via Bruno Perdigão
Agora que está na moda admitir que não há mudança sem a classe média e que as manifestações dos dias 15/3 e 12/4 vocalizam a maioria insatisfeita com os rumos do governo, é possível ficar mais à vontade para dar um passo adiante e criticar não a legitimidade das manifestações, mas o mérito da causa. Mais que o mérito, a mensagem. O que diz a mensagem? Antes, uma constatação: a classe média são muitas. Falo aqui especificamente de uma classe média cuja visão de mundo se aproxima da fantasia ou da ficção científica – não no que têm de inspiradoras, mas no que têm de delírio e descolamento da realidade.
Começo pelo que já se tornou quase folclórico – o receio de um golpe comunista no Brasil. Ou a suspeita que paira sobre a articulação das forças de esquerda no continente em torno do Foro de São Paulo. Querem a volta das FFAA no comando do país. Desconhecem Levy na Fazenda e Kátia Abreu na Agricultura e a força que tem a bancada da bala no Congresso. Preferem uma fantasia que, com sinal invertido, é a mesma de Sibá Machado, o deputado petista para quem os protestos contra Dilma são maquinações da CIA. De parte a parte, todos se atiram ferozes contra um inimigo que é 99% invenção.
E tudo isso enquanto, logo ali, na Cúpula das Américas, Barack Obama e Raúl Castro se dão as mãos como velhos camaradas, companhias aéreas oferecem voos diretos para a ilha e o presidente dos EUA pede a retirada do país da lista de estados que apoiam o terrorismo. No Brasil, porém, a classe média fia-se no mantra segundo o qual o PT cozinha um golpe em banho-maria, o Bolsa Família sustenta preguiçosos, a terceirização vai garantir os direitos trabalhistas e a redução da maioridade penal vai acabar com a violência. Eis o delírio da classe média: inventar um Brasil que não existe.
O problema não é que mais de 60% dos entrevistados pelo Datafolha não saibam quem é o vice-presidente da República. O problema não é sequer aplaudir Jair Bolsonaro em plena avenida Paulista e berrar “Chupa, Maria do Rosário”, a parlamentar a quem o deputado disse que estupraria. O problema é acreditar que o governo importou um contingente de haitianos para apoiá-lo nas eleições do ano passado.
O debate público degenerou: não se baliza mais pelas opiniões políticas nem ideologias de direita ou esquerda, progressistas ou reacionárias. O problema talvez não seja sequer político, mas psiquiátrico, como sugere o jornalista Bruno Torturra. Pelo menos não acredito que seja político esse ânimo delirante entre milhares, a fixação em Cuba, nos homens de farda e a insistência em pedir que Dilma, uma mulher já sexagenária, vá tomar no cu. Esse ódio não é político. É reflexo de uma deriva moral. É a síntese da desorientação de uma classe que brada contra a corrupção vestindo as cores da CBF.
Pelo menos é o que prova uma pesquisa encabeçada pelo filósofo Pablo Ortellado (USP) e pela professora de relações internacionais Esther Solano Gallego (Unifesp). Segundo o estudo, feito a partir de 541 entrevistas com manifestantes em São Paulo no 12/4, o veículo de imprensa de maior confiança atualmente é a “Veja”, todos os partidos estão em desgraça, os movimentos sociais são malquistos (exceto Vem pra Rua e Brasil Livre), o político de maior credibilidade é Geraldo Alckmin e a jornalista mais confiável no País é Raquel Sherazade. Para essa maioria branca, com nível superior, 30 a 50 anos e renda entre R$ 5 mil e R$ 10 mil mensais, o Brasil é um lugar entre Westeros, o continente mágico de George R.R. Martin, e a Terra-Média, a geografia fantástica de J.R.R. Tolkien. Hoje, arrisco a dizer que a ficção é mais real que o país que parte da classe média escolheu como saco de pancadas.
Pelo menos é o que prova uma pesquisa encabeçada pelo filósofo Pablo Ortellado (USP) e pela professora de relações internacionais Esther Solano Gallego (Unifesp). Segundo o estudo, feito a partir de 541 entrevistas com manifestantes em São Paulo no 12/4, o veículo de imprensa de maior confiança atualmente é a “Veja”, todos os partidos estão em desgraça, os movimentos sociais são malquistos (exceto Vem pra Rua e Brasil Livre), o político de maior credibilidade é Geraldo Alckmin e a jornalista mais confiável no País é Raquel Sherazade. Para essa maioria branca, com nível superior, 30 a 50 anos e renda entre R$ 5 mil e R$ 10 mil mensais, o Brasil é um lugar entre Westeros, o continente mágico de George R.R. Martin, e a Terra-Média, a geografia fantástica de J.R.R. Tolkien. Hoje, arrisco a dizer que a ficção é mais real que o país que parte da classe média escolheu como saco de pancadas.
http://www.opovo.com.br/app/colunas/henriquearaujo/2015/04/16/noticiashenriquearaujo,3423515/classe-media-a-deriva.shtml
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