por Sandra Helena de Souza
A nota oficial do Governo do Estado reconhecendo problemas com “humildade” e considerando “bem-vinda a iniciativa dessa fração da sociedade fortalezense” deu um upgrade nas já calorosíssimas discussões, entre entusiastas e críticos nas redes sociais, sobre o ‘Fortaleza Apavorada’, de onde transcrevo reflexão de um simpatizante que, a meu ver, exprime a alma do movimento. É uma sincera resposta, provocante e articulada, a uma pergunta comum. Leia:
“Se um ladrão roubasse a casa da vizinha, você iria à delegacia informar o crime? Provavelmente, não. E se alguém estacionasse o carro na vaga da sua vizinha, você iria reclamar no apartamento da síndica no lugar dela? Duvido muito. Do mesmo modo, a primeira pessoa de quem se espera uma reclamação contra a educação defasada que o Estado oferece é o aluno da escola pública. Por que o aluno do 7 de Setembro, Ari de Sá ou Farias Brito iria às ruas lutar por melhorias na educação, se ele já desfruta de um excelente ensino. Então, veja como é simples: quem não tem terra é a favor da reforma agrária? Sim. Latifundiários também serão? Evidente que não.Logo, a sua interessante indagação (“Por que não existe uma manifestação dessa magnitude por melhorias na educação?”) deveria ser feita aos moradores do Parque São Miguel, Cristo Redentor, Conjunto Palmeiras, Santa Filomena, Parque Santa Rosa, Bom Jardim etc. São eles os UTENTES da educação pública, não nós. Podemos até ir às ruas, em solidariedade a essas pessoas, mas estaríamos lutando por uma causa que PREPONDERANTEMENTE é mais deles do que nossa. Agora, quando roubam, matam ou sequestram alguém da nossa família, vamos às ruas pedir segurança sim. Não temos o dever de saber se o Pirambu está passando por problemas de insegurança, afinal, não moro lá e não frequento esse bairro. Apenas um morador de lá teria legitimidade para reivindicar algo dessa natureza, o que faz nascer a figura do líder comunitário.
A classe média não tem o dever moral de ir às ruas lutar para corrigir a injustiça do mundo. Violência sempre existiu em áreas de risco e a classe média sempre soube disso, apenas não se engajou em movimentos ativistas para solucionar os problemas do mundo. A partir do momento em que essa mesma violência é hipertrofiada o suficiente para repelir turistas, ao ponto de migrar das favelas para os nossos lares, o problema passa a ser nosso também. Em suma: enquanto a violência estiver confinada em morros e favelas, a preocupação é dos nossos governantes, da polícia e dos moradores dessas regiões. O nosso é apenas votar corretamente, para que os governantes ajudem essas pessoas. A partir do momento em que chega na nossa casa, passa a ser NOSSO, da polícia e dos governantes. Lembra do exemplo da vizinha?”
Fim da citação, do silêncio e da hipocrisia da cordialidade na cidade desigual. O movimento, legítimo, já tem um mérito ímpar: pôr a nu a que fração você pertence ou quer pertencer. E, sobretudo, a que jamais pertencerá. Bem-vindos à cidade real.
Sandra Helena de Souza
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