“E eu quero é despencar /Despencar, despencar!”
(Ednardo em “Bloco do Susto”)
O Carnaval era nos meus olhos, na porta da minha infância – e ainda é, escrevo aqui “frevilhando”! Num misto de fascínio e susto – olha o “Bloco do Susto” aí, “Chove chuva alegria do céu/ Lava o bloco do susto/ Que a boca do povo/ Cantará de novo!” – assistia ao desfile de “papangus”, uns em farrapos, outros com roupas e máscaras bem cuidadas, nas coxias da rua Tenente Benévolo, bem na altura do Mercado dos Pinhões, Carnaval de “Papangu” (que hoje destaca no calendário momino a Cidade de Bezerros – “Terra dos Papangus” –, em Pernambuco), de “Bloco de Sujo”, “Eu sou a nata do lixo, eu sou o luxo da aldeia, eu sou do Ceará” (Ednardo, em “Terral”). Qual minha surpresa em descobrir algum tempo depois que sob aquelas máscaras brincavam... meninas! Meninas da rua Gonçalves Lêdo, irmãs e amigas, descoberta que me revelou a natureza brincante e cultural do Carnaval cearense – Ceará Moleque, “Aqui só tem anjo torto, é legal/ Loucura é cura pra qualquer normal/ A liberdade é deixar viver o que a gente é” (Alan Morais, Osvaldo Martins e Antonio Carlos no “Hino do Bloco Sanatório Geral”)! Ah, nós, pequenos e engenhosos, inventávamos brinquedos para participar da brincadeira, na tradição do “entrudo” oitocentista (que deu origem ao mela-mela), que faz parte da história do Carnaval no Brasil, com êmbolos feitos de sucata – do que, em sua maioria, eram feitos nossos brinquedos –, banhávamos os brincantes com a água da alegria e da irreverência, “Pra ser feliz num lugar/ Pra sorrir e cantar/ Tanta coisa a gente inventa” (Fausto Nilo e Dominguinhos em “Pedras Que Cantam”).
Não, não escrevo sobre lembranças, reminiscências – saudades dos “bons tempos”, não curto o passado no passado –, escrevo sobre o “agora”, está vivo, passado que dá e tem sentido no presente, “...agora eu corro pra ver/ Tem coisa lá fora, vieram dizer/ Que já não demora pra estremecer a praça” (Mateus Perdigão, Bruno Perdigão e Tiago Porto em “Hino do Bloco Luxo da Aldeia”). Diz aí, Luxo da Aldeia, “É no meio da rua que a gente começa a brincar...!”, sim, é assim, é da tradição do Carnaval cearense, 2012 foi lança perfume (no ar), deixou cheiro, agora a rua decretou, Decreto Momino sancionado pelo povo, “Adentramos ao Plenário para ver se era normal/ Era hora de votar uma emenda federal” (Falcão, Tarcísio Matos e Beto de Areia Branca em “G.R.E.S. Eu e meu cachorro”), em 2013 “Vou pensar de novo que a alegria existe/ Sim, eu vou sair fantasiado de alegria por aí” (Ednardo em “Mais um Frevinho Danado”), o Carnaval está de volta a Fortaleza – pegou!
Reprimido, tantas vezes, proibido(!), o autêntico Carnaval cearense, com suas bandas, seus característicos metais – instrumentos de sopro –, frevos, troças, marchas, sambas-balancês (viva Lauro Maia!), maracatus (com seus vários ritmos – ensina-nos o griô Descartes Gadelha, salve!), torém, congadas, os indefectíveis blocos de sujos, seus papangus, com o corso (carros alegóricos), a sátira política e de costumes, o protesto, com muita irreverência, voltou, que nunca mais cantemos “Nossa saudade chora/ Num coração que foi bater noutro lugar/ Lá onde o amor ficou jogado fora / Como um jardim que o mar de cinzas quer secar/ O tempo corre, corre/ A correnteza te trazendo/ Ai, que beleza, se a tristeza não voltar” (Fausto Nilo e Morais Moreira em “De Noite e de Dia”).
