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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Demitri Túlio - Das Antigas

Por Demitri Túlio

Meus afetos por Fortaleza, pelo Ceará, são declarados. Não rejeito a tribo onde fui parido nem a mistura de sangue do índio com o português, o negro, o judeu e o mouro que deram no caboclo pardo que sou. Não me envergonho de ter rebentado na parte mais semiárida do Brasil, gleba que por muito tempo foi ignorada pelo invasor lusitano e o capitão-mor de Pernambuco. Tenho história.

Mas ando meio impaciente com a Cidade que me falta. Com as calçadas que não posso andar... Com os parques verdes que nunca existirão... Com o ônibus que não voltarei a pegar... Com o trânsito que me aperreia... Com a notícia que um fulano de tal esfolou alguém e explodiu pela segunda vez o mesmo banco...

Ando sem paciência com uma elitezinha tacanha que se acha dona até da alma das ruas e está correndo um abaixo assinado para acabar com a ciclovia no miolo da Aldeota. Ora, ora, deve ser o mesmo povo que cola na Hilux o adesivo #simviadutos e acha um absurdo a morte dos peixes do finado rio Tiête. E se deslumbra porque São Paulo tem um Ibirapuera ou em Nova York vivem um Central Park e esquilos.

Mesmo magote de gente fresca que leva o cachorro para passear e não se digna de apanhar a merda do animal. Vejam, vejam... Os cães (confinados) de estimação têm o direito de ir e vir nas calçadas, mas as levas de operário da construção civil que vão e vêm de bicicleta não podem usar a ciclo-faixa da Ana Bilhar! Coméquepode, meu Deus?

E a desculpa nojenta, a grita, é assim: com a faixa de trânsito exclusiva para o canelau que usa bicicleta, os condôminos da Aldeota não poderão mais estacionar os automóveis em frente ao mar de prédios! E mais ainda. Quando chegarem as visitas para um chá ou vinho, elas não terão onde parar as carruagens! Tadinhas. É inacreditável o argumento, é inominável a arrogância.

E confesso, estou fazendo um esforço medonho para não ser preconceituoso com ninguém. Não sou da ala que defende que ricos e milionários não têm direito à Cidade. Não. Fortaleza, qualquer caverna do Ceará, tem de ser cada vez mais plural, mais pública, mais coletiva, mais tribo.

Possa ser que a semana não tenha me sido leve. Que uma amiga estimada tenha ido embora pra sempre e me façam falta os almoços em Messejana e seus 96 anos... Pode ser que eu esteja de TPM (homens também tem)... Mas estou por uma peinha. Sinto-me desconfortável na Cidade onde mais tenho afetos e não futuro deixar seu Mar nem me apagar de seu Sertão...

Mas não aguento mais motoqueiros trafegando nas calçadas, lixo em toda esquina e asfalto que se recapeia a cada seis meses e os buracos, ou mondrongos, não desaparecem de propósito... Também não tenho mais tolerância para delegacias que fazem de conta que funcionam, hospitais populares inviáveis e escolas públicas sofríveis...

Fortaleza está maltratada, estreita, claustrofóbica. Carece da gentileza pela gentileza, de gente generosa com suas ruas, sua história, suas árvores, seus cachorros, seus velhos, seus amanheceres... Há um tempo às avessas, aqui no Ceará, que me deixa desaprumado... Um rinoceronte em meu banheiro.

Ando meio sem fleuma com a Cidade que me ausenta...

http://www.opovo.com.br/app/colunas/dasantigas/2013/09/21/noticiasdasantigas,3133249/sabado-21-de-setembro-de-2013.shtml

Um comentário:

Um que tenha disse...

O Demitri escreve bem demais