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segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Boemia familiar

Por Jéssica Petrucci

Apoio técnico para publicação aqui: Roberto Félix


boemia FAMILIAR

Personalidade forte e querida
no bairro Benfica, seu Chaguinha 
reúne, no seu bar, clientes fiéis há 56 anos

Numa esquina próxima à Praça da Gentilândia, entre as ruas Padre Francisco Pinto e João Gentil, um senhor simples e de respostas rápidas recebe os seus fiéis clientes há 56 anos. Francisco Ferreira Neto é mais que proprietário de bar. O comerciante se tornou símbolo do bairro que ainda tenta respirar boemia e manter o encontros e produções culturais. Conhecedor dos causos da vida, seu Chaguinha, nome de guerra como ele mesmo fala, diz saber quem é cada um que chega à sua porta. “Como vai a senhora? Está tudo bem? E os meninos?” Perguntas corriqueiras na fala de um senhor que insiste em manter a tradição do bom e velho cumprimento personalizado. Sem luxo, mas sempre lotado, o local possui regras. Lá, tem hora para entrar e hora para sair. Só funciona sexta e sábado ou em dias de jogo de futebol. E não é qualquer um que pode se achegar. Primeiro, tem de se apresentar. É assim que ele vai contando e ouvindo histórias entre uma mesa e outra.

  • Destino
Foi a doença do sogro, em 1956, que trouxe Francisco Ferreira Neto ao Ceará, na época com 28 anos, em busca de tratamento. Nem mesmo a cura do parente, levou-o de volta a Buriti dos Lopes, cidade natal, localizada na região de Parnaíba, no Piauí. Decidido a ficar, logo procurou lugar para abrir comércio, atividade que exerce desde a infância. Em 1o de fevereiro do mesmo ano, conseguiu o ponto, um pequeno espaço na Rua Padre Francisco Pinto. Esse endereço passaria a fazer parte de sua vida para sempre. “O meu cunhado Duarte perguntou o que eu ficaria fazendo aqui. Eu disse: vou vender banana, mas não volto”.

  • Caderneta
Na época, juntou-se a seis comerciantes já estabelecidos no bairro e começou a fazer a sua clientela, sendo a maioria trabalhadores da rede ferroviária e do telégrafo. Vendia de tudo. Querosene, carvão, manteiga e carne de jabá. A forma de pagamento: a velha e boa anotação na caderneta, tempos depois substituída pelo cartão de crédito. Cada um anotava o seu nome e pagava depois de 15, 20 dias.

  • Mudança 
Chaguinha comprou o ponto da frente ainda no ano de 1956. Após a morte do dono, os herdeiros queriam colocar uma farmácia, mas resolveram vender e deram preferência a ele. Mal sabiam que aquele lugar funcionaria por mais de 50 anos. O espaço não se tornou logo um bar. A persistência pela mercearia foi mantida graças à ausência dos supermercados, à variedade de suprimentos e à ousadia do comerciante, que até se aproveitou da falta de água encanada naquela época. “Tinha um poço São Francisco, e, todo dia de manhã, mais de 30 carroças saíam para buscar água. Então, já preparava a carne de sol assada para eles. Na volta, era do mesmo jeito”.

  • Vocação
Chaguinha começou cedo a trabalhar. Primeiro na roça e, em seguida, no comércio. Aos 10 anos, precisava ajudar em casa, pois o pai falecera quando ele tinha 9 anos. Eram quatro irmãos para cuidar junto à mãe. Se engana quem pensa que esse homem, hoje, próximo de completar 81 anos, só fez vender nesta vida. Também já aplicou injeção em muita gente. “Não existia farmácia naquele tempo. Então, eu dava injeção onde fosse, na veia, no músculo. Não tinha esse negócio, não. O aparelho era de metal que trocava a seringa. Isso, eu aprendi lá no Piauí”, conta, enquanto cumprimentava uma
conhecida: “Oi, como é que vai? A senhora nunca mais tinha aparecido aqui. Está morando onde? A Vanda já vem. É porque eu estou dando uma entrevista. Agora, sou todo importante”.

