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quinta-feira, 5 de junho de 2014

Rolling Tombstones

Por José Diogo Quintela*

Portugal acaba de perder uma soberba oportunidade para reforçar o estatuto de coqueluche do turismo mundial: na quinta-feira, estiveram cá os Rolling Stones e nenhum dos seus elementos faleceu em solo português. É muito azar. Neste momento, receber um concerto dos Rolling Stones é como comprar um bilhete de lotaria. É uma espécie de jogo das cadeiras em que, quando a música pára, é porque o músico se finou. Depois é só ver em que país se deu o óbito. Não é bem uma tournée, é mais uma tômbola. Infelizmente, desta feita, a taluda não calhou a Portugal.

Qual a probabilidade de ter cá quatro septuagenários com o historial de Mick Jagger, Ronnie Wood, Keith Richards e Charlie Watts, sem que nenhum tenha um ataque de coração? Trata-se de idosos que, por junto, consumiram mais estupefacientes do que em separado. O fígado de qualquer um deles está habilitado a arrumar carros em troca de moedas. Quem já foi ao Rock in Rio sabe que a Bela Vista é ventosa. É preciso ter falta de sorte para nenhum destes velhinhos ter apanhado uma corrente de ar fatal.

É que, se um desses anciões morresse e ficasse cá sepultado, Lisboa ia passar a ter mais uma atracção turística extremamente rentável. Segundo um estudo de uma consultora, um defunto internacional tem um impacto de 87 milhões de euros anuais para Lisboa. (Segundo outro estudo, um defunto internacional tem um impacto de 6,8 milhões de euros para as consultoras que efectuam estudos sobre impactos económicos em Lisboa. Aliás, só por ter escrito isto, já ganhei 34 euros.)

No cemitério Père Lachaise, em Paris, estão enterrados artistas estrangeiros como Jim Morrison, Oscar Wilde e Maria Callas. As suas sepulturas são visitadas por milhares de turistas que desejam tirar fotografias junto a pedras tumulares de falecidos que, em vida, foram famosos. (Claro que também ajuda o facto de ser em Paris: numa cidade onde os residentes vivos são tão mal-educados, é natural que o turista acabe por se afeiçoar aos habitantes mortos.)

É preciso captar famosos para virem falecer ao nosso país e servir de chamarizes. Mostrar que em Portugal há boas condições para morrer com prestígio.

Se há romarias para visitar Morrison, também haveria para visitar um mausoléu dos Rolling Stones. Afinal, trata-se igualmente de músicos drogados. É curioso que os excursionistas tenham grande gosto em passear por sítios frequentados por toxicodependentes mortos, mas evitem sítios com toxicodependentes vivos.

De que é que o Turismo de Portugal está à espera para começar a apostar no segmento de turistas que apreciam conhecer lugares onde se estão a decompor os restos mortais de artistas de antanho? Portugal não pode basear a sua reputação apenas nas referências elogiosas de blogues escritos por pessoas estrangeiras que viajam sozinhas e que, em virtude da solidão e de despacharem uma garrafa de vinho branco ao almoço, acham tudo espectacular, da luz ao eléctrico 28.

Tem de entrar no circuito internacional do turismo glamórbido. Para já, é preciso captar famosos para virem falecer ao nosso país e servir de chamarizes. Mostrar que em Portugal há boas condições para morrer com prestígio. Aliciar os grandes nomes enquanto estão vivos. Atrair la crème de la cremation.

Depois, há que criar uma campanha com o slogan: “Vá para fora cá dentro do jazigo”. Ou, mostrando toda a variedade do país: “Praia. Campo. Campa”. E se quisermos mesmo impressionar os estrangeiros, então: “Portugal, Europe’s West Ghost”.

*Nasci em Lisboa em 1977 e, tirando o ano em que vivi no estado americano do Wisconsin, passei em Lisboa toda a minha vida. Sou casado, tenho uma filha e dois enteados. Comecei como guionista em 2001. Em 2003, com o Tiago Dores, o Miguel Góis e o Ricardo Araújo Pereira formei o grupo humorístico Gato Fedorento. Escrevo em jornais desde 2004, quando me estreei no Independente. Pontifico no PÚBLICO desde 2007.

http://www.publico.pt/portugal/noticia/rolling-tmbstones-1637754

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