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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Aos que sobreviverem a mais este fim

Por Iana Soares

Iana Soares
Há alguns dias venho em intensa contagem regressiva para o fim do mundo. Confesso que passei o ano inteiro sem atentar para a profecia dos deuses, apesar da insistência dos humoristas, das mães e das conversas de elevador. Há uma semana, no entanto, talvez pela proximidade do fim, por já sentir a maresia da grande onda ou a aceleração do derretimento das calotas polares (todos já reparamos na quentura de Fortaleza, só pode ter uma relação imediata com isso), comecei a riscar os dias do meu calendário maia. 

De ontem para hoje, lembrei de muita gente e de mim. Inventei futuros,  planejei felicidades instantâneas. Não sei se escalaria uma montanha. Talvez beijasse o amor tantas vezes adiado. Passaria a noite em Paris. Voltaria a morar na Barcelona que demora a anoitecer e traz estampados os sorrisos da juventude. Mas enquanto fazia listas lembrei que já experimentei o fim do mundo. A memória, com suas asas de borboleta, ronda sob a pele e pousa com seus pés de elefante, feito tsunami. Há quatro anos, quando recebi um diagnóstico da doença que, pelo medo, alguns batizam com apenas duas letras (CA), tive o tal sentimento de apocalipse. Naqueles meses os deuses maias nem davam pitaco, tão confiantes no 21/12/2012.

Depois de duas cirurgias, radioterapia e dezenas de picadas de agulha, o mundo começou outra vez. Passei a experimentar novos sorrisos, cortei o cabelo bem curtinho para enganar o tanto que havia caído e vi o quanto ele ficava bonito assim. Assisti a vários filmes, defendi uma monografia, reforcei amizades, aprendi mais sobre família. Além de cientista social e jornalista, virei fotógrafa. Entendi que o apocalipse sacode as certezas e que o fim do mundo é todo dia. É, sobretudo, uma oportunidade de reinvenção.

Recebi um lindo convite para o fim de hoje: um aniversário à beira da piscina que traz em si um paradoxo. Como é possível comemorar o nascimento e o fim no mesmo brinde? Como já nos alertaram os livros de autoajuda, as frases já ditas pelo Caio Fernando Abreu no Facebook e a própria vida: todo princípio já traz em si o final. Nos esquecemos, temerosos da cena derradeira, que as coisas terminam. Vou comemorar este fim porque é do mundo mudar. Mover-se. É das pessoas estarem à deriva. Derivar-se.

Onde você vai estar no fim do mundo? E quando ele começar outra vez?


http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/12/21/noticiasjornalopiniao,2975839/aos-que-sobreviverem-a-mais-este-fim.shtml

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