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terça-feira, 29 de setembro de 2015

Quem dera ser um hub

por Sandra Helena de Souza

Em tempos de acirramento feroz dos ânimos políticos, parece impossível encontrar alguma causa comum. O mantra ‘contra a corrupção’ sofre de desgaste crônico por variados motivos e mais divide que congrega. Além do mais, ser ‘contra’ não entusiasma tanto como ser a favor: a diferença entre luta reativa e criativa. Entre nós, no entanto, o milagre se viu nas capas dos jornais a partir de fina orquestração do governador Camilo Santana. Juntaram-se todos, nesse caso quase todos mesmo, desde o governador coronel dos tempos autoritários, o empresário, o político, prefeito, sociedade civil organizada, todos os partidos à exceção da extrema esquerda, mídia, todos. Nada parecido desde a luta pelas diretas.

Aliados, adversários e mesmo inimigos, todos perfilados atrás do governador, que assim demonstrou que o impossível tem endereço: o aeroporto. ‘Todos unidos pelo Hub da TAM’. “Unidos somos mais fortes. Precisamos fazer uma grande campanha aqui no Ceará para que possamos trazer esse empreendimento para nosso estado”, disse o governador na tentativa de sensibilizar os cearenses.

Consolidar a vocação turística e fortalecer a economia de serviços era então o que podia nos unir a todos. Como demoramos tanto a descobrir?

Os números dos Mapas da Violência e o recente IHA (Índice de Homicídios na Adolescência) têm afirmado repetidamente que são os jovens de camadas sociais mais vulneráveis as maiores vítimas da violência que se alastra pelo País. O levantamento feito pelo Programa de Redução da Violência Letal (PRVL do Governo Federal, em parceria com a Unicef, o Observatório de Favelas e o Laboratório de Análise de Violência da UERJ) mostra Fortaleza como a capital que tem o maior índice de homicídios entre jovens (9,9 por mil). O prognóstico é tenebroso: Fortaleza perderá 2.988
jovens de 12 a 18 anos mantidas as condições atuais.

Por seu turno, a justiça interdita centros de ressocialização de adolescentes em conflito com a lei e constata crise aguda no monitoramento de medidas socioeducativas em meio aberto. A crise econômica serve para justificar cortes orçamentários - que de resto sempre ocorreram mesmo em tempos de vacas gordas - que atingem em cheio as políticas de proteção social. Fala-se em redução de maioridade penal e chega-se mesmo a considerar razoável que se impeça a frequência da juventude pobre em praias e shoppings. A esmagadora maioria dos crimes de homicídio cometidos contra esses jovens, por outros jovens ou policiais, nem mesmo chegam a ser investigados. ‘Deixa morrer’.

Ao ver o noticiário sobre o ato de lançamento da campanha pelo hub, não consegui ficar indiferente ao extremo apelo simbólico das fotografias. Não é todo dia que se consegue reunir a nata da política e economia local em torno de uma pauta. Todos os antagonismos momentaneamente suspensos. Fiquei a pensar em todos os jovens que tombam miseravelmente e não viverão para ver o hangar da TAM. Sonhei com aquelas expressivas lideranças todas unidas pela infância e adolescência pobre do Estado. É pedir demais?
O governador já provou que pode. E quem pode o mais, não pode o menos?

http://www.opovo.com.br/app/opovo/dom/2015/09/26/noticiasjornaldom,3510362/quem-dera-ser-um-hub.shtml

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