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sexta-feira, 11 de abril de 2014

Kubitschek, o provocador: “a escola pública é tão mal considerada quanto Valesca e o funk”

Via  Cynara Menezes


(O professor Antonio Kubitschek. Foto: Ana Rayssa/Correio Braziliense)
Depois de passar a terça-feira inteirinha dando entrevistas (até perdeu a conta de quantas deu), Antonio Kubitschek decidiu desligar o telefone. Era aniversário da mulher e ele, que nem Facebook tem, decidiu desconectar para se dedicar à família. O professor de filosofia do Centro de Ensino Médio 3, em Taguatinga, cidade-satélite de Brasília, vive dias de celebridade desde que uma prova sua causou furor nas redes sociais: nela, a funkeira Valesca Popozuda aparece como “pensadora contemporânea”.
Choveram, é claro, ataques ao professor e ao colégio da rede distrital onde ensina. Um blogueiro da direita raivosa chegou a decretar o fim da escola pública: “morreu, foi para o ralo. Virou lixo”, espumou. Mas aí veio a explicação de Kubitschek. O professor fizera a questão justamente para provocar o quiproquó que causou. Sua intenção era mostrar de que tipo de carniça se alimentam os urubus da mídia. E eles caíram feito patinhos.
A própria Valesca, bem mais inteligente do que a blogueirada reaça, percebeu de cara a intenção de Kubitschek. “E se o professor colocou a questão dentro do contexto da matéria? E se o professor quis ser irônico com o sucesso das músicas de hoje em dia?”, publicou a cantora em seu Face, atribuindo o escândalo a preconceito com o gênero musical. E ainda tirou onda: “Diva, Diva sambista, Lacradora, essas coisas, eu já estou pronta, mas PENSADORA CONTEMPORÂNEA ainda não (mas prometo que vou trabalhar isso)”, escreveu. “Vou ali ler um Machado de Assis e ir treinando pra quem sabe um dia conseguir ser uma pensadora de elite!” Beijinho no ombro.

(reprodução do Face de Valesca, a Pensadora)
Professor da rede pública no Distrito Federal há 19 anos, Kubitschek, 43, é, ao contrário do retrato pintado pelos apressados, um professor bastante conceituado na cidade, admirado por colegas e ex-alunos. Sua intenção era cumprir uma das principais tarefas do educador: estimular o debate entre os jovens. E conseguiu. O blog fez um pequeno pingue-pongue com o professor, que não tem parentesco algum com o presidente Juscelino. O Kubitschek, na verdade, é segundo nome. Uma homenagem do pai dele ao criador de Brasília.

(reprodução do Facebook)
Socialista Morena – Como foi que isso tudo começou?
Antonio Kubitschek – Nós tínhamos organizado uma exposição de fotografias dos alunos da escola, com 1300 fotos feitas pelos estudantes com o tema “Olhares”. Cada turma escolhia o que iria abordar a partir daí e saía fotografando. Avisamos a imprensa toda, porque era algo positivo e as fotos ficaram muito bonitas. Ninguém apareceu. Discutimos isto em classe e chegamos à conclusão que a imprensa só viria à escola em uma situação negativa. Vamos provocar?, disse a eles. Mas eu não podia colocar a imagem da escola em risco, porque ela faz um trabalho decente. Então decidi, de surpresa, sem avisá-los, colocar a questão da Valesca na prova, uma cantora que eu via todo mundo comentando e falando mal. Como eu sabia que os meninos compartilham tudo no Facebook, imaginei que ia haver repercussão, mas achei que fosse só a imprensa local. Nunca imaginei que viraria assunto no país inteiro.
SM – O que você acha do funk?
AK – É uma expressão da sociedade, de uma classe social. Tem gente que gosta e tem gente que não gosta. Particularmente, não é meu estilo de música favorito, não é o que eu coloco para tocar no carro, mas não tenho preconceito.
SM – Você acha mesmo que Valesca é uma pensadora?
AK – Sim. Ela é uma pensadora do funk, do ritmo dela. E algumas coisas que ela coloca têm a ver com a liberdade da mulher. Se as pessoas não concordam com a forma como ela diz isso, é outra história. Segundo Deleuze, aquele que cria um conceito é um pensador. Ela criou um conceito, portanto é uma pensadora, sim.
SM – O principal alvo de sua provocação foi a mídia. Por quê?
AK – A mídia tem um papel importante, que é o de trazer informação. Mas, por outro lado, é parte de um sistema que exige a vendagem, que se aproveita daquilo que pode vender. Ou seja, vive um dilema eterno entre o papel social que tem e o que será vendável. Vejo muitas críticas, por exemplo, a essa imprensa que vive à caça de fofocas sobre a família real, mas a mídia toda age da mesma maneira, só que não de forma assumida. Como se o que faz fosse algo mais sério, e não é. A imprensa de fofocas pelo menos assume que faz o que faz.
SM – Os blogueiros de direita só faltaram te amarrar a um poste virtual…
AK – Essa provocação foi feita exatamente para eles, porque, no fundo, eles têm preconceito com a escola pública. A escola pública é tão mal considerada quanto a Valesca e o funk. Para uma sociedade elitizada, que é quem estes blogueiros representam, ela não é considerada necessária.
SM – E a direção da escola, como reagiu?
AK – A direção me apoiou desde o primeiro momento. A secretaria de Educação, no começo, quando foi cobrada pelos veículos, me procurou pedindo explicações: “O que você vai fazer?” E eu disse: “Vou responder à mídia”. Depois que eu expliquei a proposta, creio que houve uma mudança na opinião pública e a secretaria também me apoiou.
SM – Percebe-se que o primeiro alvo dos que atacam a escola pública é o professor.
AK – E tem cada professor bom! Cada trabalho bem-feito! O que acontece é que o professor não é bom marqueteiro. É o ritmo dele. O professor normalmente pensa: “meu papel é educar, não fazer propaganda do que eu fiz”. Mas é uma categoria fantástica.
SM – Como você avalia a escola pública hoje?
AK – Tem melhorado, mas ainda está muito longe do que é necessário. Os governos precisam investir mais nas condições dos prédios, em segurança. A sociedade também precisa dar apoio, acreditar na escola pública. A classe média coloca seus filhos nas particulares porque elas dão mais oportunidades a seus filhos, mas o dia em que a classe média voltar para a escola pública e passar a cobrar, participar, ela também vai poder oferecer estas oportunidades. Melhorar a remuneração do professor também é importante, até para ele deixar de ouvir a frase: “Você é professor? Coitado!”
SM – Seus alunos também deram entrevistas estes dias, entraram no “circo da mídia”. Como é que você vai fazer para discutir este efeito colateral da provocação?
AK – (Risos) É, não vamos conseguir fugir de debater isso também.
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