No Rio de Janeiro, nasce um novo paradigma de comunicação
Francisco Viana
De São Paulo
De São Paulo
De um modo geral, os entrevistados se comportam de maneira impecável, trabalhando com fatos, revelando integração. Enfim, têm demonstrado uma peculiaridade geralmente esquecida: quem está preparado para lidar com a mídia informa melhor, ocupa espaços valiosos, neutraliza o espetáculo mediático. Ou, o tratamento da notícia como ativo privado.
Esse é o caminho seguro para lidar corretamente com a imprensa. É assim que se neutraliza - ou se põe limites, na prática - no comportamento espetaculoso do noticiário. É muito difícil fazer espetáculo quando as fontes da produção jornalística, no caso as autoridades, estão bem preparadas, não caindo nas artimanhas de um jornalismo míope de visão social.
Por que merece tanta importância o modo com que as autoridades cariocas estão tratando o tema da comunicação num episódio de tamanha relevância? Resposta: lança as sementes de um novo paradigma para a segurança em todo o país. O noticiário policial hoje se espelha, na sua imagem síntese, um grande espetáculo. Mocinho contra bandido. Como se fosse um filme de ficção, trabalhado com imagens fortes: tiroteios, população apavorada, autoridades impotentes. O retrato do caos. Ou, uma exploração sistemática do tema da violência urbana, onde o que vale é explorar a sensação de insegurança, não a contribuição efetiva para superar os problemas.
Não por acaso as chamadas espetaculares se sucedem quando há episódios como o do Rio de Janeiro e as notícias se sucedem em blocos, como se fizessem parte de um seriado. O drama social é retratado como roteiro de filme.
Há razões para que a ficção venha se misturando com a realidade. O nosso modelo de jornalismo envelheceu. Foi superado pela sabedoria das multidões. Na medida em que não discute com a sociedade o sentido da produção jornalística e resiste em explicar o significado do chamado critério jornalístico de seleção do noticiário, passa a imperar o isolamento. A sensação é de proximidade. Mas a realidade é feita da matéria prima do estranhamento.
Entrincheirada na defesa de uma liberdade ilimitada, a imprensa esquece (ou faz de conta que esquece), que toda liberdade ilimitada implica na opressão do mais forte sobre o mais fraco. E desencadeia um antagonismo cada vez profundo com a coletividade.
Isto porque o conceito de produção jornalística tem se confundido com o escândalo e o espetáculo. Em casos como o que hoje se vive no Rio de Janeiro, o antagonismo é claro. De um lado o poder público, estruturou-se para tratar a notícia como ativo público. De outro, a mídia, propensa a açular o lado espetaculoso do episódio. A postura comunicacional das autoridades neutralizou tal tendência. Ou seja, permitiu que se utilizassem os espaços construtivamente.
Mas a regra ainda é o tratamento do noticiário como ativo privado. Predomina a sedução da notícia a qualquer preço, o talante frívolo do habitual excesso de informação pela informação. Assim, é comum que os dramas da segurança sejam acondicionados como mercadoria, não no invólucro que realmente exige: um drama de profundo significado humano.
O espetáculo corrompe o real papel da mídia - informar, formar, reduzir tensões, apontar caminhos. E isto constitui uma dialética que se volta contra a própria mídia: corrói a confiança que deveria inspirar, transmite intranquilidade em lugar de tranquilidade. Desperta a consciência da população para o que está por trás da notícia. É isto que está acontecendo. Isto explica, por outro lado, porque governos como o do Rio de Janeiro estão investindo em comunicação, formando seus porta-vozes para ocupar espaços na mídia de maneira coerente.
É uma forma positiva de agir: controlar o que pode ser controlado. Ou seja, as mensagens, a qualidade da informação.
Na realidade, o que está em questão não é a liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa. O que não falta na sociedade brasileira é liberdade. E havendo liberdade na sociedade a liberdade de imprensa viceja naturalmente. Porque não existe a liberdade de imprensa. Existe, sim, a liberdade da sociedade.
Os critérios jornalísticos estão sob questionamento porque visam mais o lucro do que o benefício da sociedade. Visam mais os interesses comerciais e políticos do que a construção de uma sociedade justa e solidária. Busca-se multiplicar audiências, não multiplicar o conhecimento das multidões. A notícia tem reproduzido a lógica do capital ao se multiplicar incessantemente, seja qual for o tema, na promoção do espetáculo, sem levar em conta o interesse público. A espetacularização do noticiário, portanto, é um processo secundário. O econômico é que justifica a reação ao questionamento social do papel da mídia.
O dado novo é que a sociedade está se mobilizando. Cada vez mais as organizações públicas e privadas estão investindo na preparação de seus profissionais para lidar com a mídia. Há um processo autenticamente democrático em curso. E esse processo vai chegar a exigir que a mídia comercial dedique idêntico espaço a fontes com pensamentos diversos, permitindo, de fato ao leitor formar uma opinião, avaliar de verdade a realidade.
Pergunta: se há controle sobre todos os poderes constituídos e todas as organizações sociais, da FIESP ao MST, porque só a mídia brasileira pode pairar acima do bem e do mal? Seria a mídia isenta? Exerceria ela o papel do demiurgo, a divindade fundadora da nova sociedade brasileira? Não, claro que não. O tempo em que o poder no Brasil era reservado aos chamados sábios, a uma elite que se autopredestinada, passou. Felizmente.
A última eleição presidencial triturou o que ainda sobrava dessa ideia. O Brasil é outro. E se destaca por uma sociedade crescentemente participativa. A comunicação das autoridades do Rio de Janeiro na guerra contra o tráfico de drogas evidencia um novo paradigma. Como foi o caso da Petrobrás quando tornou pública as tentativas de golpear, artificialmente, a sua imagem-reputação. Esse embate sociedade-mídia vai ser longo. Mas não há democracia sem que os limites e responsabilidades da mídia sejam demarcados claramente. Não se trata de censura, se trata de valores.
Francisco Viana é jornalista, mestre em filosofia política pela PUC-SP, consultor de empresas e autor do livro Hermes, a divina arte da comunicação. É diretor da Consultoria Hermes Comunicação estratégica (e-mail: viana@hermescomunicacao.com.br)
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