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quarta-feira, 24 de julho de 2013

Conexão musicultural

Por Nelson Augusto
Nelson Augusto

Como grande parte da população brasileira, eu também tive acesso primeiramente ao cancioneiro de Ednardo, através da criação do compositor cearense, “Pavão Mysteriozo”, a qual foi o tema central da trilha sonora da telenovela Saramandaia, em 1976, na Rede Globo do Televisão.

Na época, consegui o então vinil da novela, pois o elepê O Romance do Pavão Mysteriozo, lançado dois anos antes, em 1974, era difícil de encontrar nas lojas de discos. No álbum original de Saramandaia, a longa e criativa introdução inicial da composição foi cortada e Ednardo já começa cantando.

Só tempos depois, através de um amigo, Luiz Antônio Secundino (já falecido) que possuía o então primeiro LP solo do Ednardo, inclusive com o criativo encarte, nos moldes da literatura de cordel, gravei numa fita cassete, a obra completa e escutei o belo solo que inicia a canção que, primeiramente divulgou o maracatu cearense para o Brasil inteiro.

De tanto ouvir a tal da fita cassete com o álbum O Romance do Pavão Mysteriozo completo, decorei todas as letras e quando uma música acabava, no intervalo mudo eu já lembrava do início da outra canção. Tanto que, ao adquirir o álbum em CD, numa reedição de 2001, produzida por Charles Gavin, de imediato, notei que ele também mutilou parte da obra, quando cortou uma vinheta que existe no vinil, entre o final de “Avião de Papel” e o início de “Mais Um Frevinho Danado”.

A omissão deu-se por conta da exclusão de uma pequena composição, em que Ednardo, acompanhado do seu sonoro violão, canta, “É labareda, é labareda, é labareda, brasa e cinza”, palavras nas quais o artista celebra o nome de um dos livros de seu pai, o educador Oscar Soares Costa Souza, a publicação Labareda, Brasa e Cinza, lançada em 1979 durante a Massafeira Livre, no Theatro José de Alencar.

Quando da inauguração da Cidade 2000, na segunda metade da década de 1970, quando fui residir no conjunto habitacional do Papicu, conheci duas pessoas que tiveram uma relação direta com o trabalho de Ednardo: o Dudu (hoje apresentador de televisão e animador popular de eventos culturais, Eduardo Praciano) e o cantor, compositor, músico e arranjador Wilson Cirino, também integrante do Pessoal do Ceará.

O Dudu trabalhava na Emcetur e também atuava com peças de teatro e depois, chegou a participar como um dos produtores do Massafeira, fazendo parte inclusive, da trupe alencarina que foi para o Rio de Janeiro, gravar o tão sonhado álbum duplo de vinil. Lembro-me das nossas noitadas culturais, nas quais sempre gostávamos de cantar a música “Fênix”, do álbum Azul e Encarnado, lançado por Ednardo em 1977.
Com Wilson Cirino, que atualmente mora outra vez na Cidade 2000, além dos contatos musicais, nos quais ele sempre tocava seu violão e falava de suas atividades artísticas, quando vinha de férias para Fortaleza, sempre jogávamos futebol e tomávamos umas cervejas, após os rachas. Ao lado de Pepeu Gomes, Cirino fez os arranjos do disco Cauim, álbum que Ednardo gravou e lançou em 1978, pela Warner, atividade que, antes de acontecer, já tínhamos notícias.

Continuei adquirindo os discos seguintes – Ednardo (1979) e Imã (1981). Em 1981, quando fui para a Rádio Universitária FM, primeiramente como bolsista do Curso de Comunicação da UFC, de imediato levei minha coleção de elepês dele, para enriquecer o acervo da emissora. Foi a partir daí, que fiz as primeiras entrevistas com Ednardo, artista da música cearense que também se tornou meu amigo pessoal.

Tanto que, sempre que ele disponibilizava um álbum novo no mercado, fazíamos o lançamento, conversando sobre o processo de produção, e, tocando todas as faixas, num programa que ainda produzo e apresento todos os sábados ao meio-dia na Rádio Universitária FM, O Disco da Semana.

Quando do surgimento do CD, na primeira metade da década de 1990, através de um projeto de minha autoria, o “Memória 107”, cujo propósito é lançar no formato do Compact Disc, álbuns que foram gravados originalmente em vinil, sugeri ao Ednardo, fazer o lançamento do álbum Massafeira, no formato digital. Como as matrizes pertenciam ao acervo da atual Sony Music, através dos dados passados pelo Ednardo, contatei com a multinacional, a qual cobrou um preço fora do meu orçamento, para produzir mil cópias do álbum duplo coletivo, em CD.

Anos depois, em 2010, numa produção da Aura Edições Musicais, com organização de Ednardo, patrocínio do Banco do Nordeste e com chancela do Ministério da Cultura e o Governo do Estado do Ceará, através da Secretaria da Cultura, foi lançado o luxuoso livro/disco Massafeira – 30 Anos – Som, Imagem, Movimento e Gente.

A publicação tem vários depoimentos de participantes do movimento Massafeira, bem como textos de professores, estudiosos da cultura e jornalistas, além de fotos e vasto material impresso de publicações em outros veículos de comunicação. Serve de pesquisa para os interessados na história da música cearense, pois resgata um pouco da trajetória dessa geração de artistas alencarinos.

Nesses 40 anos de trajetória da carreira artística de Ednardo, resta-nos agradecer ao cantor, compositor que mais divulgou a riqueza da cultura musical cearense, tanto no que se refere aos seus ritmos, como principalmente o maracatu, quanto às mensagens das letras, nas quais, os lugares, personagens, expressões, usos e costumes cearenses, sempre são citados.

Na atual versão da telenovela Saramandaia, como não mantiveram a trilha sonora original, creio eu que a carga dramática dos personagens perdeu muito por conta do fio condutor imagem versus mensagem musical, não existir. No remake anterior da Globo, Gabriela, as canções originais foram aproveitadas outra vez e o resultado foi fantástico. Acredito que, apesar da nova roupagem de Saramandaia ser “livremente inspirada na obra de Dias Gomes”, como denunciam os créditos na tela, João Gibão sem o “Pavão Misteriozo” e o Professor Aristóbulo sem “Canção da Meia-Noite” (Almôndegas), por exemplo, nunca vão retratar a realidade fantástica que o autor escreveu em seu texto.

Espero que o show de Ednardo, próximo dia 27, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, com o auxílio luxuoso de excelentes instrumentistas e cantores cearenses e a participação especial do paraibano Chico César, seja um sucesso também de público. Como o espetáculo que vai ser filmado e transformado em um futuro DVD, as novas gerações poderão ter um documento sonoro e musical representativo da obra do compositor mais representativo da cearensidade cultural contemporânea. Para os admiradores antigos, pela primeira vez terão um documentário de qualidade da obra do autor de “Beira-Mar”.

Nelson Augusto é jornalista e radialista da Universitária FM e editor de conteúdo de www.nelsons.com.br, site que brevemente implantará uma web rádio com foco também para a música cearense.

http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2013/07/20/noticiasjornalvidaearte,3095386/conexao-musicultural.shtml

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