Foto - Francisco Fontenele |
Aos 67 de anos, a carcaça, como o poeta tinha se acostumado a se referir à própria carne, formava um arco, com a coluna dobrando-se quase numa meia-lua.
Era o modo de Mário equilibrar-se nas ruas de Fortaleza: maleável, deslizante, anguloso. Com o tempo, habitou-se a desviar de quinas e arestas, numa reengenharia social que impunha ao corpo uma lição tortuosa.
O poeta não foi pedinte. Foi pedestre.
Dispunha das pernas e dos versos.
Lírico à deriva pela cidade, fez da Praça do Ferreira e do Centro Dragão do Mar os entrepostos de uma romaria cotidiana em cujo altar repousava o gozo, única musa.
Celebrou a errância e aceitou a miséria. Dispensou conforto e lar, sem os quais a maioria de nós dificilmente admitiria viver. Andou ao passo do desatino.
Por conta própria, desorientou-se.
Na paranoia da metrópole, arremetia aos solavancos, amigo de muros, calçadas, árvores e bancos. Um Patativa em movimento, confundia-se com a paisagem.
Era cartão-postal ambulante, e nisso assustava sensibilidades, que viam nele apenas um trapo humano metido em farrapos. Poucos souberam conhecer o poeta Mário Gomes.
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