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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

NÓS, OS FOLIÕES

POR LUIZ ANTONIO SIMAS

Via Tiago Porto


Estou novo demais para morrer e velho para certo Carnaval de Rua do Rio de Janeiro. Sinto-me uma espécie de folião mico-leão dourado, quase extinto, engolido pelas multidões coreografadas, submerso em materiais de propagandas de empresas que patrocinam a folia e atropelado por caminhões de som com amplificadores capazes de fazer o baticum chegar aos anéis de Saturno.

Não quero jogar água no chope de ninguém, não pretendo reprimir quem quer que seja e acho que no Carnaval vale até bloco de peregrinos do Santo Sepulcro. Tudo se legitima. Confesso, porém, certo desconforto com um tipo que, nos últimos tempos, se transformou em figura fácil no furdunço carioca: o jovem universitário descolado, carioca maneiro, antenado com a cena contemporânea, inquieto, renovador, artista pop, multimídia, que transita do maracatu rural ao rock pós-punk, curte samba-funk e funda, com a rapaziada mais chegada, um bloco eclético que arrasta multidões e toca de tudo – menos a música que a cidade do Rio de Janeiro inventou ao longo de décadas, em belíssima aventura civilizatória, para ser a trilha sonora da libação do Carnaval.

O bloco descolado, moderninho, atacará de Beatles, Wando, Roberto Carlos, Biafra, pagode, Raul Seixas, Legião Urbana, Zezé de Camargo e Luciano, João Paulo e João Paulinho, música étnica afro-indiana... Surdos de marcação convivem com guitarras, tamborins se afinam com baixos potentes, tambores se misturam com intervenções eletrônicas e fica tudo bonito. O bloco vai bombar, oferecer oficina para ritmistas na Fundição Progresso e, ó glória! , participará do Esquenta, aquele programa da Regina Casé que quer nos convencer de que tudo presta, contanto que seja misturado, contemporâneo, colorido e venha da periferia.

Falta-me hoje, também, a paciência para os blocos da Zona Sul que se autodenominam revitalizadores do Carnaval de Rua do Rio de Janeiro. Só se eles revitalizaram o Carnaval de Ipanema, Gávea, Jardim Botânico, Leblon e Lagoa (o que não é pouca coisa). A festa na rua nunca morreu; esteve e está presente nos Clóvis da Zona Oeste, nos coretos suburbanos, nas arengas da Baixada, nos bolas, caciques, boêmios e bafos da Rio Branco... Reunidos em associações, patrocinados por cervejas, disciplinados pelo poder público e pelo apoio Global, os blocões fazem a festa, arrastam multidões, pintam e bordam. Que sejam felizes com esta opção (ou opção não há?) massificadora.

Mas este arrazoado, enfim, não pretende ser análise social, antropológica, histórica, ou coisa que o valha. Muito menos dizer o que cada um deve fazer no tríduo. É apenas a impressão, particularíssima, de um folião que continuará adepto da anárquica aventura do bloco do “eu sozinho”; se comoverá com uma marcha-rancho velha de marré-de-si; cantará, depois de alguns chopes, a Jardineira; descerá o malho nos sambas de enredo acelerados, evocando um lalalaiá do velho Silas de Oliveira; e procurará, com a leve desesperança dos pierrôs tristes, algum bloquinho de rua vagabundo, com suas fanfarras desafinadas, ciganas desvalidas, colombinas assanhadas e ébrios faraós, onde possa experimentar a pequena morte de três dias; aquela que torna suportável o intervalo entre um carnaval e outro.

Evoé!



http://hisbrasileiras.blogspot.com.br/2013/01/nos-os-folioes.html

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