituosas
daquele grupo de pessoas que frequentava a casa da Rua Carlos Vasconcelos,
1438.
(História
narrada por Laís Barreira, aos 100 anos e transcrita por Vólia Barreira.)
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