Por antropofágico, o Carnaval cearense mantém sua autenticidade e sua diversidade sobre as várias influências que acolheu ou que lhe foram impostas, ora pela proximidade com outras culturas, especialmente a pernambucana, ora – no caso da influência do (organizado e formal) Carnaval (de desfile) carioca – pela homogeneização cultural da TV, ora por interesses puramente econômicos – leia-se os “dos empresários do Carnaval de Micareta”, do axé-industrial-baiano (bom mesmo é o fricote pé-no-chão do Luiz Caldas, o Trio Armandinho, Dodô e Osmar!). Não acredito que essas influências sejam ameaças ao nosso legítimo Carnaval, o cearense dá um jeito de colocar “cearensidade” em tudo que faz, seja aqui ou “fora”, e há espaço para tudo e para todos – como deve ser em todo Carnaval, “Liberdade, liberdade/ Liberdade para a gente sambar” (Luiz Assunção em “Chegou a Escola de Samba”) –, o que nos ameaça é o mesmo que ameaçou até o tradicionalíssimo Carnaval de Olinda – sabem-no bem os brincantes cearenses da rua 85, no Amparo –, as caixas de “barulho” nas janelas e nos carros, o interesse estrangeiro-econômico que tentou subir suas ladeiras com o axé-industrial, a virulência que acompanha essa arritmia urbana e traz e promove a violência – o assédio sexual, o abuso, a droga, o roubo e o assalto, as brigas, até a morte(!) –, violência que tantas vezes foi argumento para reprimir, proibir, o Carnaval em Fortaleza; o que ameaça nosso Carnaval é o que “acabou” com o precursor Pré-Carnaval do “Quem é de Bem Fica” (salve, Dilson Pinheiro!) – e memória não faz mal a ninguém, faz é falta! –, que está “acabando” com o Pré-Carnaval (e ameaça o Carnaval) do Bloco Luxo da Aldeia, que o digam os verdadeiros brincantes e os moradores do Bairro do Benfica, ruas invadidas por um comércio sem disciplinamento algum, “zoação” sem hora para acabar, em número e proporção que já supera em quatro vezes o da brincadeira e deixa cheiro próprio no local, o de “mijo”! Os tempos heroicos de dificultoso Pré-Carnaval estão sendo substituídos gradualmente por oportunidades – e os heróis merecem “uma homenagem quem tem forças pra cantar” (Evaldo Gouveia e Jair Amorim em “O Bloco da Solidão”) – e oportunidade atrai oportunismo, é o momento de irmos à “calçada/ E o mundo pra correr”, para que não tenhamos que cantar de novo, feito Luiz Assunção, “Adeus Praia de Iracema/ Praia dos Amores...”!
Viva o Carnaval cearense – e vida longa ao Carnaval de Fortaleza! –, em sua autenticidade, em sua diversidade! E aqui destaco algumas preciosas referências culturais do mais cultural bairro de Fortaleza, o Benfica, e da “sempre” PI – Praia de Iracema: a irreverência independente e criativa do Bloco Sanatório Geral, “Lagarta de Fogo Lagarta Pintada Boca de Forno” (Alan Morais em “Lagarta de Fogo”, alegria dos pequenos brincantes – o Carnaval também é das crianças!); o auxílio luxuoso-musical do Bloco Luxo da Aldeia e seu encantador repertório, “No Bloco Luxo da Aldeia, o bloco do Ceará”; o Carnaval de Iracema, da saudade, “de salão” e feito no “mei-da-rua”(!), do “Num Ispáia Sinão Ienche” (grande Dilson Pinheiro!); o resgate rítmico e histórico do Maracatu Solar, “Me leva meu bem me leva/ Pra dentro da noite azul/ Me leva meu bem me leva/ Me leva pro Maracatu” (Pingo de Fortaleza, Parahyba e Augusto Moita na Loa “Noite Azul” – axé, Pingo de Fortaleza!).
Ah, que tanto há e que vontade de continuar a escrever, mas já faz caracteres e caracteres que acabou o espaço disponível, cabia mais, pela riqueza do assunto, pelo entusiasmo do escrevinhador, mas acho que “Rimou com a canção pra este carnaval/ Nada me resta a não ser tua beleza/ E a incerteza do que vai ser de mim/ Por isso basta dessas coisas sérias/ Fica combinado se cantar assim/ Oh meu amor que fazes aí parada/ Se tu tens toda a calçada/ E o mundo pra correr, pra correr?” (Ednardo em “Maresia”).
