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sábado, 1 de dezembro de 2012

O rio Cocó versus Fortaleza

Por Marcus Vale*

Eu acho engraçado o espanto dos amigos quando lhes digo que moro do outro lado do rio.

"Quê rio?!", retrucam eles.

 De uma maneira geral o fortalezense não tem consciência de que temos um rio. Na verdade, dois, considerando que as barras do Rio Cocó e do Rio Ceará são os dois extremos da zona litorânea mais urbanizada da capital cearense. Atravessar a barra do Rio Ceará, por exemplo, define sua saída para o município de Caucaia. Já a barra do Cocó nos separa da Sabiaguaba, mas o rio já vem do meio da zona urbana do município de Fortaleza. 

Certamente, não se trata de um Amazonas ou um Araguaia. Na verdade, para os padrões amazônicos, nosso velho Cocó, no máximo, não passaria de um pequeno igarapé. 

Mas, mesmo assim, pequenino, são necessárias pontes para atravessá-lo. Portanto, se moro do outro lado do rio, dependo de ponte e ponte não é exatamente o forte de nossa cidade. Assim, meus trajetos para chegar ao trabalho, aos amigos, às principais atrações da cidade, estão diretamente dependentes da localização das poucas pontes existentes. É curioso que a gente não se dê conta disso, apesar de fazermos trajetos aparentemente ilógicos por causa delas. 



Na minha infância e adolescência tinha-se consciência de que a gente precisava atravessar o Cocó para ir até Messejana e de lá ir para boa parte do mundo conhecido. Hoje a cidade ultrapassou a fronteira demarcada pelo Cocó e se expande com rapidez engolindo antigos sítios e fazendas que outrora abasteciam a nossa querida urbe.

 A cidade passou por cima do Cocó sem tomar conhecimento dele, muito embora o velho rio não tenha abdicado do direito de exigir pontes para atravessá-lo. No entanto, a cidade nunca o homenageou com uma ponte de vergonha, bonita, larga e majestosa como, por exemplo, as do Capibaribe, no Recife. Uma das poucas sobre ele localiza-se na BR 116. Ninguém nem se apercebe de que atravessa o Cocó. Se não prestar muita atenção você nem o vê. Parece até que a ponte foi construída com o intuito de escondê-lo. Pobre Cocó.

O desprezo ao nosso rio é grande. Poluído, escondido, apertado, mas mesmo assim sobrevive e nos agracia com seu grande manguezal que durante muito tempo, até os anos setenta, pelo menos, foi explorado como salina. Quem diria que aquele deserto de sal poderia se transformar no maior parque ecológico urbano da América Latina. Foi um grande exemplo de auto-recuperação da natureza. Basta não agredi-la para que ela resolva seus males, sozinha. Mesmo com a criação do parque, é necessário que a população mantenha-se atenta para evitar as invasões cometidas pela voracidade dos empreendimentos imobiliários, como já aconteceu em alguns pontos dele.

Em uma de suas áreas de expansão, dentro de Fortaleza, o Cocó formou um grande lago ao qual a população em geral não tem acesso, nem mesmo visual, posto que, fica rodeado por uma grande favela. Nunca o vi de perto, ao vivo e a cores, mas o observo nos mapas e fotografias aéreas da cidade ou quando viajo de avião. Fica nas imediações da Avenida Raul Barbosa, perto do trecho que dá acesso ao viaduto que nos leva ao aeroporto internacional. Gostaria muito de visitá-lo, mas receio ir lá sem conhecer os riscos que poderia correr. A julgar pelo que vejo da ponte sobre o rio e alguns braços ou canais que se comunicam com ele, não imagino que exista qualquer programa de preservação ambiental e temo que seja usado como lixeira a céu aberto.
Bem que nossos governantes poderiam estudar uma forma da nossa população se beneficiar dessa paisagem ainda desconhecida e tão perto de todos. Claro que não seria uma tarefa muito simples já que envolve não só obras de engenharia, mas também sérias questões sociais/habitacionais. Com certeza, seria uma iniciativa impactante que daria a Fortaleza mais um belo espaço urbano. 

* Marcus Vale é professor da UFC e compositor.

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