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domingo, 26 de setembro de 2010

Os palhaços e a anarquia política - Érico Firmo




 Você deve ter visto e, se não, deveria ver. Em uma das cenas, dá-se o seguinte. O palhaço se dirige a seu perplexo interlocutor. “Se você introduz um pouco de anarquia, perturba a ordem vigente e tudo se torna caos”. E acrescente: “Eu sou o agente do caos”. O personagem em questão é o Coringa, vivido pelo saudoso Heath Ledger, no filme Batman, o cavaleiro das trevas. Ele fala ao promotor Harvey Dent, o Duas Caras, sobre seu método de subverter o planejado, interromper o previsto.

Não sei, mas talvez seja algo que tenha a ver com os palhaços. O discurso sócio-anárquico do vilão de Batman ajuda a lançar um olhar sobre o mais pitoresco fenômeno dessas eleições: o também palhaço Tiririca. Não que o cearense de Itapipoca tenha qualquer relação, até onde se saiba, com metralhadoras e dinamites. Ou mesmo que tenha a eloquência do personagem de Ledger para expor seus propósitos. Na verdade, nem se trata de algo, no caso de Tiririca, proposital.

Mas, em sua tentativa de fazer rir e transformar riso em votos, acaba incorporando elementos que “anarquizam” a política, dignos das ideias do Coringa. Tudo intuitivo, na verdade. E o objetivo final é aquele de todos os políticos, até os sem graça: eleger-se. Por isso, não é uma candidatura de protesto, longe disso. É antes uma gozação para atrair simpatia do eleitor. Mas, por linhas tortas, há em Tiririca um pouco de agente involuntário do caos.

O palhaço candidato do PR transforma em piada o que para os demais políticos são cânones do marketing. Tira sarro do que os colegas – os candidatos, nesse caso – dizem com ar solene no horário eleitoral. Entre seus discursos mais famosos, diz que não faz ideia do que é o trabalho ao qual se candidata. 

Fala ainda, de peito aberto, sobre a intenção de se eleger para ajudar sua família. Sua campanha e uma grande chacota. Os eleitores parecem estar adorando, embora ele não seja capaz de apresentar ao um motivo razoável sequer para se votar nele – com exceção, talvez, de quando diz: “Vote em mim senão eu vou morrer”.

Provavelmente não haja melhor exemplo da chacota com o que para os outros é estratégia muito bem planejada que quando colocou no ar um casal fantasiado de palhaços, que apresenta como seus pais. “Todo mundo está mostrando sua família, as pessoas se comovem com família na televisão”, provoca.

Enquanto muita gente se diverte e alguns espertalhões tentam se aproveitar da sua popularidade, a candidatura de Tiririca causa reações preocupadas de muita gente. Outro dia, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, disse que a postura do humorista é “deboche com a democracia”.

Engana-se o ministro. Debocha com a democracia quem já pratica o nepotismo por aí afora, mesmo sem aparecer na TV dizendo isso. Debocha da democracia a legião de picaretas que faz discurso empolado, mas cujas práticas são a personificação do atraso. Tiririca faz rir e ganha simpatia porque ironiza aspectos muito reais da vida pública brasileira. O problema está na realidade, não em quem faz dela piada.

Jamais votaria em um candidato como Tiririca e tampouco este colunista acredita que “pior que está não fica”, como ele afirma. Convém sempre não subestimar essa gente.
Daí a transformar Tiririca em retrato da decadência política brasileira... Teve gente que chegou antes dele para assumir esse lugar.

Cadê a campanha?
Há um tipo de campanha que virou espécie em extinção, rara feito mula-sem-cabeça e político que não faz casuísmo. Sumiram os adesivos em carros. Não os extravagantes, que ganham as ruas mediante uns trocados pagos pelos comitês. Esses são cada vez mais comuns, vistosos e feios. Estão em toda parte.

Mas sumiram aqueles adesivos pequenos, mais discretos, que costumavam estar na maioria dos veículos em épocas de eleição. Era o apoio espontâneo.
Diferentemente dos outdoors disfarçados, que tomam toda a traseira ou, às vezes, cobrem o carro inteiro. Prática esta última que vem sendo até coibida pelas autoridades eleitorais. Um tipo de campanha que o cidadão comum, em regra, não colocaria de jeito nenhum no próprio carro, salvo se o candidato fosse a própria mãe, o próprio filho, ou se estivesse lhe pagando bem. Não necessariamente nesta ordem.

Érico Firmo
ericofirmo@opovo.com.br

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