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sexta-feira, 14 de junho de 2013

Contra o pavor, ocupemos a cidade

por ÉRICO FIRMO

Poucas emoções são poderosas como o medo. Dificilmente alguma mexa tanto com os instintos, o inconsciente, o lado animal do humano. Por isso, é tão eficaz como instrumento justamente nas disputas de poder. Afinal, não apenas é capaz de afetar os sentimentos mais primordiais como também é relativamente simples de ser manobrado. “É muito mais seguro ser temido do que ser amado”, ensinou Maquiavel. Em trincheiras antagônicas, o pavor é a arma com que passou a ser travado o principal enfrentamento da política de Fortaleza. De um lado, o grupo “Fortaleza Apavorada”. O fenômeno é novo e só possível pelo advento das mídias sociais. Agrega setores tradicionalmente alheios a tais debates. E permanece incompreendido pelas diversas frentes da política tradicional – reativa como regra à novidade. Simbolizado pela mão ensanguentada, o movimento surge a partir do que o próprio governo reconheceu como crescimento “intolerável” de alguns tipos de crimes. Apropriou-se desse terror provocado pela escalada de homicídios e assaltos a mão armada. Com isso, incomodou o Palácio e provocou aquela que considero a mais relevante manifestação pública de todo o governo Cid Gomes (PSB) na área da segurança. Importante pela autocrítica sobre o caráter inaceitável do avanço da criminalidade, pela preocupação em prestar contas. E pela reação. Ao mesmo tempo em que afirma respeitar e considerar bem-vindo o movimento, o Estado aponta infiltração de “grupos partidários e marginais”, em “manifestação da corrupção e do oportunismo que ainda grassam na vida pública brasileira”. Além disso, pede aos participantes que não levem crianças, alerta para o risco de inocentes saírem feridos “ou mesmo sofrer algo mais grave”. E informa que fez “apelo” para que Tribunal de Justiça, Ministério Público e Assembleia Legislativa enviem representantes para monitorar o ato, “com o objetivo de garantir a tranquilidade e a integridade física dos manifestantes”.

Creio sinceramente nas boas intenções de um lado e outro. Acredito que os manifestantes, ao menos em sua esmagadora maioria, estão, sim, preocupados com os índices de criminalidade e buscam soluções, acima de tudo. Também penso que o Palácio da Abolição tem objetivo de evitar problemas durante a manifestação, quero crer que tem informações objetivas e confiáveis para fazer as acusações que fez e tenho certeza de que deseja obsessivamente resolver essa crise da segurança. Contudo, o método de ambos os lados não poderia ser pior. O uso político do medo remete aos anos mais sombrios dos totalitarismos de várias vertentes, às mais funestas experiências políticas da história humana. Talvez nessa forma de embate esteja o perigo maior.

PSICANÁLISE, POLÍTICA E MEDO

No livro A paranoia do soberano (Editora Vozes, 2000), o psicanalista e militante político Valton Miranda trata daquilo que denomina “gigantesca estrutura de paranoia coletiva” organizada em torno do medo na política. “O pânico não é, senão, o susto que não pôde ser pensado, refletido e dominado. O medo, nesse nível, sempre foi, conforme a historiografia social e política, um instrumento fundamental cujo manejo as autocracias de ontem e de hoje articulam politicamente e que, na atualidade, ganhou uma dimensão tecnológico-comunicacional. Dessa forma, é possível afirmar que o medo habita o inconsciente arquetípico, surge nos primórdios da infância, revigora-se no contexto social através da suposição básica de luta-fuga, adquire uma composição estrutural do corpo psicopatológico da paranoia e, finalmente, fica à disposição do Estado e do Soberano, conforme Maquiavel constatou brilhantemente”. Essa presença do medo como ferramenta de poder tem caráter eminentemente conservador, conforme prossegue Valton Miranda. “(...) a política tecnológica estimula a fobia (...) para que o medo funcione como verdadeira barreira eletrônico-comunicacional contra a mudança radical do sistema político vigente”.

O PAVOR COMO INSTRUMENTO DA INSEGURANÇA

O medo contribui para a insegurança. Como descreve Elias Canetti, em Massa e poder (Companhia das Letras, 2005), “as pessoas trancam-se em casas que ninguém pode adentrar, somente nelas sentindo-se mais ou menos seguras”. Cria-se aversão ao contato com o estranho, que se converte em paranoia. Tal processo tem relação, claro, com a criminalidade. Mas, também, com a forma como se reage a ela. Esse mecanismo não é apenas nem principalmente racional. Todavia, qualquer resposta efetiva à crise na segurança pública passa pelo enfrentamento desse medo atávico.

É necessário estancar o pavor. Sobretudo, é preciso ocupar a cidade. A pior resposta à violência é a reclusão. É imperativo ir às ruas, tomar as calçadas, multiplicar espaços e experiências de convivência. Não fugir de estranhos, não se render ao pânico. Sem querer abrir debate sobre a primazia do ovo sobre a galinha ou vice-versa, não é completamente verdade que as pessoas se fecharam porque a cidade se tornou violenta. Os crimes também avançaram porque espaços coletivos foram abandonados, num círculo vicioso nem sempre iniciados pela insegurança concreta, mas, por vezes, pela sensação coletiva de desamparo. A melhor resposta é não desistir, não recuar e tornar Fortaleza, em plenitude, cada vez mais nossa.

http://www.opovo.com.br/app/colunas/politica/2013/06/12/noticiaspoliticacoluna,3072975/contra-o-pavor-ocupemos-a-cidade.shtml

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