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quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O grito das margaridas

Por Paula Thomaz

Elas não usam computadores, iPads, nem trabalham em escritórios de grandes corporações. São mulheres que têm como principal ferramenta de trabalho enxada, bacias, linhas de pesca e vivem da terra e da floresta. Politicamente organizadas, gritam por seus direitos. E se reúnem em Brasília, desde terça-feira 16, para a Marcha das Margaridas. Na 4ª edição do movimento, organizado de boca em boca – entre associações e em visitas em comunidades – a manifestação leva ao Congresso Nacional uma pauta de reivindicações em busca de visibilidade, reconhecimento social e político e de cidadania plena.

O movimento, de acordo com a coordenadora da Marcha, Carmen Foro, traduz o conjunto de desigualdades que a sociedade vive, que acontece com as mulheres de maneira geral, mas com um recorte no campo que mostra uma situação de forma mais agravada. “No campo, por conta do estado brasileiro ter ficado ausente por muito tempo, as mulheres vivem em condição de maior pobreza e de maior falta de acesso às políticas básicas de suas vidas. Seja ela de saúde ou de educação”.


Coordenada pelo Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais composto pela Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag) e por 27 Federações (Fetag’s) e mais de 4000 sindicatos, a Marcha das Margaridas se consolidou na luta contra a fome, a pobreza e a violência sexista. Sua agenda política de 2011 tem como lema desenvolvimento sustentável com justiça, autonomia, igualdade e liberdade. São agricultoras familiares, assentadas, quebradeiras de coco, pescadoras, quilombolas, mulheres do campo, das águas e das florestas que formam um mosaico de grande identidade política entre as trabalhadoras rurais.

“Nós temos um preconceito muito grande de pensar que, porque são trabalhadoras rurais, não têm poder de mobilização e consciência política. A consciência vem da prática cotidiana, das dificuldades. E elas acabam entrando para uma discussão extremamente complexa, porque no cotidiano, ela necessita que se defenda uma vida mais saudável, uma produção sem agrotóxico, um agroextrativismo mais consciente da questão da floresta viva. Isso é uma questão de sobrevivência e de sobrevivência vira uma pauta de discussão política. A gente acaba discutindo isso mais no âmbito das universidades ou da mídia, mas elas sentem isso na pele”, diz a socióloga e historiadora especialista em gênero Rosana Schwartz.

A coordenadora da Marcha faz coro dessa afirmação, concluindo que é a partir da realidade que as trabalhadoras rurais fazem uma proposição concreta para a saúde, por exemplo. “À luz dessa realidade nós somos capazes de fazer uma articulação nacional e fazer uma mobilização que tenha uma expressão política. Depois de mais de 500 anos de história do Brasil, nós mulheres e homens elegemos a primeira mulher presidenta da República. Esse é um momento de maior força que nós podemos ter para que questões que parecem naturalizadas, saltem para a prática e para a agenda política do governo de uma mulher. Na verdade esse é o sentido de pressão que nós queremos fazer com a marcha das margaridas”.

Antes de chegar a Brasília, as delegações de mulheres rurais que participam da Marcha das Margaridas se encontraram no meio do caminho, realizando atos políticos nas regiões do Nordeste, Norte-Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, coordenados pelas federações de trabalhadores e trabalhadoras rurais de todo o país.
“Cruzamos estradas, rios e céus do Brasil em marcha para transformar nossas vidas e de outras tantas mulheres”, fala Carmen.
As mobilizações que partiram de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Roraima dão visibilidade à luta da mulheres nessas regiões ao denunciar as diversas formas de exclusão e violência.

As Federações de Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura dos Estados da Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba, Alagoas, Piauí e Sergipe realizaram na tarde de segunda-feira, na cidade de Barreiras, a 853 km de Salvador, um ato político com a presença estimada de 10 mil mulheres.
As representações de nove estados nordestinos vão denunciar a agressão e a invasão do agronegócio nas cidades da região, destacando que em Barreiras é onde se dá uma grande concentração do agronegócio, com ocupação de terras para o plantio de soja.

Além disso, as mulheres denunciam também a violência da qual são vítimas, referindo-se aos conflitos nas áreas quilombolas e aos frequentes assassinatos de lideranças sindicais em seus respectivos Estados.

Por que Margaridas?

A maior mobilização de mulheres trabalhadoras rurais do campo e da floresta do Brasil tem esse nome como uma forma de homenagear a trabalhadora rural e líder sindical Margarida Maria Alves.

Ela é um grande símbolo da luta das mulheres por terra, trabalho, igualdade, justiça e dignidade. Rompeu com padrões tradicionais de gênero ao ocupar por 12 anos a presidência do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alagoa Grande, estado da Paraíba. À frente do sindicato fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural. A sua trajetória sindical foi marcada pela luta contra a exploração, pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, contra o analfabetismo e pela reforma agrária. Margarida Alves foi brutalmente assassinada pelos usineiros da Paraíba em 12 de agosto de 1983.

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