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terça-feira, 29 de março de 2011

A Fortaleza que a Aldeota inventou

 Por Júlia Lopes 

A leste e avante: quando o Centro ficou povoado demais, comercial demais, barulhento demais, as famílias abastadas procuraram a paisagem e o vento fresco do Outeiro. Logo depois, Outeiro era Aldeiota, que se transformava em Aldeota e se estabelecia como o bairro mais nobre da Cidade. Hoje, não mais persiste aquele panorama idílico, mas mantém-se a áurea de glamour e riqueza. Será? O Vida & Arte Cultura lembra as árvores derrubadas pela na esquina da avenida Santos Dumont com Virgílio Távora e lamenta: naquelas calçadas, o pedestre já não tem mais sombra para se esquivar do sol. E haja óculos escuros.

A família Barroso ocupou a primeira casa do que viria a ser a Aldeota. Duas, na verdade: “Eram dois blocos iguais. Sabe-se lá porquê”, pergunta-se Nirez, o memorialista Miguel Ângelo de Azevedo. E ficamos sem resposta. Nós e ele. As duas casas remontam ao começo do século passado, no início da Santos Dumont, logo depois da Dom Manuel, no sentido Centro-praia, à frente do Casarão do Outeiro – que hoje a gente conhece por Colégio Militar. As casas deram início à ocupação da região: foi quando as gentes de Fortaleza aprenderam a empinar nariz e varrer as dores para debaixo do tapete de seus graciosos palacetes. Gente rica de modos aristocráticos.

Logo vieram as outras construções, como a de número 938 da mesma via, abrigando a família de Manuel Ricardo de Holanda a partir de 1919. Ou a Villa Alsace, que no mesmo ano foi adquirida por Myrtil Meyer. É de 1921 o palacete que o empresário Plácido de Carvalho fez para a sua amada Maria Pieirina Rossi. Em 1930, o engenheiro Abel Ribeiro Filho construiu, à moda dos casarões do sul dos Estados Unidos, uma mansão que seria comprada por Deusdedit Vasconcelos. Já na década de 1940, viam-se cada vez mais os bangalôs, como a moradia do médico Luiz Gonzaga da Silveira. Tudo isso quem conta é Marciano Lopes, em seu Mansões, palacetes, solares e bangalôs de Fortaleza.

Moravam os ricos em áreas mais afastadas, mas continuavam espairecendo no Centro, frequentando lugares como o Majestick Palace, que é de 1917, ou nas festas do Clube dos Diários, quando ainda era no Centro. Enquanto isso, a população caminhava em outro rumo. “No mesmo ano da inauguração do Cine Majestic Palace, veio à tona a primeira greve cearense realmente operária, a dos trabalhadores da Light and Power, movimento que se repetiria em 1918, 1925 e 1929”, como escreveu Sebastião Rogério Ponte em seu Fortaleza Belle Époque. Ele conta ainda de como os trabalhadores começaram e fortaleceram um movimento pelos seus direitos.

A classe alta ignorava. Ou, pelo menos, tentava. “O Pirambu vê o mesmo oceano que nós vemos aqui da Aldeota. Bebe o mesmo ar que nós aspiramos. Em certos pontos, os de lá ainda levam vantagens sobre nós: bebem água de coco no pé e nós não bebemos”, dizia, acintoso, Napoleão, um dos personagens misteriosos de Aldeota, livro de Jáder de Carvalho, de 1963. Napoleão comentava, na roda de amigos, o recente levante dos moradores do bairro mais pobre, incomodados com a pobreza excessiva. O livro conta de uma Aldeota enriquecida pelo contrabando e sonegação fiscal, pela roubalheira nunca comprovada, mas sempre sabida de hoje ricas famílias.

“O auge da Aldeota, que já era Nova Aldeota, foi na primeira metade dos 1950, quando surgiram uma série de casas muito bonitas”, descreve Lúcio Brasileiro, colunista social, habitué da high society alencarina desde o primeiro dos seus 55 anos de trabalho. “Eu destaco quatro casas: a de Manuel Porto, de Raul Carneiro, de José Moreira e de Raimundo de Oliveira. Essas quatro casas marcaram socialmente o que se chamava naquela época o final da Santos Dumont”, detalha. A casa de Raimundo de Oliveira, cópia da casa do filme ...E o vento levou é, desde 1974, o Center Um, primeiro shopping da Cidade. Depois disso? “Na década de 1960, a Santos Dumont já não tinha mais aquele charme”, sentencia.

Júlia Lopes
julialopes@opovo.com.br
http://migre.me/48MFl

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