Por Lorena Robinson
No dia 4 de setembro, o Festival de Veneza foi berço de uma (nova) polêmica: a cineasta australiana Kitty Green, de 28 anos, passou 17 semanas viajando com o grupo “neofeminista” e extremista Femen, filmando mais de 100 protestos pela Europa e documentando, além deles, interações íntimas e pessoais com duas das mais conhecidas integrantes ucranianas, Sasha e Inna Shevchenko. A polêmica, no entanto, não se dá pela forma de protesto direcionada pelo grupo como “sextremismo” – estratégia já conhecida e revirada (quiçá aclamada) pela mídia, que sempre pareceu nutrir, por esse movimento em especial, um interesse destoante; e sim por conta de uma revelação que causou alarde nas esferas feministas: Kitty, no primeiro longa a mostrar os bastidores do grupo ucraniano, revelou que Viktor Svyatsky, outrora tido como consultor do Femen, seria na verdade um dos criadores e antigos líderes de todo o movimento.
O longa, com viés documentarista, reforça a impressão que a maioria das feministas tem sobre o Femen: um movimento profunda e essencialmente controverso, seja em suas bases ideológicas ou causas por ele abarcadas. Em “Ukraine Is Not a Brothel” (A Ucrânia Não É um Bordel), Svyatsky afirma que a razão de ter sido responsável pela organização do grupo foi que (sic) “Essas garotas são fracas.” Uma das integrantes citadas, Inna Shevchenko, admitiu o paradoxo criado quando existe um homem liderando um movimento feminino e alegou que (sic) “As mulheres começaram a se reunir e havia vários homens no nosso círculo. O problema é que ele sentiu que precisava de mais espaço, porque é um homem. E homens precisam ter o poder.”
Viktor Svyatsky, retrato por Kitty como um homem manipulador e agressivo, se recusou, inicialmente, a aparecer no filme. Sasha, outra integrante, afirma: “Foi bom tê-lo em nossas vidas para sabermos como os homens podem ser grandes canalhas. Mantemos Viktor em nossas memórias para ficarmos mais fortes”.
Por conta do escândalo oriundo das alegações polêmicas do documentário, Inna publicou uma resposta aos jornalistas, críticos e simpatizantes do movimento no The Guardian. Sem negar o papel crucial de Viktor na formação do grupo, Inna tenta esclarecer:
“O Femen foi fundado por um grupo de jovens estudantes femininas em uma cultura na qual homens falam e mulheres somente escutam. Na qual os homens decidem e as mulheres aceitam suas decisões. Na qual homens dominam e as mulheres aceitam a dominação. E isso explica porque Svyatski tornou-se o líder do Femen. Por que e como ele poderia fazer isso? Porque ele era um homem. A história retrata no filme – pelo próprio Svyatski – evidencia nada menos que o patriarcado. Ele é o sexismo, a dominação masculina e a opressão contra as mulheres, personificado.”
O Femen surgiu na Ucrânia por volta do ano de 2008, visando combater o turismo sexual crescente na Europa, abrangendo causas como exploração, tráfico sexual e prostituição – que apresentavam índices cada vez mais alarmantes na Ucrânia. O Femen surgiu com a proposta do “neofeminismo”, uma reformulação mais extremista do feminismo clássico, visando repercussão e visibilidade. Como estratégia, o Femen propôs uma inovadora mudança que tornar-se-ia a marca definitiva do grupo: o topless. Apropriando-se da nudez, as integrantes alegavam almejar a desestruturação do corpo feminino como objeto sexual (usado constantemente pela sociedade patriarcal) para a construção da figura do corpo, dos seios, como forma de luta. Usando os conceitos patriarcais a seu favor, as integrantes pretendiam garantir a atenção midiática e trazer interesse imediato para suas causas, através de uma visibilidade que os movimentos do “feminismo clássico” não obtinham.