  • Família
Mas desse Piauí pouco restou. Hoje, apenas uma irmã ainda mora lá. Em 1957, após se estabelecer em Fortaleza, ele trouxe para a cidade a mãe, irmãos, esposa e filhos. Assim, a família Ferreira adotou o Ceará e daqui nunca mais saiu. Já são 56 anos vivendo na Capital. A ida ao Estado vizinho só era motivada por conta das visitas a parentes. As preferências agora são outras. Não há mais a vontade de ir para onde nasceu. “Aqui é o meu lugar. Em janeiro e na Semana Santa, alugávamos uma van com ar-condicionado, colocava todo mundo dentro, e a gente ia até lá. E tem mais, o motorista ficava esperando. Faço tudo com a minha família. Só vamos tomar banho de mar se for todo mundo junto”.

  • Dificuldades
O advento dos supermercados impactou as mercearias devido à grande oferta de produtos. Os negócios de Chaguinha também foram afetados com a chegada do cartão de crédito, já que os pequenos estabelecimentos ainda não os aceitavam. Por conta das dificuldades, a família vendeu bebidas do lado de fora do Castelão. O gelo ficava numa geladeira de madeira transportada em um Jeep. As idas ao estádio durante quatro anos possibilitou até presenciar a visita do papa João Paulo II a Fortaleza, em julho de 1980.

  • Tira-gosto
Motivado pela redução nas vendas, ele se especializou em tira-gosto. Para uma cerveja gelada, os frequentadores escolhiam entre mão de vaca, panelada e tilápia torrada. Tudo feito até hoje por dona Aradenes, companheira há mais de 56 anos. O cardápio foi acrescido por cinco opções: carne de sol com macaxeira, buchada, carneiro assado e cozido, costela de porco e língua de boi. “Tudo é feito em casa. Aqui no bar é só para esquentar. A comida vem no carro (aquele ali branquinho parado). Mas não dirijo. Não me atrevo”.

  • Clientes
Lembra bem dos primeiros clientes, professores e estudantes da antiga Escola Técnica, hoje, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Sentados ao redor de uma caixa de cerveja para colocar os copos, eles inauguravam um dos bares mais tradicionais de Fortaleza

  • Amizade
Dentre as pessoas importantes que já passaram em seu bar, recorda de Airton Sá Castelo Branco, promotor, secretário do então vice-governador Manoel de Castro e freguês até o dia em que morreu. Outra pessoa renomada citada pelo comerciante foi o ex-governador Gonzaga Mota. “Tenho conhecido na Inglaterra, nos EUA, na Alemanha. Quando estão na cidade, a primeira coisa que eles fazem é vir aqui”.

  • Nostalgia
Das lembranças que trazem à tona o sentimento de saudade estão a mocidade e as boas noitadas de dança. Segundo o comerciante, dançar era o seu forte, não havia um sábado perdido. “Como tinha pouco dinheiro, economizava até na água para conseguir ir às festas”, conta, sorrindo.

  • Honestidade
A personalidade forte, marcada pela maneira de falar, um pouco sem jeito, faz de seu Chaguinha uma figura querida que vai além do Benfica. Pessoas de diferentes lugares vão ao bar conferir o tira-gosto, a cerveja gelada e as histórias contadas por ele. “Tem gente que me chama de seu Lunga (personagem residente em Juazeiro do Norte e famoso pelo mau humor), mas sei que gostam de mim. Quando eu morrer e passar um filho meu na calçada e a turma estiver reunida, quero que falem: “O Chagas, o cabra era grosso, mas era honesto”. Isso que é o mais importante para mim”.

CHAGUINHA: Comerciante
NOME: Francisco Ferreira Neto
NASCEU EM: Buriti dos Lopes (PI)
MORA EM: Fortaleza
IDADE: 80 anos
CASADO COM: Aradenes e pai de Francisco, Socorro, Eunice e Vanda
MARCO NA PROFISSÃO: a compra do imóvel onde funciona hoje o seu bar, no Benfica
DESEJO: continuar à frente do estabelecimento e com sua clientela



http://virtual.diariodonordeste.com.br/home.aspx?edicao=20121209&caderno=H&pagina=1

Um comentário:

Fred disse...

"Bela matéria!! Seu Chaguinha é um verdadeiro patrimônio, não só do Benfica, mas da cidade de Fortaleza!"
Fred