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sexta-feira, 10 de junho de 2011

80 anos - JOÃO E OS INSETOS


Por Rogério Lama

Algumas pessoas deixam marcas tão indeléveis e impregnantes na linguagem artística, que aqueles que nascem nas gerações seguintes e não vivenciaram o impacto de suas criações, conseguem passar ilesos a qualquer grau de arrebatamento. É uma letargia curiosa, pois denota que se passou tanto tempo bebendo do ecos de suas criações, que quando se ouve a fonte, é como se tivesse ouvido a vida toda, ou como disseram Chico e Edu na Valsa Brasileira: “...chegando assim, mil dias antes de te conhecer...”. 


Sim, é possível que você passe pela vida sem ter posto um "Sgt. Peppers" ou um "Amoroso" no toca-discos, que ainda assim você terá ouvido muito dos Beatles e de João Gilberto.
Perda de tempo reivindicar a primazia do Rock aos Beach Boys, Stones ou Spooky Tooth. Nem tampouco dizer que Orlando Silva e Mário Reis inventaram a forma bossanovística de cantar, ou ainda que foram Garoto e Laurindo de Almeida que forjaram o violão de João. Nenhum desses fez outra coisa, que não exprimir a amalgama de suas experiências. O que Beatles e João fizeram foi cristalizar definitivamente um formato. Uma espécie de receita de bolo que vem sendo repetida há meio século. Basta ouvir Long Way do Queen ou The Gnome do Pink Floyd pra dizer: “Essa ai os Beatles se esqueceram de compor”. Com o João não é diferente. Vide Paulinho da Viola, Chico Buarque e João Donato. 

Coitado de quem não gosta de João: ele estampa boa parte da música feita no Brasil desde que saiu do interior da Bahia rumo ao Rio de Janeiro.

João, por mais absurdo que pareça (e é), ainda é tachado de estrela. Logo ele que sempre priorizou a arte e os artistas. Gravou sambas de Herivelto Martins e Geraldo Pereira, num tempo em que o samba não gozava do status que tem hoje. Sua harmonia foi um tapa na excessiva verticalização que o samba vivia na época e além de tudo é o músico que mais respeitou o seu público em toda a nossa história. 

Que razão ele teria para regravar seguidamente músicas como Chega de Saudade, senão pelo desespero de re-lapidar uma jóia para dar ao público uma música mais próxima possível do ideal platônico.

E o que dizer de suas reclamações em palco? O cara ensaia exaustivamente, assina um contrato onde, à exceção do cachê, tudo privilegia o público: ar condicionado não pode, amplificadores específicos, microfone AKG de modelo específico. Quem ganha com essas exigências? Acredite, são os que mais reclamam.  Como ele mesmo disse “Os caras não lêem o contrato e eu é que me exponho”.

Há alguns anos, o grande Yamandu Costa disse que João era um gênio, mas não era violonista... João completa 80 anos em 2011 e ainda gera controvérsia, que é um traço bem típico de quem revira as coisas de ponta cabeça. Yamandu sabe o que é isso.
Ouvir João continua sendo pra mim uma experiência lisérgica. Suas linhas de melodia, ritmo e harmonia aparentemente independentes que se tangenciam em momentos pré-determinados ainda dão aquele frio na barriga de quem desce uma montanha russa.

Longa vida à João Gilberto e à música brasileira.

2 comentários:

Alfredo Pessoa disse...

Belo artigo/ensaio sobre João e a música...gostei da frase e do significado..."coitado de quem não gosta de João". Concordo inetiramente. Gosta mesmo sem saber como vc falou.

Parabéns,

Alfredo.

ademar amancio disse...

Será que joão é tudo isso mesmo?me parece que depois dele a arte de cantar foi desvalorizada,afinal sussurrar não é cantar.