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segunda-feira, 22 de julho de 2013

A alegria que existe

Por Mateus Perdigão

O carnaval é um tema presente – e recorrente – na obra dos grandes compositores do cancioneiro popular brasileiro. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Alceu Valença, dentre vários outros artistas, já escreveram músicas para o carnaval ou usaram-no como pano de fundo nos versos de suas canções. A presença deste tema em suas obras artísticas não acontece à toa, ele é uma das maiores manifestações culturais de nosso País, em que pese toda sua heterogeneidade, complexidade e diferenças locais.

Com Ednardo não poderia ser diferente. Dentro do rol dos grandes compositores brasileiros, o carnaval foi tema de algumas de suas canções. Apesar de não ser o tema central de sua obra, ele merece atenção pois faz parte de uma visão maior que o compositor tem sobre Fortaleza e sua história. Entender o carnaval na obra de Ednardo, de certa forma, é pensar o carnaval de Fortaleza.
Ednardo


Dotado de uma sensibilidade e uma percepção estética singular, Ednardo canta o carnaval de uma forma em que ele não apareça apenas de forma descritiva, mas através de uma perspectiva histórica. Ele aparece em sua obra através de um olhar crítico de quem viveu e vivenciou diferentes experiências carnavalescas. E o carnaval em Fortaleza tem como um dos principais expoentes o maracatu.

A ligação de Ednardo com o maracatu começou ainda na infância, por volta dos cinco ou seis anos de idade, quando seus pais o levaram para ver a concentração dos maracatus no Parque da Liberdade. De lá, seguiu os cortejos até o Passeio Público que, depois, seguiu pela rua Senador Pompeu. Na ocasião assistiu e se encantou com os cortejos dos maracatus Estrela Brilhante, Az de Espada e Az de Ouro, que desfilavam pela rua pouco iluminada carregando os próprios candeeiros, num batuque envolvente.

O Estrela Brilhante foi, nas recordações do compositor, o primeiro maracatu que ele viu. Ainda criança seguiu o cortejo por entre as pessoas, levando seus pais à loucura, que o procuraram por aproximadamente meia hora pela multidão. Além de ser uma boa recordação de infância, o Estrela Brilhante foi tema de uma canção sua, gravada no disco Imã, em 1980. Nesta canção, Ednardo buscava homenagear um dos períodos mais férteis do maracatu cearense: “Maracatu estrela brilhante/ Maracatu o teu brilho errante/ Gamela da nossa mistura/ Tão linda tão mista tão pura/ Maracatu/ Garra maracá já guerreiro/ Batuque ferro e ganzá/ A flecha cravada no céu brasileiro/ Infinita mente cantar / Cantar/ Cantar”

Quando o local do desfile dos maracatus deixou de ser na rua Senador Pompeu e passou a ser na Avenida Duque de Caxias houve um certo esvaziamento do carnaval de Fortaleza e uma tendência a desvincular os maracatus do carnaval da cidade – por motivos inclusive políticos. “Mais um Frevinho Danado” é uma canção de Ednardo gravada na década de 1970, no disco O Romance do Pavão Mysterioso, que narra o início desse esvaziamento: “No espaço curto desse passo louco / vou sair um pouco pra esquecer o triste / se eu lhe encontrar pelo meio desse povo / vou lembrar de novo que a alegria existe”. Outra canção que fala do mesmo assunto é “Maresia”, gravada no disco O Azul e o Encarnado, de 1977: “A calmaria da cidade é geral/ É geral, é geral/ E a maresia que molhou a minha pele / Rimou com a canção pra este carnaval/ Nada me resta a não ser tua beleza / E a incerteza do que vai ser de mim/ Por isso basta dessas coisas sérias (...)”

Outra canção que merece destaque no seu repertório carnavalesco é o frevinho “Bloco do Susto”, gravado no disco Cauim, de 1978.
Ednardo é um entusiasta do maracatu cearense e do carnaval de Fortaleza. Sempre atento às manifestações culturais e todas as transformações que ocorreram no passado, com certeza ele está atento a este novo fôlego que o carnaval de Fortaleza tem tomado. Que os atuais blocos, escolas de samba, afoxés e maracatus se inspirem em suas canções para não mais deixar a calmaria na cidade ser geral, mas que permitam que todos nós possamos sair fantasiados de alegria por aí.

Mateus Perdigão é sociólogo, um dos fundadores e músico do Bloco Luxo da Aldeia que surgiu em 2006, no Benfica, com a proposta de reunir foliões em torno de canções de compositores cearenses.

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