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segunda-feira, 29 de julho de 2013

Passo a passo

Por Romeu Duarte

A José Sales e Bruno Perdigão

Será possível conhecer uma cidade pelas suas calçadas? O grande Vilanova Artigas dizia ser factível medir a felicidade dos moradores de uma cidade pela beleza desta. O espaço público, sua qualidade e suas características é o que fica em nós de qualquer urbe que visitemos, a não ser que sejamos como Garrincha, que se lembrava de Paris apenas por ter sido a cidade onde o técnico Vicente Feola, quando da passagem da seleção brasileira por lá, havia levado uma desastrada queda... Eu, pedestre assumido muito antes de virar arquiteto folgado, só tenho a dizer que tentar desfrutar nossa capital a pé é tarefa que exige, dentre muitas outras virtudes, agilidade de tigre, resistência de Wolverine e paciência de Jó.
Romeu Duarte


Ah, como é difícil gostar de Fortaleza pela via do seu espaço público. Passeios estreitos, desnivelados, escorregadios, sem padrão de pavimentação, o inferno de idosos e inválidos. Out-doors, top-lights, back-lights, fachadeiros, letreiros, luminosos, quem terá a coragem, como dizia Augusto Pontes, de descascar esta Las Vegas tupiniquim e mostrar-lhe a verdadeira face? Praças abandonadas, o parquinho imundo e seus brinquedos quebrados, o vaqueiro destemido tangendo o gado garatujado com spray preto. Ah, Bárbara, Clóvis, Rachel, Patativa, o que vocês diriam se vissem como suas estátuas são por nós tratadas? Ganha um canário roubado da Feira dos Pássaros quem souber.

Palácios tombados pichados e vandalizados, “são as casas dos que nos oprimem, acho é pouco”, diz o ex-manso e gentil ativista ecológico, agora rebelde carbonário do Facebook. O ubíquo engarrafamento de cada dia nos dai hoje, Senhor, mas sem assalto, pedido de amigo, que o liso está no cheque especial e o Nokia dele é xing-ling. O jardim cheio de lixo, as flores disputando os olhares com latas de refrigerante, pontas de cigarro e preservativos usados. No vento, a voz do poeta me sussurra: “nós somos os homens ocos, nós somos os homens empalhados, apoiados uns aos outros, a cabeça cheia de palha, ai de nós!”. Diz aí do alto, Cazuza, por que a gente é assim?

Como se não fora bastante o desmazelo causado por nós próprios, os poderes públicos insistem em nos oferecer, sem nos consultar, as infelizes soluções de um urbanismo rodoviarista tardio, mera panacéia para nossos males citadinos, no qual reina absoluta Sua Majestade O Veículo Individual. E tome túnel inseguro, viaduto mala sem alça e com semáforo embaixo, rotatórias ajardinadas sem condição de acesso e uso, vias que viram rodovias sem passarelas de pedestres, afinal de contas, quem é o doido que vai ao Centro de Eventos a pé? Conseguirá a vigília de alguns poucos abnegados sob a sombra das castanholas cortadas no Cocó deter o coito ensandecido dos viadutos-serpentes?

Um alerta ressoa em todos os i-pods, i-pads, walkmans e celulares dos passageiros-sardinhas do Circular 2: “Desistam, infiéis, vocês pagarão muito caro pelos efeitos desta burrice elevada à potência da omissão e do autoritarismo. Nem a sua divindade máxima, a Ponte Estaiada, os salvará da hecatombe final”. No trajeto, uma área de risco é ocupada, a tapioca com café toma a pracinha sem cerimônia e os camelôs do Buraco da Jia penduram a mercadoria no gradil da Catedral: “Calcinha da moça da novela, uma é dois real, três é cinco real. Quer não, dona? Vai dar um up no material aí...”. Pesadelo lisérgico, exagero do cronista pessimista ou apenas a realidade nua e crua, tal como o bife desta quentinha que eu comprei ali debaixo do Tatazão?
Estejam certos: é a presença, o passo a passo firme dos que não fogem do seu lugar (que deveria ser o de todos), mesmo contrafeitos com tudo isso aí (aqui), o que vai redimir esta cidade, que fazemos, todos os dias, tão bela e tão feia.

2 comentários:

Eva disse...

Parabéns ao meu colega, e amigo, Romeu Duarte pela maravilhosa e tão verdadeira análise da nossa cidade!
Eva.

Raquel Chaves disse...

Tenho a mesma sensação, Romeu. E provavelmente o José, o Bruno, o Marcus, a Popó e outro magote de tantos. Belo texto.
Raquel Chaves