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quinta-feira, 26 de junho de 2014

Meu querido Santo Antônio

Por DEMITRI TÚLIO

Haveria de ter um manual pra ensinar a ser filho. Principalmente quando os pais vão envelhecendo. Saber lidar com o que não é mais vigoroso e, agora, mergulha em lembranças e estranha o corpo que vai se desmilinguindo.

Dizer o que quando, mesmo medicada e acompanhada, insiste que está aos pés da morte? Que o médico não sabe de nada porque é novo demais? Que tem prioridade para ficar na cabeça da fila, por ter mais de 70, e não quer saber se, na sala de espera, existem mais dez iguais a ela? Que se recusa a tomar um remédio que ela diz não arrefecer o destroço que vem de dentro?

Aprender a ter paciência, saber ser presente como ela foi quando os seis sujavam as fraldas ainda de panos. Considerar o que ela reclama, mesmo que se faça de vítima nas besteiras mais bestas. Entender, quando me repete, que não se acostuma com uma casa tão sem nós.

Como é esquisito vê-la assim, parecida com minhas avós. Corpo mudado, braços e mãos com as marcas de tempo, roupa de senhora. E de uma tristeza que não cessa nem com remédios nem com as roseiras de “quem” tanto gosta.

Meu querido santo Antônio, pensei, agora, em você. Pode ser extemporâneo, mas me ensine a ser filho, me ajuda a aprender outro jeito de amor. Gosto dela desmedido, mas parece que é outra. Então, talvez, o problema esteja nos meus olhos de filho.

Também queria te pedir por uma amiga e um amigo. A mãe deles deslembrou, sofre da memória se apagando. Tenho impressão que se já foi. E é ruim admitir, mas não é mais a mãe dos dois. É um retrato envelhecendo! Que não fala, que não conhece pelo nome, que tanto faz como tanto fez.

Peço também por outra amiga, mãe de um amigo querido. Está penando porque ainda não aprendeu a ser viúva. Compreendo a aflição, foram mais de 40 anos com o primeiro e único homem. De repente, a casa sem ele, até o cachorro passou a reclamar. Era ele que o alimentava.

Está em pânico a mãe dele. O marido era quase tudo... A despensa, as contas da empregada, a gasolina do carro, o mato vai tomar o quintal! E de uma hora pra outra se assustou com filhos querendo saber da loja, do inventário, das receitas, das despesas...

Ver a mãe envelhecer carece de reaprender a ser filho. Passar horas ao telefone e calar: “Escute, me escute, sou sua mãe!”. Compreender seus dilemas, respeitar sua estrada, rir com ela. É estranho ouvi-la falar de despedidas, mesmo que seja para chantagear.

Mãe, nunca imaginamos, um dia vai escutar menos, os ossos vão ficar arriscados e a vista pouca. Vai virar menina, começar tudo de novo. E nós a levaremos ao cinema...

Meu querido santo Antônio, preciso de você. Me ensine a ser filho, me ajuda a aprender outro jeito de amor.

DEMITRI TÚLIO é repórter especial e cronista do O POVO,
demitri@opovo.com.br

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