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quarta-feira, 16 de março de 2011

O carnaval troa e o Recife dorme


Ronaldo Correia de Brito
Do Recife (PE)
As cidades se inventam no imaginário dos artistas. Conheci o Recife aos oito anos, muito antes de chegar por aqui, quando meu pai sintonizava a Rádio Clube de Pernambuco, lá na cidade do Crato, distante quase setecentos quilômetros. Uma canção me tocava especialmente, a marcha de bloco composta por Nelson Ferreira, conhecida por Evocação. É claro que só vim saber desses detalhes técnicos bem depois. Achava estranhíssimos os nomes evocados por Nelson:
Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon
Cadê teus blocos famosos
Bloco das Flores, Andaluzas, Pirilampos, Apôs- Fum
Dos carnavais saudosos?
Repeti esses versos durante anos, sem saber o que significavam, apenas pelo encantamento das palavras e a sonoridade da música. Achava misteriosos esses tais Felinto, Pedro Salgado, Guilherme e Fenelon, que ainda hoje não sei quem foram, mas suponho terem sido fundadores de blocos carnavalescos. Em seguida, vinham três versos que excitavam minha imaginação infantil: um retrato de mulheres e homens fantasiados, cheirando lança-perfume e varando madrugadas, cantando e dançando pelas ruas de uma cidade grande e carnavalesca:
Na alta madrugada
O coro entoava
Do bloco a marcha regresso
Que era o sucesso
Dos tempos ideais
Do velho Raul Morais.
E nesses últimos três versos, a clássica nostalgia de tempos ideais, que nunca mais voltarão, esboçando um perfil sombrio e dolorido da cidade que se esbalda em folia e frevo. Raul Morais, o compositor que conheci velho em 1975, já era representado velho em 1957, ano em que a música foi lançada. Dessa maneira, carrega-se nas cores do sentimentalismo, da tristeza e da saudade.
Em mais de sessenta anos de blocos e marchas carnavalescas, quase nada mudou. O recifense, que sempre fez revoluções, não deseja mexer nos seus blocos: Flor da Lira, Banhistas do Pina, da Saudade, Lili, Madeiras, Paraquedistas, Inocentes do Rosarinho, Pierrôs de São José e por aí afora. Deixa tudo como está: "sentindo que a alma chora e o coração fremente diz findou-se o carnaval"; pois nunca mais "hão de voltar os tempos felizes que passou em outros carnavais"; e vai às ruas "dando adeus pra nunca mais sair". Embora retorne todos os anos, "dizendo bem que o Recife tem o carnaval melhor do meu Brasil".
Nostalgia sempre. Nostalgia. Como na Evocação de Nelson Ferreira, que cantou um Recife embalado por melodia triste, num país "deitado eternamente em berço esplêndido".
E Recife adormecia
Ficava a sonhar 
Ao som da triste melodia.
Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu FacaLivro dos Homens e Galiléia.
essa é do terra magazine - http://migre.me/43skQ

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