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quinta-feira, 16 de abril de 2015

PRA NUNCA DESISTIR

Iana Soares

Na vila São José, no Jacarecanga, existe uma passarela vermelha que treme quando passa o trem. Tremem também o sofá, a janela, o copo em cima da mesinha, a gaiola do passarinho, o ventilador sobre o banco, as peças do xadrez no jogo da praça, o muro da casa que era do tio Raimundo, meu padrinho. Tremem a roseira do João e a quadra onde jogam futebol. Sem saber, guardei a sensação no corpo. Hoje comemoro a Fortaleza com a tremedeira que conheci ainda menina. A cidade inteira tremia e eu tremia junto, como se aquilo fosse um jogo, um milagre ou uma prova boba de que tudo está conectado. Por alguns segundos, a vida parecia uma coisa só.

Caminhar na Ponte dos Ingleses também faz tremer. A madeira, o vento, o beijo do namorado, as cordas do violão, o Mara Hope, o frio que dá. O pulo do menino, o azul, o laranja, o rosa, o vermelho e tudo que vibra antes do sol desaparecer. A lua que nasce feito sorriso. Você deve ter outros lugares guardados no corpo.

Alguns talvez não percebam que os prédios históricos que derrubam, as árvores que cortam, os viadutos que erguem, os muros que constroem, as praças que viram cruzamentos, que tudo isso que machuca, também nos faz tremer. Agora de medo. Passamos a caminhar na sintonia das coisas quebradas, dos dias destruídos. Tremo ao lembrar do Alto da Paz, dos jovens assassinados, do Parque do Cocó que nunca regulamentam, do tiro que o Chico levou no braço, da estatística que nos marca como a oitava cidade mais violenta do mundo. Tremo ao saber dos fortalezenses que são favoráveis ao absurdo que é reduzir a maioridade penal.

Nos 289 anos, em vez do tradicional “parabéns pra você”, cantarei os versos do Cidadão Instigado. “Fortaleza eu te conheço, desde o dia em que eu nasci. Foi-se o tempo e a esperança é tudo que eu aprendi. Guardo tudo nas lembranças que é pra nunca desistir”. Fecho os olhos para ver o trem se aproximar. Não posso esquecer que ele sempre vem. Me fará tremer e devolverá o prazer de experimentar uma sensação sempre nova, mas que só faz sentido porque faz vibrar algo antigo e impossível de apagar. Guardo tudo nas lembranças que é pra nunca desistir.

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