(Ednardo em “Bloco do Susto”)
O Carnaval era nos meus olhos, na porta da minha infância – e ainda é, escrevo aqui “frevilhando”! Num misto de fascínio e susto – olha o “Bloco do Susto” aí, “Chove chuva alegria do céu/ Lava o bloco do susto/ Que a boca do povo/ Cantará de novo!” – assistia ao desfile de “papangus”, uns em farrapos, outros com roupas e máscaras bem cuidadas, nas coxias da rua Tenente Benévolo, bem na altura do Mercado dos Pinhões, Carnaval de “Papangu” (que hoje destaca no calendário momino a Cidade de Bezerros – “Terra dos Papangus” –, em Pernambuco), de “Bloco de Sujo”, “Eu sou a nata do lixo, eu sou o luxo da aldeia, eu sou do Ceará” (Ednardo, em “Terral”). Qual minha surpresa em descobrir algum tempo depois que sob aquelas máscaras brincavam... meninas! Meninas da rua Gonçalves Lêdo, irmãs e amigas, descoberta que me revelou a natureza brincante e cultural do Carnaval cearense – Ceará Moleque, “Aqui só tem anjo torto, é legal/ Loucura é cura pra qualquer normal/ A liberdade é deixar viver o que a gente é” (Alan Morais, Osvaldo Martins e Antonio Carlos no “Hino do Bloco Sanatório Geral”)! Ah, nós, pequenos e engenhosos, inventávamos brinquedos para participar da brincadeira, na tradição do “entrudo” oitocentista (que deu origem ao mela-mela), que faz parte da história do Carnaval no Brasil, com êmbolos feitos de sucata – do que, em sua maioria, eram feitos nossos brinquedos –, banhávamos os brincantes com a água da alegria e da irreverência, “Pra ser feliz num lugar/ Pra sorrir e cantar/ Tanta coisa a gente inventa” (Fausto Nilo e Dominguinhos em “Pedras Que Cantam”).
Não, não escrevo sobre lembranças, reminiscências – saudades dos “bons tempos”, não curto o passado no passado –, escrevo sobre o “agora”, está vivo, passado que dá e tem sentido no presente, “...agora eu corro pra ver/ Tem coisa lá fora, vieram dizer/ Que já não demora pra estremecer a praça” (Mateus Perdigão, Bruno Perdigão e Tiago Porto em “Hino do Bloco Luxo da Aldeia”). Diz aí, Luxo da Aldeia, “É no meio da rua que a gente começa a brincar...!”, sim, é assim, é da tradição do Carnaval cearense, 2012 foi lança perfume (no ar), deixou cheiro, agora a rua decretou, Decreto Momino sancionado pelo povo, “Adentramos ao Plenário para ver se era normal/ Era hora de votar uma emenda federal” (Falcão, Tarcísio Matos e Beto de Areia Branca em “G.R.E.S. Eu e meu cachorro”), em 2013 “Vou pensar de novo que a alegria existe/ Sim, eu vou sair fantasiado de alegria por aí” (Ednardo em “Mais um Frevinho Danado”), o Carnaval está de volta a Fortaleza – pegou!
Reprimido, tantas vezes, proibido(!), o autêntico Carnaval cearense, com suas bandas, seus característicos metais – instrumentos de sopro –, frevos, troças, marchas, sambas-balancês (viva Lauro Maia!), maracatus (com seus vários ritmos – ensina-nos o griô Descartes Gadelha, salve!), torém, congadas, os indefectíveis blocos de sujos, seus papangus, com o corso (carros alegóricos), a sátira política e de costumes, o protesto, com muita irreverência, voltou, que nunca mais cantemos “Nossa saudade chora/ Num coração que foi bater noutro lugar/ Lá onde o amor ficou jogado fora / Como um jardim que o mar de cinzas quer secar/ O tempo corre, corre/ A correnteza te trazendo/ Ai, que beleza, se a tristeza não voltar” (Fausto Nilo e Morais Moreira em “De Noite e de Dia”).
