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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Diante da dor dos outros

Por Magela Lima 


A ensaísta norte-americana Susan Sontag, num de seus últimos títulos, olha o pavor em torno do ataque às torres gêmeas do World Trade Center e conclui que a memória e a sensibilidade na contemporaneidade deixam de ser episódicas para ser imagéticas. Assim, a gente deixaria de lembrar ou atentar os fatos por eles mesmos e passaria a deslocá-los no tempo ou identificá-los pela força de suas imagens. Na verdade, ela não diz nada de novo. Hiroshima e Nagasaki já tinham sinalizado para isso. A queda do muro de Berlim também.

Sontag, porém, flagra um momento de ápice. Fico pensando eu, onde foi parar a nossa capacidade de indignação. Se a memória e a sensibilidade demandam grandes catástrofes, o que dizer da revolta? É nisso que penso, por exemplo, quando sou forçado a me deparar com um escândalo como esse envolvendo uma verba destinada para a construção de banheiros populares aqui no Ceará. Definitivamente, a gente perdeu o respeito diante da dor dos outros. Tirar algo de quem já não tem é tão escabroso que deveria ser coagido, reprimido e punido como muito mais vigor.

O dicionário recomenda classificar como furto uma ação indevida de apropriação sem uso da violência. Já assalto seria um roubo com uso da força. A mim, me faltam palavras para classificar esse desvio vergonhoso de verba de tão violento que ele é. Subtrair de uma parcela da população, carente de tudo, o direito de uma melhoria nas condições sanitárias do seu cotidiano é algo só comparável a roubar dinheiro de merenda escolar ou destinado a compra de remédios para vítimas de doenças crônicas. É um absurdo.

Um banheiro, por mais modesto que seja, na vida modesta de uma pessoa qualquer, é algo que promove uma mudança extraordinária. Além de agregar uma perspectiva de higiene pessoal, muda substancialmente a condição coletiva, pública. Não é firula, é qualidade de vida, é saúde. Quem não enxerga isso certamente não é capaz de ver o mundo para além do próprio umbigo. Ou, o que é pior: do próprio bolso. É inaceitável imaginar que, em pleno século XXI, a gente ainda conviva com necessidades tão básicas sendo subjugadas a interesses tão escusos.

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