Por Sarah Luiza Moreira
Tive a oportunidade de participar da Marcha das Margaridas 2011,a maior
ação de massa das trabalhadoras rurais, do campo e da floresta,que
aconteceu em Brasília entre os dias 16 e 17 de agosto, com o lema
“2011
razões para marchar por Desenvolvimento Sustentável com Justiça,
Autonomia, Igualdade e Liberdade”.
Éramos
cerca de 70.000 mulheres, vindas de todos os
27 estados do Brasil. Brancas, negras, jovens, idosas, rurais, mas
também urbanas, índias, quilombolas. A diversidade de caras,
formas, cores é, sem dúvida, uma das características mais
interessantes desse movimento que se propõe a mobilizar, articular e
propor políticas públicas não apenas para as agricultoras, mas
para uma sociedade brasileira sem pobreza, sem fome, sem
preconceito, sem violência.
A
plataforma de reivindicações debatidas pelas mulheres e norteadora
da pauta entregue ao governo federal teve como eixos: biodiversidade
e democratização dos recursos naturais; terra, água e
agroecologia; soberania e segurança alimentar e nutricional;
autonomia econômica, trabalho, emprego e renda; saúde pública e
direitos reprodutivos; educação não-sexista, sexualidade e
violência; democracia, poder e participação política.
Foram
dois dias intensos:na primeira manhã, oficinas e painéis onde
esses eixos foram debatidos, assim como o lançamento da Campanha
contra os Agrotóxicos, com a apresentação do Documentário “O
veneno está na mesa”, de Silvio Tender. Na tarde do primeiro dia
aconteceu a abertura oficial da Marcha das Margaridas 2011 com a
presença de representantes da Contag – Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura - e dez organizações parceiras, com
uma emocionante homenagem à Elizabeth Teixeira, 82 anos, líder
camponesa que sofreu, com sua família (é viúva de João Pedro
Teixeira, dirigente da Liga Camponesa de Sapé/PB) muitas ameaças e
perseguições de latifundiários. Durante todo o encontro tivemos a
diversa e representativa Mostra Nacional da Produção das Margaridas
de todo o Brasil, além de exibições de filmes.
Mas
o momento alto foi a marcha do Parque da Cidade até a Esplanada dos
Ministérios, 6 quilômetros mostrando para o Brasil as
reivindicações das mulheres, em toda sua diversidade e
irreverência, com tantas cores, sons e muita alegria. Muitas se
emocionaram ao ver tanta gente unida por uma mesma causa, marchando
por igualdade, justiça e liberdade; ao ver tantas mulheres deixando
suas famílias, suas casas, suas trabalhos por acreditar na
importância de lutarmos por uma outra sociedade. Ao fim da marcha,
em frente ao congresso, foi realizado um ato público, onde a Contag
e as várias organizações parceiras falaram sobre as reivindicações
que nos levaram até lá. O encerramento da Marcha das Margaridas
2011 teve a presença da presidenta Dilma, que entregou a Carmen
Foro, secretária de mulheres da Contag, o caderno de resposta do
governo federal à pauta entregue pela organização.
Depois
do retorno e do descanso, sentimos a necessidade de avaliar os
resultados dessa ação.
Com
relação às políticas públicas conquistadas após negociações
com o governo federal e apresentadas em um caderno de resposta
entregue pela presidenta Dilma na cerimônia de encerramento da
Marcha das margaridas considero alguns temas como a violência e a
saúde das mulheres não receberam a atenção mereciam: as propostas
foram poucas e pontuais como a implantação de 10 centros de
referência da/o trabalhador/a; de 10 unidades móveis para
atendimento a situações de violência; 16 unidades básicas de saúde fluviais.
As
medidas anunciadas mais significativas estão relacionadas com a
assistência técnica, crédito, comercialização: ampliação do
limite de comercialização de cada agricultor/a com o PNAE –
Programa Nacional de Alimentação Escolar (de R$9,6 mil para R$20
mil); ampliação do Crédito Apoio Mulher de R$2,4mil para R$3 mil
com desembolso não mais em duas, mas em apenas uma parcela; garantia
de 30% dos recursos do PRONAF– Programa de Fortalecimento da
Agricultura Familiar disponibilizados para as mulheres. Tivemos ainda
a ampliação da titulação conjunta da terra também no Programa
Nacional de Crédito Fundiário, que ainda era apenas no nome do
homem.
Várias
propostas de ações me pareceram vagas, mas é verdade que o caderno
de pautas, mesmo com uma interessante reflexão política, também
apresentou reivindicações pouco objetivas. Ainda assim, acho que o
fato de este movimento ter aberto um canal de negociações com o
governo foi importante, tanto para rever pontos onde a proposta
apresentada não foram as esperadas quanto para acompanhar a
construção de campanhas, diagnósticos ou grupos de trabalhos
previstos.
De
forma geral, considero que as medidas apresentadas pelo governo em
resposta a essa ação ficaram aquém das expectativas frente ao
tamanho do movimento e a quantidade de pessoas envolvidas,
considerando que éramos cerca de 70 mil mulheres nas ruas, mas com
uma quantidade muito maior de pessoas envolvidas e participantes na
organização e na construção coletiva das pautas. Foi importante a
abertura do governo ao diálogo, mas ele ainda precisa mostrar com
ações mais substantivas e estruturantes o que os discursos
prometeram, numa perspectiva de um modelo de desenvolvimento de fato
sustentável.
Para
além da questão das políticas públicas, a Marcha das Margaridas
representou para mim uma ação onde as mulheres saem da sua
cansativa rotina, de suas casas, das suas ainda consideradas
obrigações para pensarem sobre suas vidas, sobre a vida das
mulheres em suas comunidades, em suas cidades, em seu pais, e até
mesmo no mundo, e concluírem que esse não é o mundo que elas
querem.
Ouvi
relatos de mulheres que me emocionaram ao contarem dolorosas
histórias de suas vidas (algumas nunca antes contadas); mas que
afirmaram que não seriam as mesmas depois da Marcha, pois de alguma
forma se libertaram de maridos violentos, de medos, de vergonhas, de
imposições.
Todas
nós saímos de lá como margaridas. E o que significa se sentir como
uma Margarida? Significa se colocar na pele das mulheres rurais,
desejar que não apenas elas, mas todas tenhamos uma realidade de
fato justa, onde não sejamos violentadas e oprimidas por conta do
nosso sexo. Significa não aceitar mais injustiças e desigualdades e
lutar em cada recanto de onde viemos e para onde voltamos por
igualdade, liberdade, autonomia, conceitos amplos, mas claramente
ausentes em nossos cotidianos. É, independente de camisa e de
bandeira, ser feministas.
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