Por antropofágico, o Carnaval cearense mantém sua autenticidade e sua diversidade sobre as várias influências que acolheu ou que lhe foram impostas, ora pela proximidade com outras culturas, especialmente a pernambucana, ora – no caso da influência do (organizado e formal) Carnaval (de desfile) carioca – pela homogeneização cultural da TV, ora por interesses puramente econômicos – leia-se os “dos empresários do Carnaval de Micareta”, do axé-industrial-baiano (bom mesmo é o fricote pé-no-chão do Luiz Caldas, o Trio Armandinho, Dodô e Osmar!). Não acredito que essas influências sejam ameaças ao nosso legítimo Carnaval, o cearense dá um jeito de colocar “cearensidade” em tudo que faz, seja aqui ou “fora”, e há espaço para tudo e para todos – como deve ser em todo Carnaval, “Liberdade, liberdade/ Liberdade para a gente sambar” (Luiz Assunção em “Chegou a Escola de Samba”) –, o que nos ameaça é o mesmo que ameaçou até o tradicionalíssimo Carnaval de Olinda – sabem-no bem os brincantes cearenses da rua 85, no Amparo –, as caixas de “barulho” nas janelas e nos carros, o interesse estrangeiro-econômico que tentou subir suas ladeiras com o axé-industrial, a virulência que acompanha essa arritmia urbana e traz e promove a violência – o assédio sexual, o abuso, a droga, o roubo e o assalto, as brigas, até a morte(!) –, violência que tantas vezes foi argumento para reprimir, proibir, o Carnaval em Fortaleza; o que ameaça nosso Carnaval é o que “acabou” com o precursor Pré-Carnaval do “Quem é de Bem Fica” (salve, Dilson Pinheiro!) – e memória não faz mal a ninguém, faz é falta! –, que está “acabando” com o Pré-Carnaval (e ameaça o Carnaval) do Bloco Luxo da Aldeia, que o digam os verdadeiros brincantes e os moradores do Bairro do Benfica, ruas invadidas por um comércio sem disciplinamento algum, “zoação” sem hora para acabar, em número e proporção que já supera em quatro vezes o da brincadeira e deixa cheiro próprio no local, o de “mijo”! Os tempos heroicos de dificultoso Pré-Carnaval estão sendo substituídos gradualmente por oportunidades – e os heróis merecem “uma homenagem quem tem forças pra cantar” (Evaldo Gouveia e Jair Amorim em “O Bloco da Solidão”) – e oportunidade atrai oportunismo, é o momento de irmos à “calçada/ E o mundo pra correr”, para que não tenhamos que cantar de novo, feito Luiz Assunção, “Adeus Praia de Iracema/ Praia dos Amores...”!
Viva o Carnaval cearense – e vida longa ao Carnaval de Fortaleza! –, em sua autenticidade, em sua diversidade! E aqui destaco algumas preciosas referências culturais do mais cultural bairro de Fortaleza, o Benfica, e da “sempre” PI – Praia de Iracema: a irreverência independente e criativa do Bloco Sanatório Geral, “Lagarta de Fogo Lagarta Pintada Boca de Forno” (Alan Morais em “Lagarta de Fogo”, alegria dos pequenos brincantes – o Carnaval também é das crianças!); o auxílio luxuoso-musical do Bloco Luxo da Aldeia e seu encantador repertório, “No Bloco Luxo da Aldeia, o bloco do Ceará”; o Carnaval de Iracema, da saudade, “de salão” e feito no “mei-da-rua”(!), do “Num Ispáia Sinão Ienche” (grande Dilson Pinheiro!); o resgate rítmico e histórico do Maracatu Solar, “Me leva meu bem me leva/ Pra dentro da noite azul/ Me leva meu bem me leva/ Me leva pro Maracatu” (Pingo de Fortaleza, Parahyba e Augusto Moita na Loa “Noite Azul” – axé, Pingo de Fortaleza!).
Ah, que tanto há e que vontade de continuar a escrever, mas já faz caracteres e caracteres que acabou o espaço disponível, cabia mais, pela riqueza do assunto, pelo entusiasmo do escrevinhador, mas acho que “Rimou com a canção pra este carnaval/ Nada me resta a não ser tua beleza/ E a incerteza do que vai ser de mim/ Por isso basta dessas coisas sérias/ Fica combinado se cantar assim/ Oh meu amor que fazes aí parada/ Se tu tens toda a calçada/ E o mundo pra correr, pra correr?” (Ednardo em “Maresia”).
http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2013/02/02/noticiasjornalvidaearte,2999057/quem-e-de-fortaleza-e-brincante.shtml
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