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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Acende e Passa

Por Júlia Lopes



Foto Rafael Cavalcante
Surpresas de uma cidade – por vezes de uma forma bem silenciosa, misteriosa até, que zomba com a desatenção nossa de cada dia. Um sujeito, que ninguém viu, nem sabe quem é, se homem ou mulher, menino ou o quê, deve ter pego um cavalete (daqui a pouco o leitor há de concordar) e pintou uma folhinha no “verde” do semáforo da avenida Visconde do Rio Branco com a rua Padre Valdevino, quando a primeira encontra a Aguanambi, fechando a bifurcação.

O semáforo é daqueles de chão (daí o cavalete) e a pintura parece (impossível afirmar com precisão) ser feita de tinta spray. Um adesivo simples, na forma da folha da cannabis sativa ajudou a definir a forma que ali ficou, há cerca de três meses. Quase quatro, talvez. Mais que dois, com certeza.

“Eu fiquei na minha. Achei estranho, porque geralmente ou é redondo ou tem aquele bonequinho de atravessar a rua. Desses aí, eu nunca vi, não”, se espantou a estudante Ana Carine Ferreira, 17. Raissa Martins, 18, ia ao lado, avoada que só ela, nem prestou atenção: “Gente, eu sou muito dispersa. Não vi nada”. E voltaram caminhando à casa da tia, residente das redondezas.

“Era só o que faltava”, comentou o motorista de ônibus, avexado com o dito sinal – mais pela pressa que pela curiosidade. Comandando uma linha freguesa daquela via, ele nunca tinha atentado para a mudança. Queria até saber se era como aqueles que tem uma bicicleta desenhada. Era não.

O Osmanir, que é Alves Ferreira e dono do restaurante na pontinha de quadra que se forma com a junção da Visconde com a Aguanambi, não tinha tanto tempo para conversas na última segunda-feira, pelo começo do expediente. Ele, que mora em cima do estabelecimento, não prestou atenção na marca do semáforo.

Com muito serviço, que impedia delongas, se disse contra as drogas, e a liberação delas. “É bom fazer essa pesquisa, pra tirar. Agora, se for pra liberar, eu estou fora”, declarou, solene. Por dois anos, o pagode do lugar transcorria bem, mas uma briga, grande, feia, deixou três “com a cabeça quebrada” e um prejuízo de R$ 3 mil. Ele está certo de que foi coisa de gangue e droga.

Se o dono não viu, parte da clientela viu. Aurélio Oliveira, 32, e Paulo Basílio, 23, almoçavam com os colegas da oficina de carros ali do lado e todo mundo comentou o ocorrido. “Eram uns seis meninos (almoçando). E tinha um que era especialista, tirou até foto”, brincam. Uma cliente da oficina ficou deveras intrigada e resolveu dar uma olhadinha de perto. Lá se vem ela de volta. “Não, isso não é desenho”, explica. “É que ficou sujo e o sujo penetrou por cima da luz. Mas isso é só sujo”. Será?

“É legal o cara ter essa ideia”, imagina Basílio, que não é primo de ninguém dessa história. “Isso é coisa de desocupado”, repreendeu Aurélio, que até agora não fez nenhum dicionário, enquanto voltava a cabeça para a conversa. E logo mudou de ideia: “Mas é legal, sim”.

O Jovenildo dos Santos, 27, que também trabalha ali perto, imagina que tenha sido um pichador mesmo, já que “eles picham os lugares mais difíceis”. Ele não tinha reparado na folhinha. E todo mundo da empresa ficou com um olhar curioso quando soube do chiste. Os colegas de trabalho, José Nildo, 27, e Francisco Wellington, 23, acharam graça. Um tinha visto, o outro, não. Mas aí foi o jeito continuar o trabalho, satisfeitos com aquele tempinho de distração. Com o carro estacionado na Visconde do Rio Branco, a professora Tereza Esteves, da escola ali do lado, sugeriu uma discussão mais ampliada sobre o tema, “para não estimular essa alusão”.

Nem a turma de um lado, nem a turma do outro fazia ideia de quem tenha sido o pintor. Chegamos, nós todos, à conclusão de que seria impossível empreender tal façanha à luz do dia, porque depredar o patrimônio público é ilegal, como lembrou Aurélio. De madrugada, provavelmente. Que tenha um spray à mão, uma ideia na cabeça e algum tempo livre. Ou seja: quase meio mundo. “Mas vai ser difícil, viu”, desestimula o Aurélio. De qualquer forma, a gente teima. E jura que não conta para ninguém.

Um comentário:

Rda. Neuma disse...

Com certeza essa "obra" foi feita por uma pessoa que concorda com a liberação da maconha, pois se fosse um protesto à sua liberação, ele(a) o
teria feito no sinal vermelho!