Por Iana Soares
Iana Soares |
Há alguns dias venho em intensa contagem regressiva para o fim do
mundo. Confesso que passei o ano inteiro sem atentar para a profecia dos
deuses, apesar da insistência dos humoristas, das mães e das conversas
de elevador. Há uma semana, no entanto, talvez pela proximidade do fim,
por já sentir a maresia da grande onda ou a aceleração do derretimento
das calotas polares (todos já reparamos na quentura de Fortaleza, só
pode ter uma relação imediata com isso), comecei a riscar os dias do meu
calendário maia.
De ontem para hoje, lembrei de muita
gente e de mim. Inventei futuros, planejei felicidades instantâneas.
Não sei se escalaria uma montanha. Talvez beijasse o amor tantas vezes
adiado. Passaria a noite em Paris. Voltaria a morar na Barcelona que
demora a anoitecer e traz estampados os sorrisos da juventude. Mas
enquanto fazia listas lembrei que já experimentei o fim do mundo. A
memória, com suas asas de borboleta, ronda sob a pele e pousa com seus
pés de elefante, feito tsunami. Há quatro anos, quando recebi um
diagnóstico da doença que, pelo medo, alguns batizam com apenas duas
letras (CA), tive o tal sentimento de apocalipse. Naqueles meses os
deuses maias nem davam pitaco, tão confiantes no 21/12/2012.
Depois
de duas cirurgias, radioterapia e dezenas de picadas de agulha, o mundo
começou outra vez. Passei a experimentar novos sorrisos, cortei o
cabelo bem curtinho para enganar o tanto que havia caído e vi o quanto
ele ficava bonito assim. Assisti a vários filmes, defendi uma
monografia, reforcei amizades, aprendi mais sobre família. Além de
cientista social e jornalista, virei fotógrafa. Entendi que o apocalipse
sacode as certezas e que o fim do mundo é todo dia. É, sobretudo, uma
oportunidade de reinvenção.
Recebi um lindo convite para o
fim de hoje: um aniversário à beira da piscina que traz em si um
paradoxo. Como é possível comemorar o nascimento e o fim no mesmo
brinde? Como já nos alertaram os livros de autoajuda, as frases já ditas
pelo Caio Fernando Abreu no Facebook e a própria vida: todo princípio
já traz em si o final. Nos esquecemos, temerosos da cena derradeira, que
as coisas terminam. Vou comemorar este fim porque é do mundo mudar.
Mover-se. É das pessoas estarem à deriva. Derivar-se.
Onde você vai estar no fim do mundo? E quando ele começar outra vez?
http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/12/21/noticiasjornalopiniao,2975839/aos-que-sobreviverem-a-mais-este-fim.shtml
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