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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O Carnaval que se tem e o que se quer

Por Felipe Araújo

O saudosismo de muitos repete, ano a ano, não existir mais Carnaval em Fortaleza. A insistência de outros tantos mantém a festa popular nas ruas. A cultura, ventania que é, mistura os dois lados em um redemoinho de convivências e reflexões e pergunta: quando a Cidade vai afirmar o Carnaval?

Sim, porque, enquanto houver povo, há folião. “A festa é transgressão, é a subversão das regras do jogo e a instalação de outro tempo, outra ordem, outro sentido. O Carnaval junta todos estes ingredientes e mais o lado dionisíaco”, descreve o professor Gilmar de Carvalho, em texto para o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.

Fortaleza tem Carnaval, ainda que custe (a) afirmá-lo. Seja o Carnaval das saudades, seja o do tempo presente; seja o das marchinhas, seja o do maracatu; seja o das baterias, seja o das palmas; seja o do cortejo, seja o das praças e calçadas; seja o dos sujos, seja o dos reis e rainhas; seja o das fantasias, seja ainda o desejado. Carnaval múltiplo e único, na defesa apaixonada dos que brincam.

“A identidade do Carnaval de Fortaleza é ser diverso, é ser vários carnavais. A ideia de ter uma coisa para vender como produto cultural é o principal erro”, entende o professor Danilo Patrício, um dos organizadores do bloco Sanatório Geral (Gentilândia). “Como folião, o Carnaval que eu gosto é o espontâneo, de rua, da brincadeira, da fantasia”, une.

“É a multiplicidade rítmica”, o compositor e carnavalesco Dilson Pinheiro entra na roda. Ele vem de escolas de samba e maracatus, desde 1978, e, há seis anos, concentra o bloco Num Ispaia Sinão Ienchi no Bar da Mocinha (Praia de Iracema). Dali, observa outro espírito carnavalesco que vai ganhando corpo na Capital: “O fortalezense está se fantasiando novamente. É outra coisa interessante que está acontecendo”.

Nas ruas, o Carnaval de Fortaleza segue dois caminhos (ainda) paralelos – que a atual gestão planeja fazê-los se encontrar, em editais comuns a partir de 2014. Um vai pela avenida Domingos Olímpio, nos três dias oficiais do calendário, levando escolas de samba, blocos, cordões e maracatus. O outro se antecipa e se dispersa pelos bairros, acordando o Carnaval quatro fins de semana antes, com marchinhas e batucadas.

O primeiro é mais antigo. “Pode-se pensar no ano de 1936, como da constituição do bloco Prova de Fogo e do maracatu Az de Ouro. Era uma espécie de institucionalização da festa nos espaços públicos”, sinaliza Gilmar de Carvalho. Já o Pré-Carnaval é mais novo. O marco é a formação da banda Periquito da Madame, em 1980, assinala Dilson Pinheiro que defende: “Temos que acabar com essa palavra ‘Pré-Carnaval’ e fazer um Carnaval maior em Fortaleza”.

Mas não é fácil abolir fronteiras, mesmo as carnavalescas. “Carnaval de rua é o maracatu, os blocos, como As bruxas, os cordões”, identifica Francisco José, presidente do maracatu Rei de Paus – 59 anos de fundação. Para ele, que recebeu a tradição dos pais, “o corso antigo se configurou com os blocos e as agremiações carnavalescas, resistindo à mídia, à internet”.

Também Raimundo Praxedes, presidente do maracatu Nação Baobá, destaca “o domingo (de desfiles) do maracatu” como o “retrato do Carnaval” de Fortaleza. “Quando todo mundo procura fazer a coisa mais bonita, diferente. Existem 13 maracatus (na Capital). E é diferente de todos: do Recife, de Maceió”, completa.

Festa popular por natureza, cabe em mil e um olhares. “É o Carnaval do folião (Pré) e o Carnaval do espectador (oficial). Fazem parte da Cidade, mas são segmentos diferentes, cada qual com suas necessidades”, distingue Eduardo Medeiros, da diretoria da Associação Cultural das Entidades Carnavalescas do Estado do Ceará. Na opinião de Liège Xavier, proprietária da Free Lancer Produções, Fortaleza encontrou “um formato interessante” de se carnavalizar, desdobrando-se em Pré-Carnaval, shows no Aterrinho da Praia de Iracema e os tradicionais desfiles na avenida Domingos Olímpio.

De um ou de tantos modos, o Carnaval que se faça e se recrie “tem que permanecer uma festa democrática, para o povo”, advoga Fernando Bustamante, mestre de bateria e um dos diretores do bloco Unidos da Cachorra (Praia de Iracema). E, adiante, “o Carnaval de Fortaleza é o que consegue vencer esse medo que a gente tem da rua. É atrevido, consegue romper com as coisas que estão dadas e parecem cristalizadas. É o Carnaval que desafia essa recusa da cidade aos seus espaços públicos”, projeta Magela Lima, secretário de Cultura de Fortaleza.

http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2013/02/02/noticiasjornalvidaearte,2999063/o-carnaval-que-se-tem-e-o-que-se-quer.shtml

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