Por Pedro Alexandre Sanches
Novo Chico Buarque traz letras tristes e mulheres malvadas.
Já faz uns 13 anos que ouvir um disco novo de Chico Buarque é tarefa penosa. Desde As Cidades (1998), as poucas canções inéditas que ele apresenta são quase sempre tristes, dolorosamente tristes. O novo e conciso Chico (dez músicas em 31 minutos) não é diferente, e soa até mais profundo na melancolia, à medida que traz para a canção a atmosfera entre sufocante e absurda dos romances que passou a lançar em 1991.
Os jogos de espelhos entre identidades esburacadas aparecem, por exemplo, na segunda faixa, Rubato, em que três compositores digladiam-se, cada um roubando a estrofe do outro e transformando a musa da canção de Aurora em Amora em Teodora. O tema volta espelhado na penúltima faixa, Barafunda, num ardil cruel que esfumaça memórias: Era Aurora/ não, era Aurélia/ ou era Ariela/ não lembro agora. Salve este samba antes que o esquecimento/ baixe seu manto, seu manto cinzento. A conclusão vem soluçante e sabedora de ser uma gota em colossal oceano.
A tristeza é mote interdito de Sem Você 2, em que outro compositor dá continuidade a Sem Você, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, lançada por Lenita Bruno e por Sylvia Telles em 1959, quando a bossa nova ainda se permitia chafurdar na fossa de termos como “desespero”, “solidão”, “sofrimento”. A versão de Chico é menos dramática, mas a sombra dos pais ausentes está toda lá.
Menos antigo que a bossa de Tom e Vinicius é o afro-samba de João Bosco, retomado na parceria e dueto Sinhá, cuja última estrofe (também a última do CD) diz muito sobre Chico Buarque. A letra engenhosa, sobre um escravo punido por admirar sinhá despida, flagra uma figura malvada de mulher, figura recorrente neste CD de um autor muito amado pelas mulheres.
Muito se repete, com certo gosto, que Chico fez A Banda em 1966 e nunca mais quis voltar a cantá-la. Mas Rubato evoca de longe A Banda, como há ecos de Construção e Cotidiano (1971) em Querido Diário. Rubato não tem a ingenuidade de A Banda, assim como o tom engajado das canções de 1971 foi, este sim, banido da obra de Chico há quase 20 anos. Mas Aurora, Amora, Teodora, Aurélia, Amélia estão, todas elas, escondidas, atocaiadas, ali dentro de Chico.
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