Por Valdemar Menezes
As cenas de repressão, vistas no Parque do Cocó durante a expulsão dos defensores do meio ambiente pelas forças policiais, trazem de volta imagens perdidas no tempo, há exatamente 100 anos, quando a oligarquia Acioly mandava e desmandava no Ceará. Na época, a população muitas vezes tentou enfrentar o autoritarismo. Numa delas, foi organizada uma passeata de crianças, na suposição de que os algozes teriam escrúpulo de usar os métodos brutais habituais. A manifestação terminou desbaratada à pata de cavalo, durante as cargas impiedosas da cavalaria policial. E várias crianças morreram pisoteadas. Foi precisamente no dia 21 de janeiro de 1912, um domingo. Na última sexta feira, uma horda fardada (cujos integrantes não portavam distintivos de identificação) espalhava, com a mesma gana truculenta, tiros de borracha, granadas de gases e cassetetes contra um punhado de cidadãos altruístas (já que não defendiam interesse próprio) cujo maior crime era o de defender o resto de patrimônio natural ainda não devorado de todo pela especulação imobiliária. A mesma que o vem comendo pelas beiradas e que agora busca sufocá-lo por meio de viadutos e pontes estaiadas. Qualquer semelhança de eras, não é pura ficção.
HISTÓRIA - A incrível decisão de um membro da Justiça Federal em favor do projeto de construção de viadutos que prejudicarão o Parque do Cocó não surpreendeu ninguém, diante do enorme poder (não só político, mas também econômico) das forças que a patrocinaram. Interpretação por interpretação, é preferível ficar com os operadores do Direito que viram a questão de modo diferente. É na interpretação que o juiz se revela, deixando entrever a que tipos de valores e a que laços de pertença de classe está interligado, depois de tê-los incorporado durante todo o processo de sua formação cultural e humana. A neutralidade na observação ou na avaliação de um fato, como se sabe, inexiste num ser inserido na História – o máximo alcançável é a isenção.
CONSEQUÊNCIAS - A verdade é que a derrota momentânea dos defensores do lado certo da História (no caso do Cocó), não significa a vitória moral e política dos que estão empurrando pela goela abaixo da Cidade (para a alegria das empreiteiras) esse tipo de obra. Essa é a convicção de observadores calejados da cena política local. Não custa esperar – segunda esse entendimento – os desdobramentos no futuro próximo, para o bem e para o mal. Fica a certeza, no entanto, de que os atuais defensores do Cocó serão motivo de orgulho para seus descendentes quando, no futuro, se olhar para atrás e se focar estes momentos. É improvável que aconteça o mesmo com os que terão tido ascendentes perfilados do outro lado da trama histórica.
DESGASTES - O desgaste do governo estadual e seu grupo já era inegável antes da guerra do Cocó. Na entrevista do governador Cid Gomes ao programa “Roda Viva”, ele não conseguiu ser convincente (embora pudesse sê-lo nos quesitos do voo da sogra e no bufê). Foi incrível a tentativa de passar uma imagem de simpático à democracia direta, quando o alvo principal das críticas à atual administração estadual - e à municipal - é justamente a centralização e impermeabilidade do processo decisório (herança da matriz tassista). No atual estágio de consciência política da cidadania cearense, decisões governamentais impactantes precisam ser compartilhadas com a sociedade. Não bastasse a questão das grandes obras – sempre decididas em pétit comité -, o governo descuidou-se do seu entorno. Basta ver o mais recente desastre político ao permitir que prosperasse na Assembleia Legislativa a emenda constitucional que diminuiu o número de integrantes do Ministério Público de Compras, e que será alvo de ação de inconstitucionalidade nas instâncias superiores da Justiça.
CONSTITUIÇÃO - A Constituição Federal completou 25 anos, neste sábado, em meio a uma saraivada de iniciativas destinadas a podá-la de seus artigos mais avançados. Os ruralistas, além de promoverem um retrocesso na área ambiental, querem agora reduzir os direitos dos índios, outorgando ao Congresso Nacional a demarcação das terras indígenas. Apesar de ser a mais avançada das constituições brasileiras, poderia tê-lo sido ainda mais, se fruto de uma Constituinte Exclusiva e não de um Congresso Constituinte, como impuseram as elites. Mesmo aprovada, a democracia participativa continua a ter sua regulamentação obstruída, com graves prejuízos ao aperfeiçoamento político e institucional do País.
DESVIRTUAMENTO - Uma das coisas que mais horrorizaram os fortalezenses foi a recusa da Câmara Municipal em permitir que os elaboradores de várias propostas alternativas aos viadutos do Cocó pudessem apresentá-los aos componentes da Casa para, ao menos, serem conhecidas pelos representantes dos moradores de Fortaleza. Se as sugestões oferecidas pelos próprios cidadãos para a resolução de um grave problema da Cidade não encontram espaço nem sequer para serem apresentadas a quem recebeu um mandato justamente para prestar esse serviço em nome deles (que são os verdadeiros donos dos mandatos), para que serve, então, a instituição? Para representar outro tipo de ator?
http://www.opovo.com.br/app/colunas/valdemarmenezes/2013/10/05/noticiasvaldemarmenezes,3141749/acyoladas.shtml
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