Entre as feministas, o Femen gerou indecisões e polêmicas. Não pelo uso da nudez, como alguns esperariam (a nudez é utilizada por diversas feministas, vide Marcha das Vadias), mas pelas ideologias conflituosas e pela suposta auto-promoção das ativistas em detrimento de movimentos feministas mais estruturados e embasados. As integrantes do Femen, por sua vez, costumam adentrar uma polêmica atrás da outra: desde supostos patrocínios diretos às integrantes, a manifestações consideradas anti-islâmicas (no “Topless Jihad”, as meninas protestaram em frente a mesquitas e a uma embaixada tunisiana, com dizeres como “Fuck Islamism”, incentivando as mulheres islâmicas a abandonarem seus costumes – atitude tida por alguns como perceptivelmente imperialista).
Uma das principais críticas refere-se a presença de conceitos machistas e patriarcais dentro de suas ideologias: por muitos é propagado que as integrantes do Femen só admitem moças bonitas, para angariar mais visibilidade e despertar mais interesse para a causa. Segundo ex-integrantes, existe até mesmo um limite de peso, e o Femen opta sempre por ativistas ‘lindas’ na linha de frente por questões de marketing. Nota-se que as moças da linha de frente sempre obedecem a um padrão de beleza europeu.
A vinda do Femen para o Brasil, por sua vez, foi especialmente polêmica. A ‘líder’ do movimento, Sara Winter, foi alvo de diversas críticas feministas. Após aparecer em programas de TV e dar entrevistas, centrando toda a imagem do Femen em sua figura unitária e pessoal, Sara foi acusada de ter aderido ao nazismo, anos atrás, após encontrarem na rede fotos e comentários antigos da moça.
Depois de muitos conflitos, a sede Ucraniana retirou o direito da líder brasileira de usar o nome Femen, a palavra sextremismo e os símbolos do movimento (como o logotipo e a coroa de flores). Não satisfeita, Sara fez alegações alarmantes sobre o Femen Internacional:
“O Femen Ucrânia funciona como uma empresa ou uma agência de marketing. Não é um movimento social. Elas já podem ter tido boas e reais intenções, mas hoje em dia é tudo completamente corrupto”.
Em relação aos padrões de beleza propagados pelo Femen, foi divulgada uma conversa pela Internet entre Sara e Inna Shevchenko, na qual Inna revela a preocupação com a forma das ativistas: “(O protesto) da embaixada russa não ficou sexy porque as calcinhas eram pequenas e as meninas aparentavam estar mais gordas do que são na vida real. Preste atenção nisso”, escreveu a ucraniana.
Sara responde à mídia afirmando que a atitude do movimento ucraniano é “extremamente machista e reforça a sociedade patriarcal”, e complementa denunciando que questiona a origem do dinheiro do Femen Internacional, pois viu muitas meninas “ostentando bens” e acredita-se que algumas ganhem cerca de 20 mil dólares por mês – dinheiro que não seria possível arrecadar somente com a venda de produtos Femen, como camisetas e ‘boobsprints’.
Com “Ukraine Is Not a Brothel”, o Femen ucraniano abre portas para uma nova contestação a respeito de sua contradição ideológica. Um movimento feminista fundado e liderado por um homem aponta para uma origem já perniciosa; o Femen, desde sua origem, não como movimento social – mas sim como puro marketing. Um movimento feminista que pregou, desde seu inicio, a representatividade feminina, mas começou deixando que “os homens falassem enquanto as mulheres permaneciam silenciadas”, segundo a própria Inna, não aponta para uma desenvoltura ideal de luta política contra o patriarcado. Deu voz ao opressor – que sempre pretendeu afirmar-se e sobrepor-se as moças e suas causas, como foi descrito Viktor -, permitindo que a liderança deixasse de ser de quem realmente sabia como deveria lutar e porque deveria lutar, visto que a voz da mulher contra a opressão é a voz que deve ser ouvida: é ela quem está sofrendo, é ela – e somente ela – quem sente na pele os reflexos da sociedade patriarcal que as meninas do Femen planejavam desestruturar. Se o Femen for realmente o que se suspeita, só podemos lamentar pelo retrocesso e desfavor à toda causa feminista.
http://literatortura.com/2013/09/documentario-revela-grupo-feminista-femen-era-controlado-homem/#.Ui4Jj9LUkb1
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