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domingo, 5 de setembro de 2010

Devolvam meu samba - Fausto Wolff



A força, a vulgaridade, a violência, a mediocridade, o fim do ludicismo sensual, a cafajestada e mais companhias gravadoras sanguessugas roubaram toda a nossa música. Vocês, patéticas autoridades, serão responsáveis pelo que vem acontecendo de 64 para cá. A cultura que não é popular não é cultura, é experimentalismo burguês ou cocô puro. Outro dia um taxista de seus 50 anos disse-me que não sabia quem era Noel. Se um jovem taxista não soubesse quem foi Mozart? Se era da seleção?


Ontem de madrugada, enquanto crianças morriam de fome no Brasil e de bala na Rússia e na Bósnia, eu cantarolava músicas nossas enquanto elas pousavam como passarinhos no meu coração. Não queria falar de Olimpíada porque o que vem de mediocridade por aí até masoquista reclama. Infelizmente, faltaram-se alguns engradados para não lembrar de todos os autores. Desculpem, mas estou triste. Não dói nunca, mas não pára de doer. Comecei a cantarolar em frente ao computador e saíram essas composições que adoro e cujo mérito não está na ordem.

Caía a tarde feito um viaduto e um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos...

Fracassei novamente e sonhei e sonhei em vão e você francamente, decididamente, não tem coração

Se você disser, que me tem amor, eu posso me regenerar, mas se é para fingir, mulher, a orgia eu assim não vou deixar....

Quem é você que não sabe o que diz? Meu Deus do céu que palpite infeliz

Doutor de anedota e de champanhota, estou acontecendo no café society, só digo enchenté, very mercy all raite. Troquei a luz da lua pela luz da light...

O nosso amor vai ser assim, eu pra você, você pra mim...

Aos pés da Santa Cruz, você se ajoelhou, em nome de Jesus um belo amor você jurou; jurou mas não cumpriu, mentiu e me enganou, pra mim você mentiu, pra Deus vocês pecou...

Tire seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor...

Foi numa leva que a cabocla Maringá/ ficou sendo a retirante que mais dava o que falar/ e junto dela veio alguém que sussurrou/ pra que nunca se esquecesse de um caboclo que ficou

Mulata, deusa do meu samba, rainha do meu carnaval..

A deusa da minha rua tem os olhos onde a lua costuma se embriagar...

Paquetá é um céu profundo que começa neste mundo e não sabe onde acabar.

Quem há de dizer que quem vocês estão vendo naquela mesa bebendo é meu querido amor...

Vestida de azul e branco, trazendo um sorriso franco
Num rostinho encantador, ai amor...

Se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí, levando o violão debaixo do braço...

O sol amanheceu cantando, toda a cidade amanheceu em flor, os passarinhos vão pra rua aos bandos pois a primavera é o coração do amor...

Lá no Morro da Mangueira bem aos pés da ribanceira, uma cruz a gente vê. Quem fincou foi a Rosinha, a cabrocha de alta linha que no olhar tem seu não sei o quê... E onde é que se encontram o passado, o futuro e o presente? Na Mangueira, minha gente, onde o samba é permanente....

A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor. Brilha tranquila, depois de leve oscila e cai como uma lágrima de amor..

Eu não sabia que doía tanto uma mesa num canto e um bandolim...

Deixa em paz meu coração, ele é um pote até aqui de mágoa, e qualquer desatenção, faça não, pode ser a gota d’água.

Ponha a mão na consciência, rapaz, e veja o mal que você faz.

Você sabe bem, palmeira do mangue não cresce na areia de Copacabana.

Cada paralelepípedo da velha cidade vai se arrepiar.

No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo, onde a dor e a saudade, falam coisas da cidade.

Mangueira, onde é que estão os tamborins ó nega, viver somente de cartaz não chega, bota as pastoras na avenida, Mangueira querida.

Já podeis da pátria filhos, ver contente a mãe gentil.

Maria Madalena dos Anzóis Pereira, teus olhos têm a cor da flor de laranjeira.

Um lindo apartamento com porteiro e elevador, com ar refrigerador para os dias de calor, madame antes do nome, você teria agora, ô, ô, ô, Aurora.

Enquanto a onça lá na verde capoeira, passa uma hora inteira, vendo a lua a meditar.

Vestida de noiva, de véu e grinalda, lá vai Esmeralda casar na igreja.

És malandrinha, não precisas trabalhar.

Tem até trouxa nesse samba se arrumando.

Sorriu para min, não disse nada, porém, fez um jeitinho de quem quer voltar.

Que será, da luz difusa do abajur lilás?

Vento do mar no meu rosto e o sol a secar, secar. Calçada cheia de gente a me ver passar, passar. Rio de Janeiro, gosto de você.

Quem roubou meu violão de estimação, foi ela. Quem zombou de mim sem ter razão, foi ela.

Adeus Guacyra, meu pedacinho de serra, meu pé de terra que nem Deus sabe onde está.

Foi em Diamantina, onde nasceu JK, que a princesa Leopoldina, arresolveu se casar.

Foi um rio que passou em minha vida.

João Valentão é brigão, pra dar bofetão, não presta atenção, e nem pensa na vida.

Vem moreninha; vem tentação, não fiques assim tão sozinha, que uma andorinha só não faz verão.

Quem não gosta de samba, bom sujeito não é.

Meu coração, não sei por que, bate feliz, quando te vê.

Esta canção, pensando bem, no olhar do rouxinol, é o nosso amor também.

Eu sou o samba, a voz do morro sou eu mesmo, sim senhor, quero mostrar ao mundo que tenho valor, eu sou o rei do terreiro.

Até amanhã, se Deus quiser, se não chover, eu volto pra te ver, ó mulher.

Um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos.

No futuro, um dia, aquele mesmo teto, uma outra vida abrigaria, fracassei novamente, e sonhei e sonhei em vão, e você francamente, decididamente, não tem coração.



Fausto Wolff no Jornal do Brasil, dias 13 e 14 de agosto de 2008.







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