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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Decano da Boemia


Um post (Talabarte) puxa o outro - da série Recordar é viver.
 
Matéria publicada no Diário do Nordeste, 03 de fevereiro de 2006, por Tiago Coutinho.

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Decano da Boemia 
Tiago Coutinho
especial para o Caderno 3
A história de Fortaleza passa por este bar. São 50 anos de vivência e boemia que merecem celebração. O Bar do Chaguinha comemora hoje, com amigos, clientes e familiares, o seu cinqüentenário. A festa começa no início da noite e não tem hora para acabar

Luís Henrique, representante de equipamentos médicos, chegou, num sábado, por volta do meio dia, ao bar do Chaguinha. O bar ainda estava vazio. Sentou-se ao balcão e pediu uma cerveja. Bem mais tarde, quando o bar já se encontrava lotado, Luís resolve pedir um tira-gosto. Devido ao movimento intenso, o prato demorou a chegar. Luís, como de costume, brinca com “seu” Chaguinha, dono do bar, e insiste no pedido. “Seu” Chaguinha, irascível, grita: “Ora, você chegou aqui faz é tempo, o bar tava vazio e não pediu nada. Agora que tá lotado, você fica perturbando. Pois fique esperando”. O fato ocorreu há seis anos.

Com esse jeito sincero, que às vezes se confunde com grosseria, “seu” Chaguinha consegue manter o seu pequeno bar há exatos 50 anos. “Claro que sou assim mesmo, não tenha dúvida, você acha que eu conseguiria manter esse tempo todo o meu bar se eu não botasse moral?”, responde aos desavisados. Mas, ao invés de diminuir a clientela, o seu comportamento peculiar cativa ainda mais os freqüentadores do local. “Hoje, valoriza-se muito mais a autenticidade, a transparência, essa maneira natural de tratar as pessoas. Esse é o grande mérito do Chaguinha”, afirma Antônio Rosa, freqüentador assíduo há mais de 10 anos.

Nesses 50 anos, muitas histórias se passaram por ali. Tudo começou em 56. Quando Francisco Ferreira Neto, até então vendedor de loja, veio do Piauí, acompanhado da esposa Aradenis, trazer o sogro para um tratamento médico em Fortaleza. Desde então, não saiu mais da cidade. “Quando meu sogro quis voltar pro Piauí, eu disse que daqui não saía. Ele me perguntou como eu ia viver na cidade. Eu respondi que venderia até banana, mas ia ficar aqui em Fortaleza”, lembra.

Com a ajuda do cunhado, Antônio Duarte, “seu” Chaguinha encontrou um local no Benfica e montou um pequeno negócio. “Era uma mercearia que vendia de tudo: charque, cereal, toucinho. Mas com o tempo, começaram a surgir os supermercados que vendiam mais barato do que eu. Aí comecei a vender umas cervejinhas e diminuí a mercearia”, explica.

No começo, nem mesas existiam no bar. Os moradores das redondezas bebiam e comiam em cima das pilhas vazias de caixas de cerveja, sentados em pequenos bancos de madeira. Aos poucos, o bar foi se vigorando. As mesas surgiram, mas o espaço físico e a lógica de atendimento continuam os mesmos. Ainda hoje, todo o cardápio é feito por dona Aradenis na casa do Chaguinha, no Jardim América. Quem atende é o próprio “seu” Chaguinha com a ajuda da filha caçula Vanda.

Aos 74 anos, Chaguinha não dispensa nenhum dia de trabalho. “É essa atividade diária que me garante esse espírito jovial. Eu gosto muito desse ramo”, explica. O bar funciona quase todos os dias, com exceção dos domingos, dia do descanso. Os horários são distintos. Segunda e terça-feira, o bar abre pela manhã, das 8 às 14 horas. “Na verdade, eu venho mais para limpar aqui e conversar com os amigos, mas quem quiser tomar uma cervejinha, pode. Só não tem tira-gosto”. De quarta à sexta, os tira-gostos aparecem no cardápio. “Seu” Chaguinha abre às 18 horas e só fecha quando o último cliente for embora.

Aos sábados, o local funciona mais cedo, às 10 horas já se pode pedir uma cervejinha gelada. E mais. São vários outras opções para degustar: mão de vaca, língua de boi, carneiro cozido e assado, carne de porco, panelada. Para acompanhar, porções de arroz e Maria Isabel (arroz com carne de sol). “Muita gente vem com a família almoçar por aqui, é uma maravilha”, orgulha-se.

No seu cotidiano, “seu” Chaguinha cultivou diversas amizades. Muitas delas, inclusive, já se foram. “Não vou citar o nome de todos os meus amigos porque são muitos, mas talvez eu faça uma homenagem especial a eles na hora da festa”. Os amigos são muitos. Eles organizaram a festa. “Sinto-me um cara realizado, diante desta homenagem. Quero viver cada dia com a felicidade que Deus me der”.

Um dos organizadores da festa é Elmo Vasconcelos, professor do curso de Geografia da UECE e morador do Benfica desde menino. “Conheci o pai do Elmo quando ainda namorava. Hoje, o Elmo é meu amigo, já tem filhos. E como ele, existem muitos outros”, comenta “seu” Chaguinha.

Elmo, além de morar, também pesquisa o bairro. Em 1999, defendeu a dissertação de mestrado em Geografia intitulada “Quem é de Benfica: o bairro como lugar de sociabilidade e espaço das práticas de resistência”.

No capítulo sobre a sociabilidade do bairro, há um destaque especial para o bar do Chaguinha. “Mais do que atendimento e sofisticação, quem freqüenta este bar, busca o consumo de histórias, o lúdico do local”, afirma.

Na festa de hoje, organizada por Elmo e outros freqüentadores do bar, as ruas do quarteirão serão fechadas e haverá uma banda tocando marchinhas de carnaval e também a animação das músicas do grupo que toca violão todas as sextas-feiras no bar há pelo menos seis anos. É diversão garantida.



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