por Karina Buhr
foto Pri Burr |
Durante algum tempo só me importava com a sua chegada. Não tinha exatamente um controle de qualidade, era principalmente uma maneira de me manter educada, demônio sedado.
Depois te recebia. Braços abertos bruços.
Você era estilo prêmio semibom, superlombra selfie sexo de si mesmo, ego ótimo, bastante hipervalorizado pelo entorno e eu, a essa altura, parecia embarcar na alta do passe e entendia ter uma sorte plena, pelo meu merecimento, pelo bom comportamento.
No dia a dia não via essa figura, assim, tão atenta a minha figura mesma, mesmo conhecendo direitíssimo, era tão mais fácil me camuflar e me deixar quietinha. Dopada. Fluindo.
Até que tinha algo naquele líquido, aquele veneno no copo, que dava uma náusea que curava um pouco mas não deixava, assim, perfeitamente segura de si a pessoa eu.
E a pessoa você era um monstro, mas por que cargas, eu, minha própria monstra de mim, permitia essa vacilação, perda de horizonte, de chão, essa mesquinhez tosca diária. Por que deixava o veneno meu me corroer e ser o seu adubo?
De cabeça baixa aceitando toda merda e seguindo sem freio na destruição das vontades próprias, na preparação do shape de um jeito estranho, nem bonita ficava pra minha opinião.
Até o sapato usava de outro tipo. O comprimento da saia. Até as palavras regulava. Pensava duas vezes antes do palavrão, antes amigo íntimo e adorado, palavrão bronco, sucesso da língua portuguesa, tradução perfeita, idioma campeão.
E logo eu, que parecia tão, mas tão super dona de mim, pras malfadadas línguas, pra opinião social do meio, pequeno meio.
Grande instrutor de passos, o meio.
Chamava-se machismo.
Esse texto estará no livro Desperdiçando Rima, que o selo Fábrica 231, da editora Rocco, lança em abril
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